Colleen Carroll Campbell: “Minhas irmãs, as santas”.

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Colleen Carroll Campbell: “Minhas irmãs, as santas”. Memórias Espirituais. Quadrante, 2017. 285 págs.

Quando me recomendaram o livro, pensei que se tratava da história de uma conversão. Em certo modo, é assim. Mas não é uma conversão de quem transita em outra esfera de crenças -ou de agnosticismo- , ou com desvios morais notáveis. Quer dizer, não é uma conversão espetacular, mas apenas uma toma de consciência de quem já vinha cumprindo a tabela, se comparava com os outros, via-se muito melhor do que a média, e possuía conhecimentos e vivencias de uma fé que estava acomodada. Talvez essas são as conversões mais difíceis -que não fazem barulho- porque, afinal, o avião está taxiando na pista, correndo até, mas não acaba de puxar o mancho para decolar.

O catalisador para esta conversão, sair do acomodamento, são as figuras de algumas santas da Igreja Católica que, de algum modo, estabelecem um diálogo com a autora e a questionam . Anota Colleen: “Por mais de três anos, eu vinha dando a Deus as sobras do meu tempo e atenção, e o havia colocado em último lugar na minha lista e fontes de respostas e realização. E agora, depois de fazer todas as minhas vontades e de colocar tudo à frente de Deus, era nisso que minha vida espiritual consistia: sobras”. A figura de Teresa de Avila será a chacoalhada que precisa para sair das sobras, e estabelecer as verdadeiras prioridades.  

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A garota desconhecida & A ausência que seremos: O médico, sua consciência e sua essência em dois filmes.

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A garota desconhecida




A ausência que seremos





Um filme espanhol, com um ator que aprecio, foi o ponto de partida. Um ator nascido em La Rioja – terra de vinhos, Espanha profunda- protagonista de filmes de Almodóvar, e que aqui consegue colocar um sotaque sul-americano, o que tem mérito para os que temos ouvido para essas variações do espanhol falado.

Tudo começou como uma curiosidade e acabou convertendo-se numa reflexão profunda, uma verdadeira catarse. Essa é, por sinal, a função das artes entre as quais o cinema se conta. Diz a mitologia que Zeus, sabendo que o homem é um ser que esquece -esquece o fundamental, o essencial, não os detalhes periféricos- criou as musas e as artes para lembrar-lhe do que, afinal, realmente importa. Um golpe de memória afetiva, um chamado a mergulhar na sua consciência, a redescobrir a sua essência.

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Joaquim Nabuco: “Minha Formação”.

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Joaquim Nabuco: “Minha Formação”. Domínio Público do Governo Federal www.dominiopublico.gov.br 215 pgs. Maio 2013

Faz tempo que, fruto da recomendação sempre certeira de um amigo leitor, este livro estava à espera na prateleira. Chegou o momento dele, em simples troca pelo tempo investido em ler jornais -quer dizer, manchetes de jornais- que insistem em criticar tudo e todos, enquanto destilam um pessimismo tóxico. 

Assim, substitui por alguns dias a inútil leitura da imprensa, pelas memórias curtas e simples de um brasileiro que soube amar o Brasil. O mesmo que eu aprendi a amar quando aqui cheguei há quase 50 anos. Joaquim Nabuco, historiador, quase político -não gostava de se inserir na política já naquele tempo, hoje abominaria esse cenário medíocre- debruça-se, desde a sua cultura, sobre a sua própria história, a realidade do mundo, e reflete. “Sou antes um espectador do meu século do que do meu país: a peça é para mim a civilização, e se está representando em todos os teatros da humanidade”

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Hermann Hesse:  O Lobo da Estepe

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Hermann Hesse:  O Lobo da Estepe Ed. Record, Rio de Janeiro, 1955.  215 págs.

A Tertúlia Literária nos leva até um clássico alemão, prêmio Nobel, com a obra que foi, em seu dia, a bola da vez dos hippies, dos alemães, e até dos intelectuais.  O  próprio Professor Ratzinger, que em suas memórias confessa ter lido -e gostado- de Herman Hesse, afirmando: “me atraiu a análise implacável da desintegração do ser humano”.

