Os Abraços partidos de Almodóvar: A deformada imagem de uma triste realidade.

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   O melhor do último filme de Almodóvar é o título. Abraços partidos. No título original em espanhol os abraços não se partem: quebram-se, que é muito mais forte. São abraços rotos. O título é preciso, funciona como um prelúdio de tudo o que vem depois, como acontece com freqüência na ópera. Na abertura se esboçam os temas principais, compassos das árias e duetos que se sucederão, ou o leitmotiv que preside a composição e atrai como um imã os destinos dos figurantes. O fantástico prelúdio de La Traviata, por exemplo, converge para o grito desesperado de Violeta – Ama-me Alfredo!-, porque essa dama das camélias busca um amor que a sustente, já cansada de cair dos abraços, sempre partidos, de um e de outro.

   O título é uma ouverture que me fez pensar. Muito; tanto que decidi escrever estas linhas fruto da minha reflexão. Logo eu, que nunca coincidi com Almodóvar em quase nada, a não ser no gosto pelo cinema. Porque Almodóvar sabe fazer cinema, isso é inegável. Mas suas personagens se regem por um estilo tão bizarro que nunca consegui me identificar com elas. Digamos que me repeliam, mesmo antes de atingir o miolo da mensagem. A extravagância embaçava as idéias e os recados de modo a torná-los indigestos. Sem tirar nenhum mérito à estética –Almodóvar prima por ela- mas a estética é compatível com o mau gosto.

   Corria na Espanha uma história maldosa –provavelmente é uma lenda- sobre a mãe do Almodóvar. Parece que a boa senhora teria dito ao Pedro em certa ocasião: “Meu filho, com os filmes que você faz não consigo nem conversar com as vizinhas”. Lenda ou não, o assunto tem peso, porque na Espanha dessa época, o bom senso e os costumes passavam, impreterivelmente, pelo julgamento inapelável das comadres da vizinhança.

   Nos filmes de Almodóvar não havia ninguém normal. E dentro dessa anormalidade corporativa, o roteiro se desenvolve com uma lógica que é normal… para pessoas anormais. Algo similar ao que acontecia ao seu patrício de La Mancha, o fidalgo D. Quixote, embebido na paranóia. Tudo é lógico e correto salvo o referencial. Uma lógica interina –nos filmes de Almodóvar e nas andanças de D. Quixote- fechada sobre ela mesma, numa quimera bizarra. E os filmes onde ninguém é normal confesso que dificilmente me tocam. Nem me provocam nenhuma reflexão nem me sinto impelido a escrever.

   Houve uma evolução, pelo menos assim o entendo eu. Em Almodóvar, talvez em mim; o fato é que estou dando volta a estas idéias desde que vi o título, depois assisti filme e vi desfilar os créditos finais misturados com fotografias rotas, que se juntam a modo de quebra-cabeças, igual que eu faço agora tentando achar o fio condutor destas ponderações.

   Os últimos filmes de Almodóvar me surpreenderam com tentativas de normalidade. Comecei a discorrer. Fale com ela, Volver, me instigaram positivamente. A lógica bizarra deixava aparecer momentos de normalidade. Senti ser espicaçado por personagens mais próximos da realidade. Agora, com Abraços Partidos, a realidade assume o protagonismo. As personagens são normais, e o que se torna anormal é a situação delas. São pessoas normais vivendo na anormalidade, com tremenda naturalidade. Ai é que mora o perigo, e o motivo destas cogitações que foram se alinhavando conforme assistia o filme, quando o prelúdio do título desabrochava.

   Os temas recorrentes no cinema de Almodóvar – a ausência do pai e a mãe solitária, as tramóias de infidelidades com variedade de amantes, as obsessões e torpezas- continuam presentes. Mas ao invés de estarem inseridos num mundo quimérico de criaturas bizarras, são o quotidiano de seres muito próximos a nós, valha dizer, normais, comuns. E tudo com extrema naturalidade, onde o chocante dá lugar ao cômico que, na verdade, oculta o patético de pessoas que sofrem. Ninguém se salva; ninguém vive uma situação normal, todos estão destroçados, e parece que esse é o mundo que nos rodeia. O nosso mundo, onde vivemos rindo – por não chorar-, já que todos riem, e parece que a vida é assim mesmo. Paciência!

