Ivan Turgueniev: “Pais e Filhos”. Abril. São Paulo, 1971

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Contemporâneo de Dostoievsky e de Tolstoi, Ivan Turguéniev é considerado um dos grandes romancistas russos. E o que me surpreende dos russos é sempre o mesmo. Os romances se iniciam com descrições do ambiente, do quadro de costumes imbuídos da moda afrancesada na Rússia Imperial. Tudo muito formal, muito superficial, onde as pessoas não têm nada que fazer –os nobres, se entende- e tudo se resume em festas, bailes e saraus. Pais e Filhos não é uma exceção. De um lado a frivolidade ao gosto francês, do outro o positivismo cientificista que parece renegar as formas, mas no fundo as cultua. Assim caminha o romance, até chegar ao terreno onde os russos têm verdadeira pegada: a psicologia dos sentimentos, que timidamente vão aparecendo nas páginas da obra, para se constituir no verdadeiro protagonista. Essa é a força da alma russa. Pais e Filhos, é considerada a obra mais importante do autor, acerca-se tangencialmente à questão do desequilíbrio entre as classes nobres e operárias –os mujiques trabalhadores- e desenha a figura do “niilista” (neologismo que parece ter sido inventado pelo autor) que encarna no protagonista. Um médico, criatura que se devota à ciência positiva, diz ser refratário aos convencionalismos e a todo tipo de sentimentos, mas no fundo é uma pessoa carente e infeliz. O recado russo chega, mais uma vez, no mesmo registro: abdicar dos sentimentos – abrir mão de amar e de deixar-se amar- amputa uma dimensão essencial do ser humano. Também por isso, é uma leitura que sempre aproveita.

Entre Irmãos: A família que nos cuida e nos cura.

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Brothers . Diretor: Jim Sheridan. Jake Gyllenhaal , Natalie Portman , Tobey Maguire ,  Sam Shepard. 105 min. 2009.

A família é um tema recorrente –na verdade, uma paixão- nos filmes de Jim Sheridan. Nota-se que mamou os valores familiares da Irlanda profunda, sua segunda paixão. De um modo ou outro, o diretor irlandês plasma seus amores entre os fotogramas dos filmes que dirige. Vale lembrar “O Meu Pé esquerdo”, um tributo magnífico à mãe irlandesa, um monumento de mulher. E, anos depois, “Em Nome do Pai”, o elogio rasgado de um pai que, por trás de uma aparente pusilanimidade, demonstra a honestidade e a fortaleza de um colosso. Sheridan fez um encantador ensaio do amor entre irmãos –ainda crianças- no pouco conhecido “Terra dos Sonhos” (In America). Agora chega “Entre irmãos”, outro mergulho familiar de categoria. Chega e vai embora, porque o tempo em cartaz foi mínimo. Enquanto escrevo estas linhas, acabo de falar com a Locadora onde alugo os filmes e me dizem que não chegou; e mais, que nunca ouviram falar dele. Parece que os filmes de Sheridan não tem cartaz, ou lhes falta marketing. Uma pena: com tanta bobagem como circula hoje em dia, seria uma opção consistente, um oasis no deserto das perdas de tempo e dos absurdos.

O argumento é simples, e não é o caso de detalhá-lo aqui. De um lado, o irmão exemplar, casado com uma mulher maravilhosa, pai de duas meninas encantadoras, militar responsável que defende seu país. Do outro, o irmão torto, beberrão e briguento, que vai sobrevivendo entre a cadeia e o desemprego, e embaraça a família de continuo. A vida da voltas, a virtude não é conquista perene –o vício, para esperança de todos, também não o é- e dessas mudanças e reviravoltas se aproveita Sheridan para dar o seu recado. Contundente, profundo, faz pensar. E fará com que muitos agradeçam, e outros se lamentem –por sentirem falta nas suas vidas- da força que nos chega da família. É da família de onde provém a seiva nutritiva, o alimento que nos sustenta.

