Aproximação ao Oscar 2022:

Pablo González Blasco Filmes 2 Comments

Percepções impressionistas de um educador.

Depois da dar umas dribladas -sem sucesso-  na própria consciência, sento na frente do computador para rabiscar estas linhas. Deparo-me com dois problemas; talvez mais, mas vou simplificar.

O primeiro é: afinal, o que é o Oscar? Ou melhor: será que o Oscar continua sendo uma pauta de qualidade na produção cinematográfica? A resposta, óbvia, é que certamente não é mais. Tendências, lobbys, o politicamente correto e toda essa gama de linhas de julgamento -de pré-julgamento, de preconceitos e prejuízos- monopoliza o evento. Fora que muitas categorias estão sendo deixadas de fora, o que afinal parece normal, porque a variedade é muita, o dinheiro curto, e a paciência tem seu limite.

Aqui, no politicamente correto, já pula um filme na minha memória, A Tragédia de Macbeth, versão irmãos Coen (embora somente um dos irmãos assina a obra). Filme magnífico, interpretação sublime de Denzel Washington e de Frances Mc Dormand -uma lady Macbeth da pior espécie, transpirando Shakespeare por cada poro, deixando de lado os 65 anos (que são também os meus, que inveja!). Mas, confesso que, vendo a cor predominante (lembram aquilo do Pelé: de que cor estamos falando, Galvão?) tive de fazer um esforço para lembrar que não é Otelo, o mouro de Veneza, mas uma tragédia na Escócia, com personagens que, por mais esforço que a gente faça, destoam do cenário. Lembrei daquela outra frase: “Tem branco no samba”. Pois aqui, é isso, mas ao contrário. Macduff, lady Macduff, e toda uma série de figurantes dificilmente creditáveis aos castelos dos Highland….Enfim, o que Shakespeare pensaria dessa adaptação é um mistério. Talvez perguntar às bruxas, que também não são tão verossímeis, mais de Pixar do que aquelas que o bardo imaginou.

Segundo problema, causado por meter-me a escrever de cinema, cutucar a onça com vara curta, o que, fatalmente, tem seus tributos. Vai chegando a entrega do Oscar e as pessoas perguntam tua opinião, mandam mensagens, pedem recomendações….Afinal, vamos mandar um WhatsApp para ver o que  a gente assiste no final de semana. Não custa nada -pensam. De modo que o único jeito de evitar avalanches, e não cair na indelicadeza de ignorar as mensagens, é colocar tudo aqui. Mas, o que é tudo? Simples percepção, opiniões muito pessoais, traços de um quadro impressionista que um médico-educador que gosta de cinema, percebe. O impressionismo, a reação pictórica contra a fotografia: não pinto o que lá está, mas o que me toca, o que me afeta, aquilo que me impressiona. Mais nada. Como diz o pintor L. S. Lowry naquele filme fenomenal, que não concorre para Oscar, nem precisa: “Eu pinto o que vejo……not more, nor less.”

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Anton Tchékhov: O Jardim das Cerejeiras seguido de Tio Vânia.

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Anton Tchékhov: O Jardim das Cerejeiras seguido de Tio Vânia. L&PM Pocket . Porto Alegre, 2011. (tradução de Millor Fernandes). 125 pgs.

Após assistir um filme que está na corrida para Oscar de produção estrangeira, sinto vontade de voltar até o teatro de Tchékhov, que é o arcabouço dessa produção cinematográfica. Vou atrás de Tio Vânia -um clássico- e me encontro com este volume, onde Millôr Fernandes traduz duas obras do escritor russo. Leio com vagar e atenção, até porque os tempos atuais pedem cautela quando nos debruçamos sobre os russos: um amigo humanista comentou recentemente que o comportamento deles, mesmo aquele que parece surpreendente e imprevisto, está registrado nos clássicos que eles mesmos produziram.

As duas obras são diferentes, mas tem muitas semelhanças. Uma delas é a figura do tio: em Vânia, explícita, no título; nas cerejeiras, mais nos bastidores, mas sempre presente. Pensei -nesses caprichos literários- dos gostos peculiares dos escritores: se Sándor Marai sempre traz a velha e sábia empregada à tona, parece que Tchékhov invoca a presença dos tios.