   Ocorreu-me pensar que com estas novas coordenadas, a mãe do Almodóvar não teria nenhum problema em falar com as vizinhas, porque a vizinha deve ter um filho, ou um irmão, ou uma neta em situação tão triste como as personagens do filme. Ou, quem sabe, a própria vizinha se encontra em semelhante circunstância. Fazer o que? Hoje é assim mesmo, não? Talvez não; paremos para pensar. Pensemos nos abraços e nos encontros, seu preâmbulo necessário.

   Quando nos deparamos com alguém que nos ataca, por exemplo, com um punhal sabemos o que podemos esperar desse encontro. Fugimos dele, o evitamos, tentamos dar o troco por adiantado. É um instinto de preservação. As armas são de espécie variada: metálicas e morais, já sabemos disso. Até aqui o consenso é universal: nada a esperar, a não ser fugir em tempo.

   Depois há outro tipo de encontro, não ameaçador, mas cujos resultados são também previsíveis: o fastio, a solidão quando o produto se esgota, quem sabe o vício aditivo. Um universo de ampla diversidade que vai do comércio sexual até os estímulos químicos variados, passando pelas variações de lances ao modo de Don Juan. No fundo, ninguém espera crescimento nenhum desses encontros; e se o interessado se encontra embotado para descobrir que o valor agregado de semelhantes peripécias é nulo, a maioria dos mortais concorda ser um erro tal investimento. O problema real são os abraços… partidos.

   O que buscamos no abraço? Aconchego, compreensão, conforto. Vamos desarmados, nos confiamos em quem nos quer, buscamos sustento. Não é o amasso libidinoso nem o calor sensual o que nos atira nos braços do interlocutor. É uma simbiose única de pedido de ajuda e demonstração de carinho sincero. E ai, no meio dessa festa, o abraço se quebra, caímos, nos machucamos e não sabemos se o que dói mais é o golpe ou a decepção. Fomos enganados? Houve má fé? Provavelmente não; de nenhum dos dois lados se tramou uma fraude consciente. O que falta é fortaleza para sustentar o compromisso, para segurar o outro em abraço protetor. As carências de afeto nos empurram para os primeiros braços que acenam. São talvez braços sinceros, mas raquíticos e consumidos também pelas próprias carências, pelas fraquezas de caráter, que é o verdadeiro núcleo do problema. Somar fraquezas e carências não gera fortaleza nem músculo afetivo. Os abraçados contemplam, com pavor, como o abraço se desintegra porque, mesmo havendo boa vontade, falta a verdadeira nutrição do amor.

   Deveríamos aprender das experiências, mas o homem é um ser que esquece; e tropeça muitas vezes na mesma pedra. O processo continua. Mal se recompõe do golpe, parte para outra, enxerga a possibilidade de um novo abraço, lembra como um pesadelo do último incidente e pensa: “agora vai ser diferente, agora já sou gato escaldado”. Mas não o é, lança-se com fruição ao abraço, e sobrevém a nova calamidade: o colo protetor se esfarela novamente, restando os cacos machucados que Almodóvar nos desenha com perfeição.

   A questão é de simples enunciado, embora seja de árdua execução. A boa vontade e as toneladas de carência que arrastamos não são suficientes para configurar braços fortes que nos sustentem e que sejam capazes, por sua vez, de amparar os outros, fazendo da nossa vida um serviço real. A solidez afetiva, o amor que no dizer bíblico “é forte como a morte”, somente se consegue com treino diário, com os halteres que implicam num exercício quotidiano de doação e de construção própria. Quando se vive mergulhado no egoísmo e todo o universo que somos capazes de contemplar se esgota no próprio umbigo, o músculo afetivo se atrofia, é incapaz de fornecer amor sustentável. Vive-se numa atmosfera de sentimentalismo adocicado, pratica-se alguma filantropia de ocasião –pouco mais do que dar esmola em farol- mas no frigir dos ovos, esses braços são quebradiços, e os desejados abraços não passam de papel molhado.

