Buscando uma Humanização Sustentável da Medicina

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Publicado originalmente em SlowMedicine

No passado dia 18 de outubro, dia do Médico, o CREMESP lança uma campanha para Humanizar a Medicina , aponta ser tema prioritário e lembra a importância do calor humano e da relação médico paciente. No vácuo desta iniciativa corporativa do Organismo que regula a profissão médica anotamos as seguintes reflexões.

A Humanização da Medicina assume notável protagonismo na agenda dos Educadores na Academia, e dos Gestores nos diversos Sistemas de Saúde. O motivo é claro: nos dias de hoje a medicina tem de ser forçosamente humana se quer pautar-se pela qualidade e pela excelência. Humanizar a Medicina é, assim, além de uma obrigação educacional uma condição de sucesso para o profissional de saúde.

O modo mais prático de perceber esta necessidade é observar as consequências que a sua ausência provoca. Quando existe um clamor pela Humanização de uma situação, de uma atitude ou profissão é porque de algum modo se reclama algo que se entende como essencial em determinada circunstância concreta. No caso da medicina, as chamadas de atenção costumam vir da parte do paciente, como advertência que orienta na recuperação de algo que, tendo-se o direito de esperar do médico e da medicina, não se encontra na prática.

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Henry Marsh: “Sem Causar Mal”

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Henry Marsh: “ Sem Causar Mal”. (Histórias de vida, morte e neurocirurgia). nVersos. São Paulo, 2016. 287 pgs.

Sem causar malÉ uma convicção que me acompanha faz tempo, e que tenho comprovado diversas vezes: quando um cirurgião envereda pelos caminhos da educação médica, é objetivo, tem impacto, entra para consertar. E costuma dar-se bem. Este livro não é propriamente um tratado de educação médica, mas de fato educa, porque faz refletir.

Henry Marsh, conhecido neurocirurgião britânico, escreve com estilo familiar, e sem nenhuma pretensão literária, uma espécie de memórias. Ou talvez, as memórias dos seus equívocos profissionais, sobre os quais reflete com sinceridade, e nos faz pensar ao tempo que também nos educa enquanto descreve a técnica operatória de um determinado caso: “Meu aspirador se está movendo por entre o pensamento, pela emoção e pela razão; e ocorre-me pensar que as memórias sonhos e reflexões são tão consistentes como gelatina”.

Gostei, sim, e muito do livro. Algo diferente ao que estamos acostumados quando lemos as memórias dos médicos, onde a emoção -que está sempre presente-  pode tirar realismo da situação que, no momento, nada tem de poético. A ironia e o ceticismo estão presentes; o autor não faz questão de esconde-los, e talvez por essa sinceridade nos educa mostrando que há caminhos para melhorar quando expomos nossas limitações. “Não há evidências de que as raspagens totais que fazíamos no passado, que faziam com que os pacientes se parecessem com presidiários, tinham qualquer efeito sobre as taxas de infeção. Eu suspeito que a verdadeira -embora inconsciente- razão era o fato de que desumanizar os pacientes facilitava para que os cirurgiões os operassem. ”

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Daniel Silva: O Caso Caravaggio

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Daniel Silva: O Caso Caravaggio. Harper Collins Brasil. Rio de Janeiro. 2016. 350 pgs.

Daniel Silva - O caso caravaggioDaniel Silva, a pesar do que o nome possa sugerir, é um escritor americano, filho de pais Açorianos, com impacto no mercado editorial pelos seus livros policiais e de espiões. Aqui o protagonista é Gabriel Allon, uma das suas personagens preferidas. Allon é um restaurador de arte, de ampla cultura, técnica refinadíssima e com uma paciência digna de Job. “Remover o verniz de um quadro barroco não era como espanar um móvel; era mais parecido com esfregar o chão de um porta-aviões com uma escova de dentes”.

O livro tem uma abertura cativante e promissora. Negócios que envolvem obras de arte, um cadáver brutalmente mutilado, e o desaparecimento de um quadro notável. Quando se juntam violência, sordidez é arte, nada mais lógico que jogar no crédito de Caravaggio -que entendia muito bem de ambos cenários- a obra desaparecida: A Natividade com S. Francisco e S. Lourenço. Allon, esperto em arte entra em cena. Mas o principal motivo da convocação é a identidade que se esconde por trás do artista restaurador: um espião, um agente bem treinado da inteligência de Israel.