As raízes não nos abandonam, mesmo que tentemos disfarçá-las com alguma cosmética: “ É verdade, meu pai era um mujique, e aqui estou eu, colete branco, bota amarela, um porco bem vestido num salão de chá. É, um homem rico, mas, com tudo o que tenho, basta uma raspadela que aparece o matuto. Nasci campônio, continuo sendo”. O que se aplica as pessoas e aos cenários: “Ora, a única coisa admirável no seu… Jardim é o tamanho. A imensidão. Só dá cereja de dois em dois anos, com as quais ninguém sabe fazer nada e ninguém quer comprar.– Nosso cerejal tem um verbete próprio na Enciclopédia Russa”.

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O homem que aprendeu o Brasil

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Ana Cecília Impellizieri  Martins: “O homem que aprendeu o Brasil: a vida de Paulo Rónai”
Ed. Todavia. 384 págs.

Recebi este livro de presente de Natal e no final do ano já o tinha lido. Uma semana, em bom ritmo, pois o livro capta a atenção e inspira. Tinha ouvido falar de Paulo Rónai, até porque li alguma das traduções que fez de “Os Meninos da Rua Paulo”. Mas não fazia ideia da estatura -humana e intelectual- deste homem, húngaro de nascimento, judeu de raça, brasileiro de alma e coração.

As palavras dele são uma ótima abertura para este breve comentário: “Eu sei que é por causa de um favor muito singular do destino, que enquanto tantos irmãos estão sofrendo e morrendo, ele me permitiu viver em um país hospitaleiro e amável , em condições propícias. Assim, eu tenho sempre tentado não abusar dele -e, desde que estou aqui, eu não paro de trabalhar: trabalho para merecer o meu destino”. Emociona ler estas palavras e provoca um verdadeiro exame de consciência no leitor, porque afinal, quanta gente encontramos hoje que….trabalhe para merecer o destino que a vida lhe deparou?

A escritora -que conhece a fundo o tema, pois tem outros livros complementares publicados (que, por sinal,  também ganhei e estão esperando o momento) aponta: “Não é destino somente, mas o resultado do trabalho árduo de um homem determinado e capaz tanto por suas virtudes inerentes como por uma formação ampla de filólogo, tradutor, professor e humanista lato sensu. Trata-se de compreender Paulo Rónai assim como a extraordinária obra que edificou nesse movimento e assimilação do país”.

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King Richard: Criando Campeãs. Superando dificuldades, a força da família, educação de excelência

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King Richard. Dir: Reinaldo Marcus Green. Will Smith, Tony Goldwyn,  Aunjanue EllisJon BernthalSaniyya SidneyDemi SingletonAndy Bean, 142 min. 2021.

King Richard: Criando Campeãs

Confesso que tinha minhas dúvidas quando tropecei com uma crítica deste filme. O tênis sempre me atraiu, mas pensei -equivocadamente, os tais preconceitos que com a idade vão se acumulando- que seria auto promoção das irmãs Williams que, por sinal,  bancaram a produção do filme. Também rondavam minha cabeça os comentários, nem sempre elogiosos, de alguns amigos amantes do tênis em relação às irmãs Williams, feitos décadas atrás quando estavam no foco dos campeonatos. “Jogam bem, mas fazem muita posse, muita figura, gostam de aparecer…Às vezes, parece que estão desfilando numa escola de samba”.

King Richard: Criando Campeãs: Demi Singleton, Will Smith, Saniyya Sidney

Esta ideia ficou na minha cabeça a modo de preconceito, até que um dia, por conta de um congresso médico em Atlanta. a cidade de Martin Luther King, vi desfilar as garotas de um colégio numa festa: uma parade infantil. Acompanhavam o ritmo como ninguém, e pensei que se ao invés do colégio na Georgia, estivessem, por exemplo, na  Mangueira, o fariam com igual maestria. A questão vai no sangue moreno, vamos dizer afro-americano para ser correto.

Tudo seja dito, correto para nós, deste lado, visto que do outro, nem sempre se liga para isso. Morgan Freeman já disse que ele não gosta do termo afro-americano, que ele é negro mesmo. E, no meio verde amarelo, aquele emblemático lance do comentário de futebol, num mano a mano entre Galvão Bueno e Pelé. Galvão falou alguma coisa de um jogador “de cor”, e o Rei retrucou: “De que cor estamos falando Galvão?” Desfiles colegiais, passistas de escola de samba, ou tenistas, não dá para ignorar o ritmo que, naturalmente, corre nas veias delas.

