TUCKER:  O HOMEM E SEU SONHO

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TUCKER:  O HOMEM E SEU SONHO (Tucker) Diretor: Francis F. Coppola. Jeff Bridges, Joan Allen, Martin Landau, Frederic Forrest. U.S.A. l988. ll0 min.

Vivemos uma época de inconstâncias, refratária a ideais que arrastem o homem para cima, levantando-o da mediocridade. É o acomodamento, o culto ao fácil, ao prazenteiro. Falta forma física no idealismo raquítico, e o homem se apresenta com uma vontade obesa, sem agilidade para aceitar novos desafios. As ideias atraem, mas falta fôlego. Enamoramo-nos delas, das grandes ideias, sensualmente -no dizer de Unamuno-  sendo incapazes de casar com elas e formar família. Usamos as ideias como amantes, como companheiras de uma noite.

Talvez por tudo isto, Tucker é um filme a destacar. Uma avalanche de otimismo e liderança, a apologia do homem idealista. Essa decadência vital que padecemos não procede de doenças no corpo ou na alma -comenta Ortega- mas sim de uma péssima higiene de ideais. Por isso -palavras do filósofo- o homem seleto não é aquele que simplesmente acredita ser melhor do que os demais, mas o que se exige mais, mesmo que não consiga cumprir as exigências superiores. É esta a divisão mais radical que podemos fazer na humanidade: a das pessoas que se exigem muito e acumulam sobre si dificuldades e deveres, e aquelas que nada se exigem, sendo para elas o viver em cada instante ser o que já são, sem esforço de perfeição sobre si mesmas, boiando sem rumo pela vida…

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O Dom da Fúria: Construindo a harmonia familiar

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(The Great Santini) Diretor: Lewis John Carlino. Robert Duvall, Blythe Dayner, Michael Olkeefe,
Stan Shaw. 116 min. USA 1979.

Um guerreiro sem guerra, é a frase que pode ler-se embaixo do título deste filme. Um fuzileiro naval, excelente piloto de caça, coronel de disciplina rigorosa, que precisa da guerra como do ar para respirar. Como é sua vida em tempo de paz? Como a vida de qualquer um: cheia de trivialidades, rodeado da família,  da qual faz uma extensão do quartel, governando o lar com espírito militar. Um filme aparentemente sem pretensões e que por não tratar de nada importante, toca com acerto os temas de maior transcendência na vida de um homem: a educação, a família, o amor.

            O recado do filme é claro e de importância singular. Em toda a família existem desavenças, atritos, brigas; até algum que outro grito e, por vezes, chega-se às vias de fato, com a consequente humilhação de quem ultrapassou os limites, deixando-se levar por reações temperamentais. Mas por cima disso a unidade familiar, o amor, a fidelidade persiste intocável, como ponto de referência certo. Uma família sem problemas é algo irreal; lá onde os seres humanos convivem existem diferenças, tensões  geradas pelas limitações de cada um, pela variedade dos pontos de vista. Mas gritos e brigas não passam de episódios corriqueiros, coisas de ordinária administração quando, no fundo, permanece intacto o amor, a fidelidade, a consciência de um ideal realizado em família. Um amor que se manifesta nas cartas de uma mãe que parece uma namorada, no presente do pai guardado por 18 anos, nos detalhes diários, nas pequenas coisas que são o tempero do carinho familiar.

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ADEUS MR. CHIPS

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ADEUS MR. CHIPS. (Goodbye Mr. Chips) Diretor:  Hebert Ross. Peter O’Toole, Petula Clark, Michael Redgrave. Inglaterra 1969. 151 min

Tive a oportunidade de rever “Adeus Mr. Chips”. E o fiz com o mesmo entusiasmo que na primeira vez, quando tinha l3 anos. É um filme cativante, apesar do seu argumento simples. Talvez por isso, pela simplicidade, impõe-se e convence.

O homem é tão complicado -nos fazemos de tal modo complicados- que quando a franqueza de um temperamento transparente que despeja simplicidade nos encanta, sentimo-nos inquietos, sem saber por que, ficamos inculcados, desconfiamos de nós mesmos: serei eu? Algo assim como tentar explicar a sensação de bem estar num bucólico entardecer de primavera ou o agradável do perfume de uma flor.