   Já dizia Zeffirelli, outro esteta do Cinema, que o amor se estraga por descuidar os detalhes: minúsculas bobagens, mal entendidos diminutos, preguiças microscópicas que não se teve o valor de desmascarar. Como um câncer que não se descobriu em tempo de salvar a saúde. Como a ginástica do carinho esforçado que se despreza no dia a dia, que renderia músculos vigorosos capazes de abraços sustentáveis. Descuidar os detalhes é a traça que consome a força interior, o caminho definitivo para o raquitismo da alma. Processo silencioso, latente, que mostra a explosão da sua fragilidade quando pretende abraçar a alguém e o deixa cair, uma vez e outra. Um desastre.

   Almodóvar nos brinda com uma vigorosa direção de atores, feitos à sua imagem e semelhança – são atores que levam sua marca-; uma mise-en-scène envolvente, com suas tomadas, fotografia, montagem e trilha sonora. Um cinema de primeira, que se impõe. E, dentro dele, como um espelho do nosso mundo onde a técnica impecável oculta tanto dissabores, pessoas normais, vivendo na anormalidade; tristes, fracos, com a vida destroçada de tanto derrubar-se de abraços anêmicos. Mas –vai aqui minha frontal discordância- o mundo não é isso. Tem mais, muito mais, meu caro Almodóvar.

   Existe sim senhor, o amor esforçado. Existem pessoas normais que fazem questão de viver na normalidade, mesmo que no mundo haja quem mal viva de tanto golpe de abraço roto, apanhando que nem mulher de malandro e nem saiba como lhe chegam os coices.  Existem muitos que sabem viver com alegria e tornam compatível o sacrifício e a generosidade – a ginástica afetiva!- com desfrutar da vida. O filme é uma imagem deformada de uma triste realidade. Da realidade que Almodóvar contempla e nos quer fazer acreditar que é a única. De jeito nenhum!

   Por isso eu fico com o melhor do filme, que é o título. E com ele uma esperança: a de que este diretor, patrício de D. Quixote, se aventure a descobrir o outro lado da realidade, a Dulcinea que se esconde tímida, por trás da moça de aldeia, de vida fácil. Daí sim, com o seu cinema de categoria, nos ajudará a fazer um mundo melhor, a mostrar uma luz de esperança onde encontremos o abraço perfeito que conforta e nos anima a ser melhores. E então, se me é dada essa oportunidade, eu mesmo irei conversar com a mãe do Pedro sobre os filmes que ele faz e celebraremos juntos haver sabido esperar a plenitude de um homem que ama o cinema e nos ensina a amá-lo sem medo

Kazuo Ishiguro. “Não me abandone jamais” Companhia das Letras. São Paulo (2005). 343pgs.

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3180106Romance peculiar, com um suspense “incômodo” que apenas se esclarece no final do livro. As pessoas funcionam corretamente, mas são como de plástico, sem história de vida, sem raízes, sem família. Algo não se entende. E chega mesmo a incomodar as passagens onde se mostra que funcionam sem nenhuma categoria moral, apenas com uma correção formal muito questionável. No fim, tudo isto vem à luz, mas já é tarde. O impacto é forte, mas é uma pena que tenha se deixado para o final o grande questionamento: o que fazemos com toda essa técnica que nos embriaga? Por outro lado, se isto fosse mostrado desde o começo, perderia força e suspense.

John Twelve Hawks. “O Peregrino” 496 pgs. Rocco. Rio de Janeiro, 2005.

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8532519806Romance de ficção. Uma mitologia que descreve a Imensa Máquina controladora dos homens, os Peregrinos, seres que não estão sob o controle da máquina, e os Arlequins, cuja missão na vida é proteger os Peregrinos. Um romance mistura de capa e espada e Star Wars empolgante e que prende a atenção. Curiosamente, ninguém sabe quem é o autor, se o nome é verdadeiro ou pseudônimo, e mesmo o editor dele teve contato apenas por telefone via satélite. Vive como um dos peregrinos do seu livro.

José Antonio Millan: “Perdón Imposible” RBA Barcelona. 2005. 173 pgs.