As variantes da narrativa (editor, observador, o tratado) são, como se percebe ao longo do livro, perspectivas diversas desta personagem curiosa, intrigante. Afinal, quem é este Lobo da Estepe? “Um lobo da estepe, perdido em meio à gente, na cidade e na vida do rebanho — nenhum outro epíteto poderia definir com  exatidão aquele ser, seu tímido isolamento, sua natureza selvagem, sua inquietude, seu doloroso anseio por um lar, sua falta absoluta de um lar”.

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Granizo: Incertezas e culpados. Retrato da realidade atual com sabor de Tango

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Granizo. Diretor: Marcos Carnevale. Guillermo Francella. Peto Menahem, Romina Fernandes. Argentina, 2022. 118 min.

Chegou-me a sugestão de uma colega: “Agora que chegaste nos 65, gostarás deste filme singelo, despretensioso, mas cheio de sabedoria,  roteiro criativo, leve e divertido. Entre  tecnologia e  conhecimento,  riscos e  precisão, entre fatos e afetos,   a honestidade e a compaixão entre as incertezas e a esperança. A dimensão humana é transgeracional”. Com semelhante apelo, não tive -nem quis- evitar a luva que me era dirigida, e parti para o duelo, sabendo que, apesar da leveza, não me pouparia sentar, pensar, e escrever. Nisso estamos.

Começo pelo final do título que, sem muito pensar, veio-me à cabeça e que me fez lembrar da sabia frase de Frank Slade/Al Pacino  em Perfume de Mulher.  “O tango não e como a vida; se você erra, continua dançando”. Aquela Cena Inesquecível que nunca nos cansamos de rever.

O cinema argentino -cada vez melhor para o meu gosto- tem sabor de tango. A comédia e o sorriso, alternam-se com as durezas -nunca tragédias- para dar um recado que é simples, pequeno, mas frequentemente contundente, redondo.  O tango não é agitação desmedida, como o Charleston ou o Foxtrote. O movimento, importante, é ressaltado pelas paradas, como alguém me comentou certa vez: o mais importante no tango, não é como te mexes, mas como sabes parar, no momento certo, com a cara certa! Os filmes argentinos, movem-se no argumento -nunca complicado- e sabem introduzir as paradas que te fazem pensar, sorrir, chorar, refletir. E sempre, com elegância, com sabor clássico. Um tango que é muito mais de Gardel, do que de Piazzolla, que exige uma performance mais atlética, menos comedida.

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Fiodor Dostoievski : “O Idiota”

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Fiodor Dostoievski : “O Idiota”.Ed. 34. São Paulo, 2015. 688 págs.

A  Tertúlia Literária mensal, leva-me de volta até as páginas de Dostoievsky, lidas há muitos anos, mas sempre surpreendentes, instigadoras, por vezes enigmáticas. Dou uma olhada por cima em anotações que fui fazendo ao longo da leitura, que teve para mim um sabor de novidade: lembrei do que dizia Borges:  quando  voltamos a um livro passados os anos, e parece outro; na verdade, somos nós os que mudamos. E me pergunto como alinhavar tudo isto num comentário. Não é simples: nem a tentativa, nem, muito menos, o pensamento do escritor.

A descrição das personagens, ao longo do relato, é uma radiografia, ou melhor, uma disseção da alma. Aí radica um dos pontos fortes de Dostoievski que o torna um clássico perene. Fala dos “jovens, ambos quase sem bagagem, ambos vestidos sem elegância, ambos de semblantes bastante formosos e ambos com vontade de finalmente começar a conversar”. E dos “senhores sabe-tudo que às vezes são encontrados, até com bastante frequência, em certo segmento social. Sabem tudo, toda a intranquila curiosidade da sua inteligência e a sua capacidade tendem irresistivelmente para um aspecto, é claro que pela ausência de interesses e concepções de vida mais importantes, como diria um pensador de hoje. É a pura verdade, só fazem se apropriar de graça de todas as potencialidades russas”.

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Byung-Chul Han: No- Cosas

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Taurus. E book de Penguin Random House Grupo Editorial, S. A. Barcelona. 2021. 103 págs.