Certamente, o homem deste começo de milênio, que funciona a golpe de solicitações sobre os seus instintos, e mergulha num ativismo sem rumo, surpreende-se com as coisas simples, como se fossem elementos de outro planeta. Enquanto houver surpresa ainda não está tudo perdido; seria motivo de desespero se perante o encanto que a simplicidade desperta em nós reagíssemos  apenas com indiferença.

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SE O MEU APARTAMENTO FALASSE

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(The apartment) Diretor: Billy Wilder. Jack Lemmon, Shirley McLaine, Fred MacMurray. USA 1960. 125 min

Na vida não existem os caracteres puros, esses que se descrevem nos livros de Psicologia. Menos ainda as pessoas se dividem em boas e más, como dois grupos estatísticos, incomunicáveis. O cinema de bandidos e mocinhos pode ser bom cinema, mas não é vida; por isso nos identificamos pouco com ele embora apreciemos seu valor. E mesmo nos filmes, onde o bem e o mal se enfrentam, se encarnando em personagens que parecem puros -definitivamente bons ou perdidamente maus- a questão não é tão simples. Se este cinema de oposição de forças morais é cinema de qualidade o espectador será cativado pelos valores que as personagens -fictícias- exaltam. As personagens passam, os valores ficam, e isto é o que atrai o público.

            “Se o meu apartamento falasse” é um exemplo de filme onde os valores encontram-se dissolvidos na realidade que é, de per si, complexa e inclassificável. E o filme atrai porque as personagens são reais; isto é, não são simplesmente bons ou maus. São de carne e osso, com fraquezas, com paixões, com acertos e erros. Shirley McLaine e Jack Lemmon, num ponto alto de atuação da dupla -provavelmente a melhor de todas suas parcerias- tornam-se figuras familiares, sugestivas. É fácil identificar-se com quem não disfarça seus defeitos, e faz o possível por superá-los num esforço sereno e sempre progressivo. É a força da sinceridade, do ser simples, da transparência, como se diz hoje.

            Não é fácil mudar. Quem já tentou -e certamente tenta ainda- tem experiência do tamanho da empreitada. E a dificuldade envolvida com os esforços dos protagonistas, gera situações atrapalhadas que, temperadas com a ironia de Billy Wilder -sempre genial- nos oferece estes momentos deliciosos.

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MARTY

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(Marty) Diretor: Delbert Mann. Ernest Borgnine, Betsy Blair. USA 1955. 91 min

Pode-se esperar poesia quando se tem como matéria prima algo vulgar? Um açougueiro, gordo, com pouco atrativo físico é tudo o que contamos para iniciar nosso poema. Fosse pouco, Marty -esse é o nome do nosso açougueiro- é um sujeito tímido, convencido de que nunca deixará de ser o solteirão sem remédio. “Já fiz várias tentativas -diz à mãe num diálogo dramático onde verte todos os seus complexos e limitações- e só arrumei dor de cabeça. Quando se convencerá de que tem na família um filho gordo e feio, um solteirão sem jeito?”. Marty é mesmo, como se diz vulgarmente, a história do “encalhado”.

            Logo nas primeiras cenas reparamos que Marty tem uma simpatia peculiar. Trabalhador, brincalhão com os fregueses no açougue, falador, entrosado no ambiente da colônia italiana. Os amigos -tem amigos que o apreciam- convidam-no para os programas de sábado. Frequenta o “Poeira de estrelas”, uma versão anos cinquenta das nossas discotecas-danceterias de hoje. Mas não passa disso. Marty tem fundo, pensa e vive seu drama interior. Sabe que os seus amigos são tão tímidos quanto ele, mas tem lábia e presença. De qualquer modo o resultado deles é o mesmo: o insucesso com as moças, sem resultado estável, que vingue. Marty está farto dessa simulação, do programa sem objetivo, da pesca sem peixe. Está preso nas próprias limitações.

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A PRINCESA E O PLEBEU

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A PRINCESA E O PLEBEU. (Roman Holiday) Diretor: William Wyler. Gregory Peck, Audrey Hepburn. Eddie Albert. USA. l953. ll9 minutos.