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Frank Wynne: “Eu fui Vermeer”.

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Frank Wynne: “Eu fui Vermeer”. (A Lenda do Falsário que enganou os nazistas). Companhia das Letras. São Paulo, 2008. 295 págs.

Um escritor e jornalista irlandês leva-nos até o difícil mundo da arte. Não que a arte seja difícil, mas o difícil mesmo é acreditá-la como tal nos cânones prescritos. O que não quer dizer que sejam os melhores, ou irrefutáveis; simplesmente são os vigentes e, justamente por isso, são prato cheio para o mercado negro da arte, para a falsificação. Anota Wynne: ” Falsificação é o lado escuro da arte, o vício sem o qual a virtude é impossível. Enquanto a humanidade cobiçar objetos por sua história, sua beleza, sua proximidade com o gênio, o falsário estará a postos com um sorriso zombeteiro, pronto para satisfazer a demanda”. A vida e arte de Han Van Meegeren, o falsário que incarnou Vermeer com perfeição, é o tema deste instigante livro.

O escritor mergulha, a modo de preambulo, no mundo das falsificações, já que “o porquê da falsificação é mais espinhoso que o como. Para os críticos de arte, o falsário é um artista medíocre em busca de vingança; para a mídia, é um trapaceiro interessado unicamente em dinheiro; para o apologista, é igual aos mestres que forjou; para o público, muitas vezes, é um herói popular”. Entrevista outros falsários, que lhe ilustram acerca desse mundo, escuro e, ao mesmo tempo, sugestivo: “O que realmente me fascina  é o ‘efeito varinha mágica’; você rabisca a assinatura do pintor certo no lugar certo e, de repente, as portas se abrem. Eu custo a crer que criei Picassos autênticos. Mas toda vez que folheio o catalogue raisonné, lá estão eles”. E continua: “A maioria das falsificações são vendidas de uma pessoa para outra, e nesse processo, elas se tornam mais autênticas: quanto mais vezes são vendidas, quanto mais tempo ficam numa galeria, mais autênticas são”.

Um artista não reconhecido, que vive no século XX,  quando a fotografia desloca o realismo pictórico que reage com o movimento impressionista. Essa era a época que lhe tocou viver a Han van Meegeren. O conselho que lhe deram quando jovem, é o estopim para esse anacronismo pictórico: “não basta desenhar, nem desenhar bem. Você não pode competir com a câmara em termos de precisão mecânica -nem deve. O pintor, para ser grande, tem de ir além da superfície, tem de pintar o que está dentro, o que ele vê dentro do seu tema”.

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Munique: No Limite da Guerra

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História:  Releitura, interpretação ou aprendizado?

Munich: The Edge of War. 2021. Diretor: Christian Schwochow. Jeremy IronsAugust DiehlGeorge MacKayUlrich MatthesLiv Lisa FriesAlex JenningsJannis Niewöhner. Reino Unido 123 min, 2021.

Motivado por um comentário que me chegou -destacando a intepretação sublime de Jeremy Irons- e por algum outro que li, não me lembro onde, apertei o play para assistir mais um filme sobre a segunda guerra, ou melhor, sobre os prolegômenos.

Uma surpresa agradável, de impacto. E me fez pensar, muito. A conferência de Munique, um ano antes da invasão alemã à Polonia que daria a largada para o conflito mundial que se arrastaria por seis anos, foi uma tentativa de segurar o inevitável. Uma leitura simplista da história mostra que, no final das contas, o teatro montado por Hitler e Mussolini, tendo como coadjuvantes-títeres, os franceses e os ingleses -imenso Jeremy Irons como Chamberlain, insisto porque merece- não adiantou grande coisa. Aparentemente. Mas esse é o ensinamento que o filme me sugeriu.

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Maria Dueñas: SIRA

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Maria Dueñas: SIRA Ed. Planeta. Madrid. 2021. 648 págs.

Por conta da Tertúlia Literária deste mês debruço-me sobre a segunda parte de O tempo entre costuras que, agora estampa como título o nome da protagonista: Sira. Mas, por aquilo de que segundas partes são sempre suspeitas, decido antes, reler -com rapidez e voracidade- a primeira. Consulto as notas que tomei naquela ocasião, embora, inevitavelmente surgem outras que não incluo aqui, para não me estender desnecessariamente.

