Até o último homem. A liderança virtuosa da Coragem.

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Hacksaw Ridge. Diretor: Mel Gibson. Andrew Garfield, Teresa Palmer, Sam Worthington, Luke Bracey, Vince Vaughn, Hugo Weaving, Rachel Griffiths. 131 min. USA 2016.

Até o último homem“Você já assistiu Até o último homem”? Estou esperando o seu comentário”. Essa foi a primeira chamada. Depois chegaram outras; ao vivo ou em mensagens. É claro que tinha visto o filme, e gostado muito. Impactou-me. E andava pensando o que escrever, mas o público não perdoa os atrasos, quer a opinião em tempo real. O público na realidade são os amigos que se aventuram a ler o que a gente escreve de coração aberto, porque na verdade não escrevo sobre os filmes, mas sim acerca do que os filmes provocam em mim.

Por vezes, a demora em escrever obedece a colocar certa ordem nessas impressões incitadas. É como a catarse que as tragédias gregas se propunham conseguir. Um verdadeiro purgante; uma limpeza enorme de sentimentos -esvaziar as gavetas da roupa entulhada de qualquer forma- para ir colocando, aos poucos, ordem no armário, e nas emoções. É difícil saber por quê solicitam o relatório da tua própria catarse, quando cada um deve ter a sua. Provavelmente as percepções que anoto, não coincidem com as dos outros, ou até são diferentes quando não opostas. Mas o pessoal quer saber o que a gente sente. Olhar com os olhos dos outros? Ampliar a visão? Ter matéria para conversar numa reunião familiar a modo de cine clube? Sei lá; o único que me consta é que estou com bastantes semanas de atraso, ruminando, este filme formidável do Mel Gibson.

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Fabrice Hadjadj: Puesto que todo está en vías de destrucción

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Fabrice Hadjadj. Puesto que todo está en vías de destrucción.  Nuevo Inicio. Granada (2016). 186 págs. 

Puesto que todo está en vías de

Este é o terceiro livro que enfrento do autor. E digo propositalmente, enfrentar, porque os escritos de Fabrice Hadjadj não são um passeio cultural sem compromisso, mas verdadeiras cargas de profundidade. Escritor, filósofo, professor na França, nascido numa família judia de origem árabe e de formação maoísta. Convertido ao Catolicismo, impregna a letra (e, no caso, a palavra, porque o livro reúne um conjunto de conferências) com sua trajetória peculiar e desconcertante. Aliás, este é o adjetivo que a meu modo de ver melhor descreve omodus docendi de Hadjadj: o desconcerto e o paradoxo. Quase uma variante semita de Chesterton.

O título desta obra é extraída de uma epístola de S. Pedro, que em livre tradução diz: já que tudo está para acabar, vejam que tipo de homens tem de ser, e qual deve ser vossa conduta. Esse é o leitmotiv destas reflexões: a atitude que devemos assumir nestes dias em que a cultura e a modernidade agonizam. Uma tónica comum que alinhava as conferências aqui recolhidas que, inicialmente, não pensava publicar mas reconhece que “a expectativa do outro, fazendo-me escrever me entregava um porvir que não estava contido no meu futuro. Enriquecia-me não com os meus recursos, mas com a generosa veia de ouvidos que me escutavam atentamente”.

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Pierre Lemaitre: Até nos vermos lá em cima

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Pierre Lemaitre. Até nos vermos lá em cima. (Nos vemos allá arriba. Salamandra. Barcelona. (2014). 443 pgs)

até nos vermos lá em cimaChegou às minhas mãos a tradução espanhola deste premiado escritor francês. Algo comentava a crítica de um romance policial, situado no final da Primeira Grande guerra. A verdade é que não encontrei a tal intriga policial por nenhum lado, e sim uma crítica contumaz à hipocrisia humana, em todas suas variantes: a pessoal, a do Estado, e a da própria sociedade.

Lemaitre descreve as venturas e desventuras (muito mais estas últimas) de três soldados franceses quando está para ser assinado o armistício no fim da primeira grande guerra. Um aristocrata sem escrúpulos, um artista de família rica, um plebeu com espasmos de heroísmo. Os elogios da crítica, e os prêmios conferidos imagino se devem à descrição das personagens que é, de longe, o ponto alto do livro. Um aspecto que certamente deve apreciar-se melhor quando se lê o original em francês.

