Boris Pasternak: “O Doutor Jivago”
Boris Pasternak: “O Doutor Jivago”. Ed. Itatiaia Ltda. Belo Horizonte. 1984. 461 pgs.
Uma viagem a Rússia por conta de um Congresso, e a recente leitura do livro de Todorov onde se fala amplamente de Pasternak, contribuíram para bater o martelo e optar por este livro para a nossa tertúlia literária mensal. Embora eu tinha, lá com os meus botões -aquele senado que, no dizer de Machado de Assis, sempre vota ao teu favor- minhas reservas. Explico.
O filme de David Lean (diretor britânico idolatrado – A Ponte sobre o Rio Kwai, Lawrence de Arábia, Desencanto) foi o meu primeiro encontro -e único até o momento- com Jivago. Em circunstâncias curiosas: assisti ao filme com alguns amigos, sendo ainda adolescente, e saltando as regras, pois não tínhamos idade suficiente para entrar. Foi durante umas férias, num cinema ao ar livre, como aquele que aparece em Cinema Paradiso, na praça de uma pequena vila.
Não entendi grande coisa -a revolução russa era assunto muito distante para um garoto de 14 anos-, mas fiquei um pouco indignado com Omar Sharif, o eterno Jivago nas telas. Lembrava vagamente de que estava casado com uma mulher linda (Geraldine Chaplin) e que por algum motivo acaba parando na cama de uma loira (Julie Christi) sem maiores explicações. E vai, de uma para outra, meio confuso. Guardei na memória, e nunca mais me interessei pela personagem… até que agora surgiu a ocasião. Sempre pensei que não tinha entendido direito aquelas idas e vindas, talvez por conta da minha idade ingênua.
Logo nas primeiras páginas do livro, agora passados os anos, é fácil entender a desorientação de Jivago, uma sina que o acompanha durante toda a vida… como já tinha suspeitado quando vi o filme. Escreve Pasternak: “Iuri tivera uma infância desordenada e repleta de enigmas perpétuos; estava sempre em casa de estranhos, que nunca eram os mesmos. Acostumara-se a essas mudanças e, em meio a tão permanente confusão, já não se admirava da ausência do pai”. O pai ausente e o enterro da mãe, são a abertura do livro. O tio, um clérigo secularizado, toma conta dele; até certo ponto, porque é um filósofo reacionário que também não se entende com os revolucionários, já que “refletia sobre os mesmos problemas que eles (os agitadores), mas que, além da terminologia, nada tinha com eles em comum”.