UM SONHO DISTANTE
(Far and away). Diretor: Ron Howard. Tom Cruise, Nicole Kidman. USA 1991 136 min.

As lembranças que todos guardamos da infância constituem uma peculiar cultura do ser humano. São pedaços de sabedoria, lições de vida, que o tempo e as circunstâncias se encarregam de desempoeirar no momento certo, tirar brilho e torná-las úteis. Lá estão elas, amontoadas em algum recanto imaterial da nossa memória, sem ocupar espaço nem fazer barulho. Certamente, quando lá foram colocadas, muitas delas contra a nossa vontade, não fazíamos ideia da utilidade que, passados os anos, teriam. Na verdade, as lembranças da infância mal se percebem, nebulosamente, nos primeiros anos de vida. É depois, durante a vida adulta quando adquirem sua verdadeira dimensão. Projetam-se em perspectivas que tinham passado despercebidas.

As lembranças são fatos, coisas e, sobretudo, pessoas. Ou melhor, atitudes das pessoas. Pensava no Gerardo, amigo do meu avô, enquanto as cenas de “Um sonho distante” acudiam à minha cabeça. Colega de muitos anos, solteirão convicto, vinha nos visitar alguns fins de semana. Gerardo era um bom apreciador do vinho, do vinho fino, do “Jerez” como dizem na minha terra, e que, injustamente, os anglófonos encarregaram-se de divulgá-lo como “Sherry”. Jerez seco, semisseco, doce: cada um tinha o seu momento e os acompanhantes precisos. De tudo isto o Gerardo entendia, além de ser um papo excelente. Embrulhava as histórias em Jerez, ou o vinho em histórias, não sei; mas ambos os elementos caminhavam juntos. Gerardo bebia com moderação, pouco até, mas o fazia com gosto, saboreando, tirando partido de cada gole mínimo, reparando nas essências. Até nós, crianças, que tínhamos vedado o acesso a semelhantes requintes de adultos ficávamos entusiasmados e quase percebíamos no paladar o comentadíssimo sabor, com todos os seus epítetos e qualificações. Como se pode falar tanto de algo tão simples como é um vinho?
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