A trama decola com interesse, repleta de ironias finas, diálogos sutis, muitas entrelinhas. Faz lembrar os romances noir clássicos, de Raymond Chandler ou de Dashiell Hammett. E tem até recados com substância que fazem pensar. Anoto um que me chamou a atenção, em perfeita sintonia com os tempos que vivemos:  “Houve uma época em que os seres humanos não sentiam a necessidade de compartilhar todos os seus momentos acordados com centenas de milhões, até de bilhões, de completos estranhos. …. Agora, na era da perda da inibição, parecia que nenhum detalhe da vida era mundano ou humilhante demais para ser compartilhado. Na era online era mais importante viver se mostrando do que viver com dignidade. Seguidores na internet eram mais apreciados o que amigos de carne e osso, pois davam a ilusória promessa de celebridade, até de imortalidade. Se Descartes estivesse vivo hoje, ele poderia ter escrito: eu tuito, logo existo”

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Miguel de Cervantes: “Novelas Exemplares”

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Miguel de Cervantes: “Novelas Exemplares”. Aguilar. Madrid, 1949 em Obras Completas.

Cervantes-Novelas-ExemplaresO quarto centenário da morte de Cervantes era um apelo muito forte para ser recusado na nossa tertúlia literária mensal. Sabendo que ainda nos restaria a dívida com Shakespeare -que morreu no mesmo dia que Cervantes, 23 de Abril de 1616- decidimos pelas Novelas Exemplares. Não uma obra menor, pois não são poucos os entendidos que dizem que se Cervantes não tivesse escrito D. Quixote, teria passado também à galeria dos clássicos por esta coleção de relatos que ele quis denominar exemplares, porque de todos eles há um exemplo -ou vários- para aprender.

São assim, as Novelas, textos “das quais pode se tirar algum exemplo, e diversão;  porque nem sempre estamos nos templos ou oratórios, ou nem sempre estamos nos negócios por qualificados que estes sejam: há horas onde é preciso recriar-se, e deixar que o espírito descanse”. Cervantes ensina e estimula as virtudes que nos cercam no quotidiano, e que assimilamos enquanto nos divertimos e descansamos escutando estas histórias. Uma didática do dia a dia, sem a necessidade de sérias meditações ou de esforços de aprendizado.

Tentar resumir em poucas linhas estes ensinamentos é pretensão ridícula e insana. Não há como substituir a cadência, os raciocínios e o bom dizer do escritor espanhol, sempre que a tradução seja fiel e esmerada. Um assunto não desprezível, porque traduções mancas são capazes de assassinar o gênio de qualquer um, mesmo de Cervantes.

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Leonardo Padura. “O Homem que amava os cachorros”

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Leonardo Padura. “ O Homem que amava os cachorros”. Editora Boitempo. 2013. 600 pgs. 

(“El hombre que amaba a los perros”. Maxi Tusquets Ed. Barcelona 2014. 765 pgs.)

O homem que amava os cachorrosTinham-me recomendado o livro; várias vezes, e de fontes confiáveis.  Mas o formato digital da obra do premiado escritor cubano, não acabava de me convencer. Menos ainda por tratar-se da versão portuguesa. Quando consigo ler os livros na língua original -o que muitas vezes não é possível para quem não é poliglota- declino as traduções. Anotei entre as pendências e na primeira ocasião que tive, entrei num sebo em Madrid. “Os livros de Padura duram pouco aqui. Vendem-se mal entram”. O comentário do livreiro bastou para me dirigir diretamente à Casa do Livro, pois o tinha localizado previamente no catálogo. Não o encontrei entre os autores de língua espanhola e perguntei ao atendente. Ele certificou-se de que efetivamente estava na relação e foi descobri-lo numa prateleira dedicada às “Narrativas Negras”, enquanto eu me perguntava o motivo de tal classificação. Uma ficção “noir”? Eu tinha entendido que se tratava de um episódio histórico. Curiosidade que demorei pouco em satisfazer.