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perdonbolsiUm livro divertido e dinâmico, que pretende ser um guia para uma pontuação mais rica e consciente. A obra não é um compêndio de regras, frias, desencarnadas. São reflexões, ilustradas com exemplos, que motivam o leitor para que se adentre na aventura de melhor pontuar. Afinal, não pontuamos –diz o autor- para dar gosto aos especialistas, mas para melhor comunicar-nos com os nossos semelhantes. Pontuar bem é uma necessidade, não um luxo; exige, de algum modo, colocar-se no lugar do leitor –de quem deverá ler o que nós escrevemos- para ver como se entende o que escrevemos; se estamos, ou não, fazendo-nos claros no modo de nos exprimir.  Mesmo escrito em espanhol, o livro será de utilidade para quem escreve português, porque as reflexões servem para qualquer idioma; afinal, o que o livro pretende é a que a expressão escrita se adéqüe ao que o escritor pensa e, de fato, quer exprimir. Um comentário colateral que se impõe –vem á mente enquanto lemos o livro- é que os déficits de conteúdo que encontramos no meio universitário de hoje são fruto da pouca leitura. Há muita comunicação presidindo um mínimo conteúdo. E o pouco conteúdo que se tem não se sabe exprimir com clareza. É preciso ler mais, para escrever melhor. Quem sabe carecemos de trocar algumas horas de navegação virtual por leitura e ensaios de escritura. O resultado, sem dúvida, compensará, pois a comunicação será mais eficaz.

Alejandro Llano: “Cultura y pasión”. Eunsa, Astrolabio. Pamplona. 2007

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843132435X+Coleção de ensaios deliciosos sobre temas atuais delineados com instigante perspectiva filosófica. Aborda-se o que seja a cultura, o tema da globalização, a sociedade da informação versus a sociedade do conhecimento, a técnica da informação versus a educação fecunda. O papel da universidade nos dias de hoje, a necessidade de fomentar as humanidades como foco do verdadeiro saber, o urgente que nos impede ocupar-nos do que é realmente importante, e o papel social da empresa que consiste em cuidar das pessoas, em promover a iniciativa, para ser de fato inovadora. Um livro necessário, para ler em pequenas doses, meditando os aprendizados de cada capítulo. Anotamos a seguir, alguns exemplos que, certamente, provocarão o leitor:

O que é cultura, pergunta-se o autor. Algo que tem a ver com a espessura do homem, com sua densidade. Não é ornato, enfeite, como aqueles que dizem ter a cabeça “muito bem mobiliada”, de modo que são como trastes que acabam ocupando espaço inútil. Citando Ortega, comenta: “a vida é um caos, uma selva, uma confusão. O homem perde-se nela, Mas sua mente reage perante a sensação de naufrágio, e trabalha por encontrar na selva caminhos: idéias claras e firmes sobre o universo, convicções positivas sobre o que são as coisas e o mundo. O conjunto, o sistema dessas coisas é a cultura. O que nos salva do naufrágio vital”.

Citando Pascal: “todos os conflitos provem de que o homem não saber permanecer tranqüilo no seu aposento”, lendo, dedicando-se ao conhecimento. Este tema, o da sociedade da informação versus sociedade do saber é amplamente abordado em outro capítulo. A informação é externa, tecnicamente articulada, encontra-se à nossa disposição. O conhecimento é uma atividade vital, um crescimento interno, um enriquecimento. A informação somente tem valor para quem sabe o que deve fazer com ela, como utilizá-la. O conhecimento é um fim em si mesmo. Não é “útil”, mas confere a sabedoria para bem utilizar a informação. São duas dimensões não opostas, mas sim atitudes antropológicas diferentes e complementares. E para tudo isso é necessário a filosofia, “que não semeia nem recolhe, apenas remexe a terra” (Kolakowski). (penso eu que a reflexão é um modo de remexer a terra também..)

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Helga Schneider: “Deixa-me ir, mãe”. Berlendis Editores. São Paulo, 2001. 135 pgs.