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Carlos Drummond de Andrade: “Cadeira de Balanço”. Record. Rio de Janeiro, 1992. 256 pgs.

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     Ler Drummond é sempre sair com a sensação de que escrever é fácil, algo quase fisiológico. Não se poderia dizer o que ele diz, de modo mais simples e mais claro. Confesso que foi esse com esse propósito que retirei o livro que descansava há alguns anos na prateleira do meu escritório, à espera do momento oportuno. As semanas passadas ocupei-as em escrever a nova versão de um livro –que também estava esperando a oportunidade- e me lembrei de um conselho de um amigo escritor. Passávamos uns dias de feiras juntos e, sabendo que eu tinha uma obra de Drummond comigo, ma pediu emprestada por algumas horas. A minha cara de surpresa foi interpretada como uma interrogação, e ele respondeu de bate pronto: “Estou escrevendo alguma coisa, e preciso pegar vocabulário“. A lição ficou, e eu também me dispus a “pegar vocabulário” emprestado do Drummond. Não idéias, pois essas devem ser próprias; mas o modo de exprimi-las, de fazer-se claro.

     Cadeira de Balanço é um conjunto delicioso de crônicas do escritor mineiro, a maioria redigidas no Rio de Janeiro, sua segunda pátria. Motivos e temáticas variados, estilo singelo e claro, como uma conversa com o leitor, “aquelas conversas que são um recordar contínuo e calmo, passeio em terreno firme, conhecido, os dois sabendo cada folha de arbusto, o lugar da sombra a cada hora da tarde”.

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INVICTUS: Liderança e Cuidados, fazendo as pessoas melhores.

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Invictus.  Director: Clint Eastwood.  Morgan Freeman, Matt Damon, Tony Kgoroge, Patrick Mofokeng, Matt Stern. 133 min.

      Li em algum lugar que Clint Eastwood, depois de Gran Torino, disse que não faria mais filmes. Já estava tudo dito, e o testamento escrito magistralmente, porque Gran Torino é mais do que um filme: é a história de Clint, sua evolução como cineasta, como ator, como pessoa. Abre o seu coração, toca fundo no espectador. Pode ser que quando anunciou sua retirada, se referisse apenas a não atuar novamente. Ou pode ser que não falasse nada, simplesmente respondesse com silêncio às respostas dos jornalistas que, naturalmente sentem-se autorizados a interpretar o mutismo como melhor lhes parece. Seja como for, o fato é que uma história forte é para Eastwood uma tentação à qual não faz nenhuma questão de resistir. Agora, de repente, chega Invictus, como um belo apêndice de recados.

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Avatar y las estaciones del año

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Vi no hace mucho la película de Avatar. Me sorprendió la enorme belleza de la película, un exceso de maravillas que el cuerpo agradece, y sobre todo lo descansa y agranda la mirada.

      La defensa de la vida en el film, se me hizo en algunos momentos incomprensible, hasta que como siempre la propia vida ofrece una interpretación válida al menos para uno mismo y comprensible para otros aunque su experiencia vital sea diferente.

      La naturaleza del hombre y su vida están felizmente ligadas a la Vida y a la Naturaleza. Lo que destruye esta daña también aquella. Así en nuestro vivir a veces las estaciones del año que nos brinda la traslación de la tierra se manifiestan al modo humano impregnando todo cuanto hacemos.

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AVATAR: Estética em 3D, liderança e valores em 4D.