No final do livro, enquanto o autor prepara os agradecimentos, adverte que se trata de uma novela, apesar da agoniante presença da História em cada uma das suas páginas. E de fato, este livro singular e admirável, é um romance histórico com fundamento absoluto na realidade.  Uma história que Ivan, o aprendiz de escritor, relata a partir dos encontros com uma personagem que, do momento em que o encontrou, batizou-o como o homem que amava os cachorros. Uma narrativa que oscila entre os três personagens principais que conduzem a sinfonia histórica romanceada. Mas, repito, um romance que te congela: não apenas pelo frio soviético, mas pela verossimilitude dos fatos e do peso histórico, que o romance, povoado de inúmeros personagens coadjuvantes, torna-o ainda mais estarrecedor.

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Desajustados: O poder transformador da bondade

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(Fúsi -Virgin Mountain-), 2015. Diretor: Dagur Kári. Gunnar Jónsson, Sigurjón Kjartansson, Arnar Jónsson, Ilmur Kristjánsdóttir, Margrét Helga Jóhannsdóttir, Franziska. 94 min.

desajustadosEncontrava-me almoçando com um jovem colega no restaurante dos médicos do hospital quando me abordou um outro médico. Hesitou, olhou o meu nome bordado no avental, certificou-se de que era eu a pessoa que ele suspeitava. Apresentou-se, e rapidamente entendi de quem se tratava. Tínhamos trocado e-mails, escutei-o falando no rádio e até mandei uma mensagem ao programa. Mas era a primeira vez que nos víamos ao vivo. “Que coincidência -disse-me. Estava pensando em lhe pedir para escrever uma dessas suas críticas de filmes para colocá-la no nosso site de Slow Medicine”. Sugeriu-me algum filme, mas subitamente “Desajustados” veio à minha mente, e lhe fiz saber: “Boa ideia. Veja como consegue atrelar o filme aos nossos princípios”.

Naquele momento eu não tinha nenhuma ideia racional de como conectar este filme singular com a prática da medicina artesanal, centrada no paciente, que visa qualidade de vida e não apenas resolver problemas que, dito de passagem, muitas vezes não tem solução. Uma medicina que transpira humanismo; essa é a conexão entre o colega e eu, pois temos posturas profissionais semelhantes, e tentamos -com muito esforço e modesto sucesso- fazer escola, divulgar essa atitude médica. Mas encontrei um bom motivo para comentar -pare refletir escrevendo, que isso são as crônicas de cinema- este filme Islandês que me marcou e me deixou pensando. E me desafiando, porque não encontrava o fio certo para costurar as reflexões que despertou em mim.

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Joseph Fadelle: “O Preço a pagar por me tornar cristão”

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Joseph Fadelle: “O Preço a pagar por me tornar cristão”. Paulinas. São Paulo, 2015. 310 pgs. 

O preço a pagar por me tornar cristãoEis um testemunho comovente que faz pensar. E muito. Um jovem soldado iraquiano, muçulmano, é forçado a dividir a hospedagem da caserna com outro soldado cristão. Lutam por uma causa comum, mas a motivação e as crenças são diferentes e, por conta do ambiente cultural, impossíveis de se misturar: como água e óleo. As conversas com o companheiro ao qual se afeiçoa, as perguntas que ele lhe faz, os silêncios prolongados do interlocutor, levam Mohammed até a conversão. Aí começa a sua aventura, onde terá que enfrentar a família, as raízes, a confortável posição social e a perseguição aberta, incluída a tortura e o cárcere. Esse é o preço a pagar para tornar-se cristão. Um preço que pode exigir dele a própria vida, assim como a da sua mulher e filhos que seguirão o seu caminho.

Uma história que poderia parecer ficção se não fosse real, tal é o teor do relato, tocante e assustador que alinhava ao longo destas 300 páginas. Não é um homem que renega das suas crenças, mas que descobre um complemento maior que abraça e engrandece sua existência: “Desse modo, tenho na cabeça todos os nomes que o Alcorão dá a Alá. Conhecem-se noventa e nove: Eterno, Inconcebido, Único, Inacessível, Firme, Invencível, Glorioso, Sábio, Benevolente, Misericordioso, mas também Vingador… Em contrapartida, também existe outro nome, o centésimo, que ninguém conhece. Mas eu tenho a impressão de que hoje descobri este nome misterioso e desconhecido de Alá: é o Amor”.

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Theodore Dalrymple: “Nossa Cultura ou o que restou dela”

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Theodore Dalrymple: “Nossa Cultura ou o que restou dela”. E Realizações. São Paulo. 2015. 400 pgs.