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173194São 135 páginas que narram o encontro da filha, hoje sexagenária, com uma mãe de 90, que abandonou ela, o irmão de ano e meio, e o marido, para cumprir sua missão e dever sendo guardiã das SS nos campos de extermínio. Um escrito real e psicológico, onde se mistura a falta de amor para uma mãe que nunca o foi, a repulsa, o sentimento de perdão, a obcecação de quem foi cortado por padrões de uma ideologia irracional. Momentos atuais –do encontro de um só dia, após 54 anos- com lembranças do passado e conhecimento das barbaridades provocadas pelos nazistas. Possui grande força narrativa quando se leva em consideração o contexto real: um diálogo, tremendo, de uma filha com a mãe a quem não vê há meio século.

Etty Hillesum. “Una vida conmocionada” – Record, 1981, 260 pgs.

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A Tertúlia Literária mensal, brinda-me a oportunidade de voltar sobre um livro especial, que me impactou no seu dia. Trata-se do Diário de Etty Hillesum, uma intelectual judia holandesa, no período de 1941-1943. A autora acabou sendo deportada para os campos de concentração onde morreu.

O diário é uma avalanche de sentimentos, percepções, sonhos, desejos, procura sincera de Deus, misturada com uma vida nem sempre exemplar. Chama a atenção este estilo místico-humano, certamente sincero, de alguém que não tinha uma religiosidade explícita, que se envolvia com amantes, mas que parecia buscar com paixão um sentido para a sua vida. “A finalidade da meditação deve ser converter-se por dentro numa grande planície, sem matos que impeçam a visão. Tudo isso para que cresça algo de Deus dentro de nós mesmos”.

Uma vida que considera sempre maravilhosa, e na qual entende ser sua função a de servir e doar-se aos outros, e que não tem o direito de escapar daquilo que o seu povo sofreu. “Não se pode dominar tudo com o cérebro, também é preciso deixar fluir um pouco a fonte dos sentimentos e da intuição. O conhecimento é poder, eu sei. Talvez por isso ambicione sabedoria, por esse desejo de me impor. Não o sei ao certo. Senhor, dá-me antes sabedoria do que conhecimento; aquele conhecimento que leva a sabedoria e que faz com que pessoas como eu sejamos felizes”.

Vale lembrar que é uma judia quem escreve, e que entreve qual será o seu fim. Mesmo assim não culpa o sistema, nem a vida, nem mesmo a crueldade dos outros. Somo cada um de nós os que temos de encontrar o modo de fazer o mundo melhor, transformando-nos nós mesmos: “Não vejo outra solução a não ser adentrar-se em nós mesmos e exterminar toda esta corrupção. Não creio que possamos melhorar em algo o mundo exterior, enquanto não melhoremos primeiro nosso interior. Esta me parece a grande lição desta guerra. Que tenhamos aprendido a buscar o mal dentro de nós, e não em nenhuma outra parte (…). Não sinto saudades; estou em casa. Isso o aprendi naqueles dias. Estamos em casa. Sob o céu estamos em casa. Estamos em casa em cada lugar do mundo, sempre que nos levemos a nós mesmos por inteiro”

Reflexão interior, busca de aprimoramento, ao invés de queixar-se e espalhar as reclamações aos quatro ventos. Essa foi uma das grandes conclusões do nosso debate filosófico, na tertúlia literária. A segunda conclusão, segue-se como facilitadora da primeira: para refletir, além de calar e cultivar o silêncio, é preciso escrever. “Não sou capaz de superar isto sozinha? Todo o mundo tem de saber o que acontece, é certo; mas também é preciso tratar bem aos outros e não os carregar constantemente com coisas que podem se suportar perfeitamente na solidão. Faz alguns dias pensei: o pior para mim será quando me tirem o papel e o lápis e não possa conseguir nem um pouco de clareza, que é para mim o mais importante”. Daí arranca a necessidade vital de escrever um diário: refletir, entender e entender-se a uno mesmo. Escrever, vencendo a preguiça, ao invés de quere contar sensações o tempo todo, que acabam onerando os outros, e nada resolvem. Como alguém comentou: São precisos mais diários e menos post no facebook, que dispensam de qualquer reflexão, pelo fato de tornarem-se públicos. Nada fica, é como água sobre as pedras.