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    Com um globo de ouro na mão, esperando a festa do Oscar como grande favorito, e tendo batido recorde de público e de arrecadação, é possível acrescentar algo diferente ao muito já falado sobre Avatar? Essa deve ser a pergunte do leitor – se é que alguém se aventura a ler estas linhas a não ser por cortesia com um aprendiz de crítico- e a minha própria pergunta. Felizmente, o cinema acode em nossa ajuda enquanto evoco as palavras de Massimo Troisi, naquele filme encantador “O Carteiro e o Poeta”. Neruda recrimina o jovem carteiro de ter plagiado seus versos para compor uma poesia à mulher que ama. O carteiro se defende: “A poesia, Don Pablo, não é de quem a faz, mas de quem precisa dela”. Não é possível dizer de modo mais simples, algo tão profundo; e liquidar definitivamente o tema dos direitos autorais da arte, ou melhor, dos inúmeros significados que a arte encerra, e que cada um toma como mais lhe convém. As múltiples “exegeses” que têm sido elaboradas a propósito de Avatar são um exemplo da versatilidade da arte. Sinto-me, pois, no direito, de acrescentar mais uma à longa lista. Não será a melhor, nem a definitiva; será, apenas, aquela porção de poesia da qual eu preciso nestes momentos.
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David Gilmour: “O Clube do Filme”. Intrínseca. Rio de Janeiro, 2009. 234 pgs.

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21547890_41Um escritor, culto, conhecedor de cinema e com traços de anti-herói se defronta com o filho adolescente, que é um verdadeiro desastre no colégio. Surge a proposta: se não queres ir à escola, tudo bem; sempre que te mantenhas longe das drogas, e assistas três filmes por semana comigo. Um belo desafio, que não sabe onde vai dar.  Será que sou capaz de formar meu filho -pergunta-se o autor- prepará-lo para a vida? Eu mesmo, que estou desempregado formalmente –um bico aqui, outro lá-, com roteiros de documentários, programas de TV decadentes, escrevendo o que ninguém lê? Será que sou capaz? Assim começa o clube do filme, que da origem ao livro.
    O livro é o diário do clube do filme, onde as sessões de cinema no mano-a-mano se mesclam com diálogos, reflexões, tentativas de tirar o jovem do fundo do poço: nos estudos, nas decepções amorosas, na perspectiva do mundo e da vida que tem por diante. Os filmes detonam reflexão, se não de imediato, sim em forma de bomba relógio. Tem pegada. Todos eles. Talvez mais do que os filmes, é a paixão do pai pelo cinema –afinal, ele coloca os filmes dele, os que lhe tocaram, aqueles que guarda na memória e no coração- e os bastidores de cada filme, dos diretores e atores, que conhece como todo cinéfilo, e faz questão de contar a modo de aperitivo para o filho. “Eu volto aos filmes antigos não apenas para revê-los, mas também com a esperança de reviver as sensações de quando os vi pela primeira vez (Isso não se aplica apenas aos filmes, mas a tudo na vida)”.    
     Um livro peculiar que mostra, mais uma vez, que é possível utilizar o cinema para educar as pessoas. Não de um modo formal, em conteúdos, mas certamente abre caminho para abordar as atitudes, que são a base de qualquer educação. As questões que o cinema levanta – um modo plástico de entender a vida- teriam ficado ocultas a não ser por este curioso e arriscado modo de ensinar. O leitor poderá ter diferenças –talvez muitas- com os critérios educacionais do autor, discordará dos valores que se ventilam. Mas, vai aqui o meu conselho: faça uma abstração da normativa moral e fique com o método. E aplique-o: se surpreenderá vendo a quantidade de assuntos que surgem no vácuo de um filme, de uma cena. É o que os educadores denominam curriculum oculto: algo ao qual não prestamos atenção, porque não sabemos como lidar com ele. Está na hora de começar.

El piano

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Por Mariluz González Blasco

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Mandé, por fin, afinar el piano. Al ritmo de sus sonidos iban renaciendo recuerdos de la infancia y recuerdos de las personas que lo tocaban.

Cuando el maestro terminó su trabajo quedó asombrado. “Este piano ha respondido de maravilla. Sólo en otra ocasión encontré un instrumento como este que después de 25 años sin afinarse me respondió tan magníficamente.” Al principio cuando el afinador pulsó las teclas, diagnosticó una “enfermedad grave”. “No sé si el piano aguantará la afinación, está muy mal”.