Mas a trama sobre a qual se constrói o romance, é cinza, anódina. Como a própria guerra que critica sem piedade. “No fundo, uma guerra mundial não é mais do que uma tentativa de assassinato generalizado num continente (…)

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Ítalo Calvino: “O Visconde partido ao meio”

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Ítalo Calvino: “O Visconde partido ao meio” Companhia das Letras. 1997. 90 pgs. (incluído na trilogia: “Os Nossos Antepassados”)

o visconde partido ao meioA tertúlia literária mensal traz à tona esta pequena-grande obra de Ítalo Calvino. Um escritor que faz da fantasia recurso para analisar o ser humano, ajuda a entender melhor o homem contemporâneo e, naturalmente, dá recados que nos acompanham na aventura singular do conhecimento próprio

O narrador -que é o próprio Calvino, incarnado num adolescente- conta-nos as desventuras do tio dele, Medardo de Terralba, o visconde que figura no título, e que na guerra contra os turcos, recebe uma bala de canhão sendo deste modo seccionado em duas metades. Uma presidida pela maldade, enquanto a outra faz da bondade seu guia. Um absurdo aparente que, já no prólogo Calvino faz questão de advertir: “Partido ao meio, mutilado, incompleto, inimigo de si mesmo é o homem contemporâneo”.

A figura fictícia do visconde secionado, “aquele perfil que continuava a ser um perfil mesmo visto de frente”, dividido em curioso maniqueísmo, é uma metáfora que dá pano para manga, como comprovamos nos comentários, magníficos e surpreendentes, que se sucederam na tertúlia. E como bem nos adverte o narrador, quando se é jovem, os sentimentos e as intenções se misturam:  “Meu tio se achava então na primeira juventude: a idade em que os sentimentos se misturam todos num ímpeto confuso, ainda não separados em bem e mal”.

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Paul Kalanithi: “O último sopro de vida”

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Paul Kalanithi: “O último sopro de vida”. (When Breath becomes air) Sextante. Rio de Janeiro, 2016. 167 pgs.

o ultimo sopro de vidaUm médico escrevendo sobre doenças e morte não é novidade. Aliás, cada vez mais são os médicos que se aventuram a escrever sobre este tema.  Faço questão de centrar a temática, porque a escritura e a medicina sempre correram paralelas.

Há quem diga que os médicos escrevemos para compartilhar o universo que levamos dentro, fruto das experiências com nossos pacientes. Um mundo velado pelo sigilo profissional, que na escrita assume forma de ficção ou, pelo menos, nomes fictícios. Eu pessoalmente penso que escrevemos para nos entender melhor, para clarificar essa avalanche de vivências que carregamos, e poder apalpar a dimensão fascinante e ao mesmo tempo tremenda do nosso trabalho. Como diz Abraham Verghese -outro médico escritor- no prólogo da presente obra referindo-se ao autor, entender a feroz convicção da dimensão moral do seu trabalho.

Mas este livro é sim uma novidade. Porque o médico que escreve de doenças e de morte, o faz contemplando a própria morte que se aproxima. É, pois, um livro quase póstumo ou, se preferirmos, um testamento. Paul Kalanithi nos deixa um legado muito especial, porque este médico escritor tinha uma formação prévia em Literatura Inglesa, e um mestrado na área de filosofia da ciência. Quer dizer, além de ser um neurocirurgião de prestígio, possuía os recursos necessários para se exprimir com maravilhosa clareza.

E aqui vai a primeira reflexão. Todo médico tem vivencias que merecem um relato. Muitas, inúmeras. Mas nem todos conseguem descrever, talvez porque lhes falta esse recurso de expressão. É preciso aprender o idioma, para exprimir-se, e para entender o paciente. “Os livros se tornaram meus confidentes, com suas lentes me propiciando novas visões de mundo” -diz Kalanithi no seu relato. As humanidades, a literatura em particular, permitem entender a linguagem em que o paciente nos fala. A comunicação fica impedida quando se desconhece o idioma. E também não se ajuda ninguém, por mais boa vontade que se tenha. Recentemente tive a oportunidade de integrar uma banca de doutorado em medicina sobre narrativas médicas, onde a pesquisadora confirmava esta hipótese: a literatura, e as histórias dos pacientes nos permitem aprender o idioma com o qual nos comunicamos com as pessoas que solicitam nossa ajuda como médicos.

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UM HOMEM DE FAMILIA: Viver como se fosse a segunda vez.

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

(Family Man) Diretor: Brett Ratner. Nicolas Cage, Téa Leoni, Don Cheadle, Jeremy Piven. 125 min.