E quando se reflete e se agradece a vida, mesmo repleta de contrariedades e durezas, é possível atuar como ponte e união com os outros homens. “Os caminhos reais de união, de pessoa a pessoa, existem neste mundo brutalmente desordenado, só interiormente. Exteriormente estamos fragmentados e os caminhos que vão de um ao outro estão sepultados sob os escombros, o que torna difícil encontrá-lo. Somente no interior é possível um contato ininterrupto e uma convivência conjunta”.

Uma união e compreensão que reclama a presença de Deus, como fonte de amor. “O único gesto decente que nos resta hoje em dia: ajoelhar-nos diante de Deus”. É por tanto natural a referência a Santo Agostinho, aquele campeão do amor, o temperamento mais erótico que já existiu no dizer de Ortega, que afirmava amor meus et pondus meus, meu amor é o meu peso, a minha medida, o norte que me guia. “Vou ler de novo Santo Agostinho. É tão severo e fervoroso. Tão apaixonado e cheio de entrega nas suas cartas de amor a Deus. Na realidade estas são as únicas cartas de amor que a gente deveria escrever: cartas de amor a Deus. Seria soberba demais afirmar que tenho amor demais dentro de mim como para dá-lo apenas a uma pessoa”

Há certas semelhanças com o estilo de Edith Stein, embora Hillesum explore mais o psicologismo do que a filosofia ou a teologia. Um livro que pode ser útil para entender as profundidades que alberga o ser humano, e as tremendas capacidades de melhora e de conversão que nele se encerram. Tudo isso, visto e escrito de um modo tremendamente feminino.

Dawn Eden: “The thrill of the Chaste. Finding Fulfillment while keeping your clothes on. Ed. Thomas Nelson. 224 pgs.

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cover_shadowO testemunho de uma conversa. Conversa, em amplo espectro, e por isso um livro diferente e sugestivo. A autora é uma jornalista, judia, conversa ao cristianismo (não sabemos se é católica ou não, mas provavelmente é evangélica). Sua grande conversão, tema deste livro, é a descoberta da castidade como uma vocação. Embora a autora apóie seu raciocínio na vivência real e coerente da sua nova fé –citando com freqüência passagens da Sagrada Escritura, principalmente do NT- os argumentos que utiliza para defender a castidade são de uma lógica natural, aplicável a qualquer pessoa, independente de credo ou religião. Um livro escrito para mulheres, onde fica claro que a liberação sexual – a facilidade em oferecer-se como objeto sexual- é no fundo medo de não encontrar um companheiro para a vida, medo também de comprometer-se. Tem passagens interessantes não desprovidas de humor: “se você tem que perguntar a alguém se amanhã ainda vai te amar, é porque não estás segura de que te ama hoje à noite”.  Uma coisa –diz ela- é ser solteira (single) e outra muito diferente ser singular (sugestivo jogo de palavras). Queremos alguém que nos ame, que seja como “Deus com pele de homem”. Aborda também as diferenças clássicas da alma feminina e a masculina, e anota como se comportam diante do fenômeno amoroso de modos diferentes. A autora conhece e cita Chesterton, e nota-se que admira o humor do escritor inglês, e tenta imitá-lo. Por isso o inglês dela nem sempre é acessível, visto que escreve em estilo coloquial, jornalístico, próprio de quem elabora artigos de divulgação.  Fala, sem nenhum constrangimento, do seu passado repleto de sexo fácil e esporádico, e arranca dos próprios exemplos para mostrar como a castidade é um valor que enaltece a mulher. Por isso, o livro tem credibilidade e embora abuse às vezes dos argumentos bíblicos, dá o recado para as mulheres. Assim, um livro útil para quem está envolvido na formação das adolescentes e jovens mulheres, que brinda argumentos interessantes para viver na castidade. Não são argumentos novos; a novidade está no modo como a autora os coloca e, sem dúvida, na força que adquirem por ser quem escreve alguém experimentado nestas aventuras.

Raymond Arroyo. “Mother Angelica. The remarkable story of a nun, her nerve, and a network of miracles”. Doubleday. New York. 2005.