Poderíamos resumir este filme assim: um romance entre um jornalista e uma princesa, que quer ser Cinderela por um dia. Mas tratando-se de um clássico, é preciso dizer algo mais, a começar pelo diretor. Wyler é um grande diretor, em sentido pleno. Sabe transmitir dramas e emoções, paixões e alegrias. Sabe filmar a vida, em todos seus gêneros. Desde a mulher má,  encarnada em Bette Davis (“Jezebel”, “A carta”), dramas humanos (“Os melhores anos da nossa vida”, “Chaga de fogo”), até épicos com heróis de provada virtude (“Ben-Hur”). Dele podemos esperar sempre um filme de qualidade.

            “A Princesa e o Plebeu” foi a descoberta de Audrey Hepburn, atriz genial, eterna menina, que associa ingenuidade e candura, com uma personalidade forte na interpretação. É uma atriz expressiva: diz tudo com os gestos, com o sorriso, com o olhar. Matiza, com sua mímica, as situações. Wyler sabe disto e tira partido. Audrey ganha seu Oscar com mérito. Gregory Peck desenvolve um papel que lhe quadra bem. Alguém disse que é pouco natural, talvez pôr ser desajeitado quando se movimenta. Mas, nos primeiros planos leva sempre vantagem. Peck é um ator para ser visto de perto, não em perspectiva de fundo. Por isso se encaixa bem nos papeis dramáticos, conflitantes.

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ESPÍRITOS INDÔMITOS

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ESPÍRITOS INDÔMITOS. (The Men) Diretor: Fred Zinnemman. Marlon Brando, Teresa Wright. USA 1950. 85 min

Conforme os anos passam, sentimos a necessidade inconsciente de aproveitar o tempo. Gastar os minutos com a prudência de quem sabe que o seu capital‚ é limitado. Comprar a mercadoria certa, eliminar caprichos, não arriscar por vício. Tornamos nosso tempo denso, selecionando as atividades, investindo no seguro. Deve ser este mais um instinto humano -como o de sobrevivência, o de maternidade- embora menos estudado. O instinto da economia do tempo, que supervisiona a atuação madura, impregnando de realismo, sereno e urgente, os ideais que norteiam a vida.

            Quando se trata de ver um filme, sempre sinto este instinto funcionar. Por isso, nunca fui partidário de mergulhar no desconhecido, assistindo filmes dos quais nada sei, nem ouvi falar. Vez por outra se torna necessário folhear os livros de cinema, estacionados na prateleira da biblioteca, para não perder a sintonia.

            Cinema é como uma língua; se não se pratica, se esquece. E se deixamos empoeirar os livros e passamos por alto os artigos de crítica cinematográfica -mesmo os de conteúdo muito discutível, se não há  nada de melhor à mão- a linguagem cai no olvido. De nada adianta ver filmes, mesmo por atacado como hoje é uso comum, se não se assimilam. Não sei por que me lembra as invasões bárbaras devastando as bibliotecas do decadente Império Romano. Bem‚ é verdade que, cada vez mais, é preciso garimpar entre as inúmeras opções disponíveis para encontrar cinema. Filmes, isto é celuloide, há toneladas; mas Cinema, com maiúscula, já é outra questão que requer procura atenta. Não é quantificável no peso, como as laranjas da feira; nem no visual da capa, excelente chamariz para os desinformados.

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A FELICIDADE NÃO SE COMPRA

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A FELICIDADE NÃO SE COMPRA. (It’s a wonderful life). Diretor: Frank Capra. James Stewart, Donna Reed, Lionel Barrymore, Tomas Mitchell. USA 1948. 129 min.

Lembro deste filme com um carinho especial. Tinha nove anos quando o vi por primeira vez.  Passaram-se mais de 50 e a lembrança continua viva, como se tivesse sido ontem. Era aquela, a época em que as crianças não assistíamos TV à noite, pois acordávamos cedo para ir no colégio. A proibição dos programas noturnos era a solução caseira mais natural, na tentativa de poupar o guindaste matutino para nos arrancar da cama. Penso que isso sempre foi assim, com ou sem TV à noite.

            Naquele dia, um Domingo se mal não lembro, estando já deitados, meu pai entrou no quarto e acendeu a luz. “Levantem. Vão ver um filme com seus pais porque vale a pena duas horas de sono”. Estas ocasiões eram tão raras que a novidade já tornava o filme ótimo. E como o gosto pelo cinema em casa era algo “quase genético”, não houve dificuldade em obedecer a ordem; na verdade não era ordem, simplesmente um convite carinhoso.

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