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David Allen: “A arte de fazer acontecer” (Getting things done). Elsevier. São Paulo. 2005 200pgs.

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Poderia ser um livro de auto-ajuda e talvez seja mesmo. Um livro para fazer melhor as coisas que todos temos de fazer diariamente. Os conselhos não são novos nem brilhantes, mas nem por isso deixam de ter importância; especialmente porque mesmo sendo conhecidos, são poucos os que, no frigir dos ovos, os colocam em prática. O autor recomenda que sendo muitas e de caráter muito diverso as pendências de cada um, as tiremos da mente –da memória RAM- e as armazenemos em compartimentos adequados para consultar quando for necessário. Criar, pois, caixas de entrada que, periodicamente serão esvaziadas no processo que catalogará as pendências nas prateleiras correspondentes: fazer agora, estudar depois, algum dia talvez, para quando tiver tempo. Esvaziar a mente para dedicar-se ao que, neste momento presente, estamos fazendo: um belo conselho, de lógica esmagadora.  “Na minha experiência –diz o autor- tudo o que é mantido na memória RAM psíquica vai demandar menos ou mais atenção da que lhe é devida, nunca a atenção exata: essa somente pode se atingir tirando as coisas da memória RAM e colocando-as no lugar que lhes corresponde(…) Nesse momento passaremos a refletir sobre as coisas ao invés de apenas lembrar que elas existem”.

    A falta de tempo não é, como muitos pensam, o verdadeiro problema. O problema é mesmo a falta de definição de um projeto que, por ser pouco claro, não resulta fácil estabelecer quais os passos a seguir para implementá-lo. Daí que uma das perguntas importantes que o autor recomenda é: “Muito bem, e agora: qual é a próxima ação a fazer? Essa pergunta centra o foco de modo surpreendente.

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“O Tempo entre Costuras”María Dueñas

Pablo González Blasco Livros Leave a Comment

“O Tempo entre Costuras”María Dueñas Ed. Planeta. Madrid. 2009. 640 págs.

Disfrutei enormemente lendo o romance de María Dueñas, naturalmente o original em espanhol, porque embora a tradução me consta ser boa, o sabor de frases que evocam a minha infância, quase os cheiros e perfumes daquela época são de todo ponto intraduzíveis.

São 600 páginas de leitura dinâmica, não tive como parar. Essa é a única dificuldade do livro, dosar a leitura, porque no embalo a coisa caminha sozinha. Um fenômeno narrativo que mistura aventuras, suspense, história e saborosos diálogos em boca de personagens magnificamente conseguidos. Isso resume tudo, e assim me recomendaram: mergulha no livro, nem te atreva a ler as orelhas da capa, que perderá impacto. Assim o fiz, e mesmo sem contar nada -nem mesmo as orelhas do livro- não resisto a contar outras coisas. Não do livro, mas de mim mesmo; ou melhor, da interação que tive com o romance nestes dias inesquecíveis de leitura. Do meu diálogo pessoal com ele.

Desde criança sempre me chamou a atenção escutar nas zarzuelas -essa versão tão espanhola de opereta- as canções, que falam de costureiras. Bailes nas quermesses, cheios de personagens únicos -o emproado sujeito conquistador de Madrid, matronas com um poder de fogo tremendo, cavalheiros ao velho estilo…e costureiras. Chamava-me a atenção porque nunca pensei que se poderia fazer tanta poesia com uma costureira, como se fosse uma classe aparte que merecesse ser citada. Embora -tudo deve ser confessado- a única costureira que conheci na infância era uma vizinha, muito amiga da minha mãe. Uma moça alta, de bom parecer, com muita classe, que costurava para as senhoras do bairro e, certamente para muitas outas. Pili (diminutivo carinhoso de Pilar) a chamávamos: Pili, a costureira.

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