Alguém comentou –não lembro quem, e talvez não foi ninguém em concreto, mas sim sentir comum popular- que seria bom viver duas vezes. Uma para testar o modelo, e na outra para reeditar a vida, agora sem erros, passada a limpo. Sim lembro que foi Viktor Frankl , o psiquiatra austríaco criador da Logoterapia – a terapia de sentido da vida- quem recomendava viver e atuar como se tratando da segunda vez e da primeira se tivesse atuado de um modo tão ruim como estávamos a ponto de fazer nesse momento. Em outras palavras: parar e pensar que não vai ter segunda chance, que essa é a definitiva, e corrigir os erros na fonte, antes de emiti-los. Também lembro que Fernando Pessoa admitia que viver a vida –vive-la bem, se entende- era de fato complicado e assim reconhecia em poesia cantada: “Temos todos que vivemos/ Uma vida que é vivida/ e uma vida que é sonhada/ e a única vida que temos/ é essa que é dividida/ entre a verdadeira e a errada.

            Pensadores, poetas, psicólogos tem o seu modo de ver a vida. Os filmes retratam, melhor ou pior, os anseios do ser humano e Hollywood, volta uma vez e outra, sobre as duas vidas –a verdadeira e a errada- e almeja a possibilidade de dar marcha a ré no próprio viver, para acertar o caminho de vez. Um homem de família é uma variação sobre o mesmo tema, em versão divertida, amena, e que faz pensar.

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Theodore Dalrymple: “Podres de Mimados”

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Theodore Dalrymple: “Podres de Mimados. As consequências do sentimentalismo tóxico”. E Realizações. São Paulo. 2015. 200 pgs.

Podres de MimadosTranscorridos pouco mais de 8 meses do meu primeiro encontro com Dalrymple e da sua crítica da sociedade atual decido enfrentar uma nova entrega, seduzido pelo título impagável. Costumo deixar passar um ano antes de ler outra obra do mesmo autor, para sedimentar as ideias (dele, na minha cabeça), e cozinhar as próprias, que são as que em definitivo permanecem. Mas reconheço que o apelo do tema -e as vivências diárias saturadas de espasmos emotivos pipocando à nossa volta- encurtaram a minha rotina de quarentena.

Como sempre, o autor embasa seus comentários em histórias reais, muitas delas fruto da sua experiência como psiquiatra em cadeias, prisões e cenários análogos. Apresenta relatos pontuais, dos quais arranca para desenvolver uma ideia; ou uma explicação, que acaba se convertendo numa análise sociológica. Os relatos são a pista de decolagem para essa construção antropológica.

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Paul Glynn: “Réquiem por Nagasaki”

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Paul Glynn: “Réquiem por Nagasaki”. Palabra. Madrid (2011). 316 págs. (Versão espanhola, do original A Song for Nagasaki; em português: Um Hino a Nagasaki, Ed. Loyola)

Um Hino a NagasakiA tertúlia literária nos oferece esta vez uma oportunidade diferente: conhecer a vida de Takashi Nagai, um sobrevivente à bomba atómica de Nagasaki, e no vácuo da sua biografia -ou do seu livro (Os Sinos de Nagasaki)-  aspectos da cultura japonesa nem sempre conhecidos. Eu pelo menos não os conhecia, porque carecem do aspecto folclórico -que é sempre o que os curiosos e turistas comentam- para adentrar-se numa dimensão espiritual de profunda densidade.

Nagai, médico especializado em radiologia, não por gosto, mas por opção. Perdeu a audição num dos ouvidos durante a guerra na China, tinha dificuldade para utilizar o estetoscópio, e um velho professor lhe propôs dedicar-se a essa especialidade que era o futuro. Não andava equivocado o professor de Nagai, basta ver hoje a dimensão incrível de avanços tecnológicos que nos brinda o diagnóstico por imagem.

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Lembranças de um amor eterno: uma avalanche de conteúdo rebatendo a banalidade da comunicação

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(La Corrispondenza), 2016. Diretor: Giuseppe Tornatore. Música: Ennio Morricone.  Intérpretes: Jeremy Irons, Olga Kurylenko, Simon Johns, James Warren.116 min;

La correspondenza - capaAs tais lembranças de amor eterno é mais um caso desastroso de tradução doméstica. Por que não manter o nome original italiano em tradução literal -embora o filme seja falado em inglês- A Correspondência? Mania de inventar moda, e de colocar em risco algo que não te pertence, e que pode desestimular a assistir este filme especial. Um filme dirigido por Tornatore, com música de Ennio Morricone, e interpretado por Jeremy Irons é algo que, no mínimo, é preciso ver. Um filme em inglês, mas com alma italiana. Daí a importância do título, que forma parte de todo o pacote, ou melhor, da obra de arte.

Um título peculiar, simbólico, representativo de um filme repleto de surpresas. Um verdadeiro mano a mano -nada mais lógico em se tratando de uma correspondência- entre a atriz ucraniana, que segura com pulso mais de 70% das cenas, e o ator britânico que aparece com ritmo regular… na tela do computador! Estender os comentários sobre o argumento seria colocar em risco o filme, já ameaçado pela infeliz tradução do título.

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