Tinha lido alguma resenha sobre este filósofo sul-coreano/ alemão, mas foi da minha irmã, professora de filosofia num Instituto em Madrid, de quem me chegou o “touché” : “Estamos lendo este livro na classe, revolucionário, um gosto excessivo por Heidegger, mas mexe com a juventude”. E como ainda não tinha mergulhado na sintonia de Han fui à internet, baixei o livro, na versão espanhola (não havia em português) e comecei a ler.

Algumas páginas depois tropecei com esta bofetada (que, como o resto do texto, traduzo livremente do espanhol): “No e-book, o livro é reduzido ao seu valor informativo. Falta-lhe idade, local, produtor e proprietário. Falta-lhe completamente o afastamento atrativo do qual um destino individual nos falaria. O destino não se enquadra na ordem digital. A informação não tem nem fisionomia nem destino. Nem admite uma ligação intensa. É por isso que não existe nenhum exemplar do livro electrónico. A mão do proprietário dá a um livro um rosto inconfundível, uma fisionomia. Os livros electrónicos não têm rosto e não têm história. São lidos sem as mãos. O ato de folhear é táctil, algo que é constitutivo de qualquer relação. Sem toque físico, não são criados laços”.

Encaixei o golpe, e continuei lendo as pouco menos de 100 páginas deste pequeno-grande livro. Aliás, como todos os deste autor -depois pesquisei sobre outras obras que comentaremos em seu momento- são livros pequenos, curtos, densos, diretos. Uma boa síntese do sentido prático dos coreanos com a precisão terminológica germânica.

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Aproximação ao Oscar 2022:

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Percepções impressionistas de um educador.

Depois da dar umas dribladas -sem sucesso-  na própria consciência, sento na frente do computador para rabiscar estas linhas. Deparo-me com dois problemas; talvez mais, mas vou simplificar.

O primeiro é: afinal, o que é o Oscar? Ou melhor: será que o Oscar continua sendo uma pauta de qualidade na produção cinematográfica? A resposta, óbvia, é que certamente não é mais. Tendências, lobbys, o politicamente correto e toda essa gama de linhas de julgamento -de pré-julgamento, de preconceitos e prejuízos- monopoliza o evento. Fora que muitas categorias estão sendo deixadas de fora, o que afinal parece normal, porque a variedade é muita, o dinheiro curto, e a paciência tem seu limite.

Aqui, no politicamente correto, já pula um filme na minha memória, A Tragédia de Macbeth, versão irmãos Coen (embora somente um dos irmãos assina a obra). Filme magnífico, interpretação sublime de Denzel Washington e de Frances Mc Dormand -uma lady Macbeth da pior espécie, transpirando Shakespeare por cada poro, deixando de lado os 65 anos (que são também os meus, que inveja!). Mas, confesso que, vendo a cor predominante (lembram aquilo do Pelé: de que cor estamos falando, Galvão?) tive de fazer um esforço para lembrar que não é Otelo, o mouro de Veneza, mas uma tragédia na Escócia, com personagens que, por mais esforço que a gente faça, destoam do cenário. Lembrei daquela outra frase: “Tem branco no samba”. Pois aqui, é isso, mas ao contrário. Macduff, lady Macduff, e toda uma série de figurantes dificilmente creditáveis aos castelos dos Highland….Enfim, o que Shakespeare pensaria dessa adaptação é um mistério. Talvez perguntar às bruxas, que também não são tão verossímeis, mais de Pixar do que aquelas que o bardo imaginou.

Segundo problema, causado por meter-me a escrever de cinema, cutucar a onça com vara curta, o que, fatalmente, tem seus tributos. Vai chegando a entrega do Oscar e as pessoas perguntam tua opinião, mandam mensagens, pedem recomendações….Afinal, vamos mandar um WhatsApp para ver o que  a gente assiste no final de semana. Não custa nada -pensam. De modo que o único jeito de evitar avalanches, e não cair na indelicadeza de ignorar as mensagens, é colocar tudo aqui. Mas, o que é tudo? Simples percepção, opiniões muito pessoais, traços de um quadro impressionista que um médico-educador que gosta de cinema, percebe. O impressionismo, a reação pictórica contra a fotografia: não pinto o que lá está, mas o que me toca, o que me afeta, aquilo que me impressiona. Mais nada. Como diz o pintor L. S. Lowry naquele filme fenomenal, que não concorre para Oscar, nem precisa: “Eu pinto o que vejo……not more, nor less.”