Mesmo assim, não consigo evitar dois rápidos aspectos que iluminam, em zoom mágico, as páginas de Sira. O primeiro é relativo à protagonista e seus predicados, dois em concreto: a criatividade maravilhosa da costureira, o segundo as mudanças de identidade à qual o destino a empurra continuamente. Uma costureira espiã, de elegância ímpar. Traduzo livremente do original em espanhol, que obviamente foi o que eu li, por questão telúrica, de raízes.

 “E então o inesperado aconteceu. Nunca poderia imaginar que a sensação de ter uma agulha entre os meus dedos pudesse ser tão gratificante. A satisfação de costurar de novo foi tão agradável que durante algumas horas me levou a tempos mais felizes e conseguiu dissolver temporariamente o peso de chumbo das minhas próprias misérias. Era como estar de volta a casa. Quando trabalham bem, as costureiras são capazes de ganhar lealdades até à morte”

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Martha C. Nussbaum. Emociones Políticas.¿Por qué el amor es importante para la justicia?

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Martha C. Nussbaum. Emociones Políticas.¿Por qué el amor es importante para la justicia? Paidós. Barcelona, 2014. 555 págs.

Leio a versão espanhola do ensaio da filósofa e professora americana, exemplar que comprei numa das minhas passagens pela Casa del Libro em Madrid. Deixei-o repousar na prateleira -os livros cada vez se me assemelham mais ao vinhos, precisam de repouso, de encontrar o momento certo- e o desentoquei nas férias no final do ano. O subtítulo -o amor para chegar na justiça- foi, sem dúvida, o que me provocou para adquiri-lo. Afinal, e bom saber o que uma professora de filosofia política tem a dizer da importância do amor para praticar a justiça.

O ensaio é longo, repetitivo. Nota-se que corresponde a uma tese muito pessoal, mais do que a um raciocínio expositivo. Por isso, há momentos em que é preciso exercitar leitura dinâmica, porque já sabemos onde quer chegar. É, na prática, um curso sobre como as emoções devem alavancar as leis para que elas “grudem e cativem” o público. Algo que, no nosso cenário verde amarelo, faz completo sentido.

Diz a professora da Universidade de Chicago: “Todos os princípios políticos, tanto os bons como os maus, precisam para sua materialização e sobrevivência de um apoio emocional que lhes procure estabilidade ao longo do tempo, e todas as sociedades decentes devem proteger-se frente à divisão e a hierarquização, cultivando sentimentos de simpatia e amor. Supor que somente as sociedades fascistas ou agressivas, são intensamente emocionais, e que são as únicas que devem se esforçar para perdurar, é tão errado como perigoso”. Bela advertência, que alerta para a ingenuidade de justiças puras e assépticas, enquanto os carismáticos pintam e bordam, justamente porque sabem usar as emoções como passaporte de entrada nos corações dos povos.

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Finch: Humanizar o robô, para nos humanizar a nós?

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Finch. Diretor: Miguel SapochnikTom HanksCaleb Landry  Jones. 115 min. USA:  2021

Existem atores que enchem a tela. Não porque pequem de narcisismo ou de arrogância estúpida, mas porque funcionam muito bem nesse registro. Também não quer dizer que sejam os melhores, mas que em voo solo sabem incarnar o papel:  dão o recado, desdobram o miolo da mensagem e chegam facilmente no coração e na cabeça do espectador. Porque, isso sim, os atores de performance solitária,  estão necessariamente atrelados a alguma carga de profundidade que destila dos fotogramas. Foi assim recentemente com Sandra Bullock em Imperdoável. É o caso de Tom Hanks em Finch, que agora toma conta destas linhas.

Hanks tem já um bom percurso neste modelo. Naufrago, sem dúvida, um exemplo emblemático, impossível não evocar enquanto assistimos o filme que nos ocupa. Mas também outras atuações como Greyhound ou Sully. E também atuações onde as outras personagens não passam de coadjuvantes, porque o protagonista carrega tudo nas próprias costas. Ai está A Ponte dos Espiões; e, naturalmente Forrest Gump,  o ponto fora da curva, que vive num mundo dele (que gostaríamos fosse o nosso).

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