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imagemExcelente biografia da Madre Angélica, repleta de episódios que mostram uma mulher de fé, que segue os pedidos de Deus para difundir a boa doutrina. Uma fundadora no estilo de Santa Teresa, com sentido de humor, pulso firme, vida interior e grande perspectiva sobrenatural. Uma mulher que, no dizer de Lee Iacocca, poderia ser a santa padroeira dos CEO’s.

Anotamos alguns episódios, traduzidos do original em inglês.

Pg. 58- entorta o dedo justamente o dia antes da profissão religiosa e o anel não lhe cabe (Jesus don´t Love me). Depois envia cartas de agradecimento do recente casal “O casal agradece. Assinado: Jesus e Angélica’

Pg. 59- Com os muitos sofrimentos reclama com Cristo: “Você me envia tudo isto, pensas que sou um cavalo?”. E ouve no interior “No, you are my Bride”  (Você é a minha noiva). Nunca mais reclamou.

Pg. 65. De uma freira com quem não se dava bem, pois tinha inveja de Angélica, escreve: “Suddenly, when I made an effort to Love her, I found myself able to be more patient and loving toward everybody…When you are concentrating on anything that´s disruptive to your life, you really don´t love anybody”. Se te concentras em algo que te irrita, não conseguirás nunca amar ninguém.

Pg 129. Um visitante no mosteiro. Chega a Madre Angélica e lhe diz: “Por que não empresta US$10.000” O sujeito puxa o talão de cheque e diz: “Sem dúvida, diz ele”. Madre Angêlica, surpresa, comenta:  “Você está brincando?”. “Eu não, e a Senhora?”. Diz Angélica: “Na verdade eu estava, mas não estou mais”

Pg. 167– O stand de Playboy, as garotas deram a volta (não que a parte de trás fosse mais decente do que a da frente- comentou a Madre). Chegou até elas, e deu-lhes umas estampas do Sagrado Coração e deixou-as perplexas.

Pg. 193- Num programa de TV, alguém telefona para Madre Angélica e se da o seguinte diálogo:

– Madre, o meu marido trouxe outra mulher para morar com ele.

– Ponha-os para fora

–Mas, não têm aonde ir?

– Eu vou-te dizer aonde irão: ao inferno.

– Madre,  não quero julgar.

– Minha filha, você é boba. O teu marido dorme com outra em baixo do teu teto e você não quer julgar???

Pg 206 e ss – Relata as polêmicas com os Bispos quando da visita do  Papa em 1987.  Dá-se o seguinte diálogo :

– Não quero ser conservadora nem liberal. Somente católica

– A Senhora afirma que existem Bispos bons e maus? –pergunta um interlocutor que é Bispo

– Exatamente.

– Por exemplo, o meu auxiliar?

– É um bom exemplo do tipo de Bispo que eu não quero no meu programa

– Como você decide qual o Bispo que pode ir ao seu programa e o que não?

– Bem, eu sou a dona do EWTN

– Mas você nem sempre vai estar à frente disso

– Vou dinamitar tudo antes de que caia nas mãos erradas

Pg. 216. Pede para Deus retirar-se destas atividades e ouve

– Não, agora você vai construir uma emissora de rádio para mim, e chegar a todo o mundo

– Mas, Senhor, eu não sei nada de rádio

– Não faz mal, eu sim sei. Pode começa- ouve Angélica no seu interior.

Pg. 230. Perante os desvios dos bispos americanos, em 1992, ela decide voltar ao Latim, ao velho hábito, e torna-se rígida com suas filhas. Nada de chegar perto do que ela denomina a ‘Electric Church- every time you GO, you  get a shock). Cada vez que entras em contato levas choque.