Nossa cultura, ou o que restou delaO autor que está por trás do pseudónimo é Anthony Daniels, psiquiatra e escritor inglês, com experiência profissional em quatro continentes, incluídos trabalhos em prisões e hospitais de bairros pobres. A presente obra reúne uma coletânea de 26 ensaios, resultado das reflexões que o seu trabalho profissional lhe proporcionou ao longo do tempo. Uma atividade que o colocou junto a pessoas que são, nas suas próprias palavras, “cobaias da engenharia social parida no conforto das universidades pela elite politicamente correta e progressista”. Basta essa introdução para adivinhar o tom crítico que o escritor inglês emprega nos seus escritos.

O desenrolar dessa introdução não se faz esperar: surge nas primeiras páginas. “A fragilidade da civilização foi uma das grandes lições do século XX. Era de se esperar dos intelectuais – de quem imaginamos que pensassem mais longe e com maior profundidade-  que identificassem as fronteiras que separam a civilização da barbárie. Ledo engano. Alguns intelectuais abraçam o barbarismo, enquanto outros permanecem indiferentes, ignorando-o. (…) A civilização precisa de conservação tanto quanto de mudança. Nenhum ser humano é suficientemente brilhante a ponto de sozinho poder compreender tudo, e concluir que a sabedoria acumulada ao longo dos séculos nada tem de útil. (…). Os intelectuais têm que perceber que a civilização é algo que vale a pena ser defendido, e que um posicionamento hostil diante da tradição não representa o alfa e o ômega da sabedoria e da virtude. Temos mais a perder do que pensam”.

Os intelectuais politicamente corretos são alvo direto e constante das críticas de Daniels. “O intelectual se eleva acima do cidadão comum, que ainda se agarra quixotescamente aos padrões, preconceitos e tabus. Diferentemente dos outros, ele não é mais um prisioneiro de seu passado e de sua herança cultural; e prova a medida da liberdade de seu espírito em função da amoralidade de suas concepções”.

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James Hilton: “Adeus Mr. Chips”

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James Hilton: “Adeus Mr. Chips”. Record. Rio de Janeiro. 1969.90 pgs.

adeus mr chipsQuando vi o filme, com 12 anos, nem sabia que existia um livro por trás desta história comovente. Foi numa tarde de primavera, depois de fazer (não me lembro se com sucesso ou não) um exame de piano. Estava com os meus pais e o filme passava no cinema em frente do Real Conservatório, na Praça da Opera, em Madrid. Foi sem planejamento, de repente. “Olha, uma nova versão de Adeus Mr. Chips. Lembras daquela com o Robert Donat? -perguntou minha mãe ao meu pai. Eu assisti o diálogo sem muita supresa: ela sempre falava desse ator, que também tinha feito A Cidadela. A próxima sessão começaria em pouco menos de uma hora: o tempo para um lanche rápido, e instalar-se num bom lugar. Gostei do filme -era um musical-, gravei definitivamente a imagem do Peter O’Toole como o professor ideal, um velhinho simpático e amável que é conquistado e transformado por uma garota vanguardista.

Passaram anos até descobrir o livro de James Hilton que li de uma tacada. Vi também a versão de 1939, com Robert Donat. E revi, várias vezes, o musical com Peter O’Toole e Petula Clark. O livro é uma mistura de ambos filmes; talvez deveria dizer o contrário, mas é bom lembrar que para mim o filme chegou antes, muito antes. Agora, na tertúlia literária deste mês, sugeri sua leitura e aguardei as reações.

“Li o livro rapidamente. São menos de 100 páginas. E quando acabei me perguntei: é só isso? Vou ler de novo. Daí, na segunda leitura, caiu a ficha: é como a nossa vida, sempre esperando algo espetacular, mas o que temos é isso. Como Mr. Chips”. Um comentário encantador que abriu nossa reflexão conjunta. Seguiram-se outros fenomenais: “Fui no sebo comprar o livro. Vi o nome da proprietária original e a data…E pensei: eu tinha 3 anos quando ela leu este livro! E depois a textura das páginas, que me transportou até a minha infância. Os homens jogavam baralho, as mulheres conversavam, as crianças liamos livros…com páginas dessa textura”.

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