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Anton Tchékhov: O Jardim das Cerejeiras seguido de Tio Vânia.

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Anton Tchékhov: O Jardim das Cerejeiras seguido de Tio Vânia. L&PM Pocket . Porto Alegre, 2011. (tradução de Millor Fernandes). 125 pgs.

Após assistir um filme que está na corrida para Oscar de produção estrangeira, sinto vontade de voltar até o teatro de Tchékhov, que é o arcabouço dessa produção cinematográfica. Vou atrás de Tio Vânia -um clássico- e me encontro com este volume, onde Millôr Fernandes traduz duas obras do escritor russo. Leio com vagar e atenção, até porque os tempos atuais pedem cautela quando nos debruçamos sobre os russos: um amigo humanista comentou recentemente que o comportamento deles, mesmo aquele que parece surpreendente e imprevisto, está registrado nos clássicos que eles mesmos produziram.

As duas obras são diferentes, mas tem muitas semelhanças. Uma delas é a figura do tio: em Vânia, explícita, no título; nas cerejeiras, mais nos bastidores, mas sempre presente. Pensei -nesses caprichos literários- dos gostos peculiares dos escritores: se Sándor Marai sempre traz a velha e sábia empregada à tona, parece que Tchékhov invoca a presença dos tios.

As raízes não nos abandonam, mesmo que tentemos disfarçá-las com alguma cosmética: “ É verdade, meu pai era um mujique, e aqui estou eu, colete branco, bota amarela, um porco bem vestido num salão de chá. É, um homem rico, mas, com tudo o que tenho, basta uma raspadela que aparece o matuto. Nasci campônio, continuo sendo”. O que se aplica as pessoas e aos cenários: “Ora, a única coisa admirável no seu… Jardim é o tamanho. A imensidão. Só dá cereja de dois em dois anos, com as quais ninguém sabe fazer nada e ninguém quer comprar.– Nosso cerejal tem um verbete próprio na Enciclopédia Russa”.

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O homem que aprendeu o Brasil

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Ana Cecília Impellizieri  Martins: “O homem que aprendeu o Brasil: a vida de Paulo Rónai”
Ed. Todavia. 384 págs.

Recebi este livro de presente de Natal e no final do ano já o tinha lido. Uma semana, em bom ritmo, pois o livro capta a atenção e inspira. Tinha ouvido falar de Paulo Rónai, até porque li alguma das traduções que fez de “Os Meninos da Rua Paulo”. Mas não fazia ideia da estatura -humana e intelectual- deste homem, húngaro de nascimento, judeu de raça, brasileiro de alma e coração.

As palavras dele são uma ótima abertura para este breve comentário: “Eu sei que é por causa de um favor muito singular do destino, que enquanto tantos irmãos estão sofrendo e morrendo, ele me permitiu viver em um país hospitaleiro e amável , em condições propícias. Assim, eu tenho sempre tentado não abusar dele -e, desde que estou aqui, eu não paro de trabalhar: trabalho para merecer o meu destino”. Emociona ler estas palavras e provoca um verdadeiro exame de consciência no leitor, porque afinal, quanta gente encontramos hoje que….trabalhe para merecer o destino que a vida lhe deparou?

A escritora -que conhece a fundo o tema, pois tem outros livros complementares publicados (que, por sinal,  também ganhei e estão esperando o momento) aponta: “Não é destino somente, mas o resultado do trabalho árduo de um homem determinado e capaz tanto por suas virtudes inerentes como por uma formação ampla de filólogo, tradutor, professor e humanista lato sensu. Trata-se de compreender Paulo Rónai assim como a extraordinária obra que edificou nesse movimento e assimilação do país”.

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