Pg. 237. Está se preparando a tradução ao inglês do Catecismo de Igreja Católica, e são utilizados termos  com linguagem “inclusive e não sexista”. A Madre Angélica, em vista disso, cancela todos os pedidos.  Já tinha comentado que Jesus foi concebido pelo Espírito Santo e nasceu um indivíduo concreto, não um simples ser humano. “Você nunca pergunta a uma mãe se a criança é humana, pergunta se é uma menina ou um menino”. Ela viaja a Roma para encontrar-se com o Cardeal Ratzinger. Na entrada se cruza com o Cardeal Law de Boston (que tinha sido chamado pelo Vaticano a respeito da versão inglesa do Catecismo) que lhe diz; “Sei que tem uma entrevista com o Cardeal Ratzinger. Não se esqueça de advogar pela linguagem inclusiva. É muito importante para América”. Ela sorri e diz: “Meu rapaz, você deveria saber muito bem o que eu vou falar com ele”.

Pg. 242. “Estou cansada de ti, igreja liberal em América. Estou farta”. Os comentário são depois que uma via sacra foi representada por uma mulher. “Coloquem uma mulher branca para representar Martin Luther King, ou Maomé, ou Moises, e vamos ver o que acontece. Por que temos que ser os católicos os únicos que podemos ser pisoteados e não temos direito de dizer nada?”.

Pg. 259 e ss . The Mahony affair – o bispo de LA, que numa carta pastoral deixa dúvidas sobre a presença real de Cristo na Eucaristia. Madre Angélica acusa ele publicamente, prega obediência zero, e mesmo pedindo desculpas depois, ela não dá o braço a torcer. O conflito dura vários anos e ela não dá marcha ré. “Não tenho dedicada a minha vida inteira para louvar e adorar o Santíssimo Sacramento e agora, por que um cardeal diz estas coisas, vou ter que negar o que eu faço e ao que eu dediquei a minha vida? De jeito nenhum. Como vou enfrentar o Senhor dessa maneira?” Algum comentário de fontes oficiais disse : “Mother Angelica hás de the guts to tell him what we do not”. (Ela tem a coragem (?) de dizer o que não somos capazes de dizer nós)

Pg. 282. O Bispo de Alabama, sempre apoiou ela, mas ficou incomodado quando alguém comentou:  “Este é David Foley, da diocese the Mother Angélica”. Levanta a questão da Missa ad orientem (de costas) e quer visitar o mosteiro. A briga é grande, e ela não arreda pé.

Pg. 321. Quando estava na UTI, após a cirurgia de um derrame cerebral hemorrágico gravíssimo, e as pessoas pensavam que morreria ou seria um vegetal, o bispo Foley entra para visitá-la. De repente a sua pressão sobe, os alarmes tocam e as freiras sabem que ela volta a ser ela mesma: não tinha perdido a memória e sabia quem estava na frente dela. Havia esperança.

Alma de Herói – Seabiscuit: A Liderança que nos constrói nas dificuldades.

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(Seabiscuit) Diretor: Gary Ross. Atores: Jeff Bridges , Chris Cooper , Tobey Maguire , Valerie Mahaffey. 140 min. 2003

seabiscuit1Após alguns meses de silencio – apenas mutismo virtual: muito trabalho, pouquíssimos filmes, nenhum comentário cinematográfico- nesta semana que antecede o Natal penso que é tempo de pagar mais uma velha dívida. Assim, rascunho estas linhas para promover Seabiscuit – que encontramos traduzido ao português como Alma de Herói. Estou quase certo que quando assisti, há quatro anos, o título que constava na caixa do DVD era esse mesmo: Seabiuscuit- Um sonho americano. Tanto faz. Seabiscuit, que é um cavalo, tem mesmo alma de herói, e também é um sonho. Não somente americano, mas um sonho possível de todos nós.

Alguém poderia perguntar: mas por que isto e uma dívida? Por que você sente a obrigação de escrever sobre este filme, que é uma diversão familiar com perfil Disney? Acontece isso com todo filme que você assiste? Uma necessidade –incômoda dívida – de escrever? Não, em absoluto. Mas, meu caro leitor, eu conheço as minhas dívidas, o quanto devo a alguns filmes, e o peso que tiveram –e têm- na minha vida. Há muitos anos, François Truffaut escreveu um livro que intitulou: “Os filmes da minha vida”. Não é um catálogo dos 100 mais, nem dos 100 melhores. São, simplesmente, os filmes de Truffaut, os que lhe marcaram e tiveram um significado peculiar, as suas dívidas.

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