Antonio López Vega: Gregorio Marañón. Radiografía de un Liberal

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Antonio López Vega: Gregorio Marañón. Radiografía de un Liberal. Taurus. Madrid 2011. 552 pgs.

     O livro esta escrito em espanhol, mas merece um comentário em português, por dois motivos. O primeiro é a amizade que me une ao autor –que me deu este exemplar onde estampou uma dedicatória apaixonada, sabendo do muito que eu me inspiro nos escritos e na vida do Dr. Marañón. Uma dívida com atraso, pois tenho o livro há mais de ano, e somente agora consegui serenidade para lê-lo com calma. O segundo motivo, que está intrinsicamente ligado ao primeiro, é promover a figura de Marañon –e do seu biógrafo, talvez a maior autoridade no tema, diretor da Fundação Ortega- Marañón em Madrid- entre o público brasileiro.

     Forçoso é reconhecer que há mais de vinte anos venho comentando –e traduzindo ao português- o pensamento de Gregorio Marañón, como recurso imprescindível na formação dos médicos, em particular, e do ser humano em geral. Em todos os meus livros, e em muitas das publicações, as citações de Marañón são frequentes; e também textuais, porque é difícil exprimir com menos ou melhores palavras os conceitos que o médico espanhol esculpia nos seus escritos. O desconhecimento da sua pessoa e obra é quase total no nosso meio acadêmico-cultural Brasileiro, e esta biografia, que parece ser definitiva, mereceria uma tradução e a consequente promoção no nosso pais. Vale anotar que das três viagens que Marañón realizou a América do Sul, o único pais que visitou em todas elas, foi o Brasil, e lhe produziu esse efeito encantador que seduz aos intelectuais que nos visitam. Lembrei das palavras de Paul Claudel, numa circunstância semelhante: “Qualquer um pode dizer o que bem entender do Brasil, mas não tem como negar que se trata de um desses países pungentes, que impregnam a alma e a deixam com um certo tom, um vezo, um tempero de que ela nunca mais conseguirá se ver livre”. Espero que estes comentário caiam na mão de algum editor que tenha a coragem de enfrentar esta empreitada. Posso lhe assegurar que não se arrependerá.

     A leitura desta biografia teve o sabor do tempero conhecido; isso sim, ordenado com arte e precisão, especialmente no relativo à profissão médica. “Essa visão antropocêntrica da medicina, onde tudo gira em volta do enfermo e da sua circunstância, é a que fez que Marañón passa-se à historia como o protótipo de medico humanista, precursor do que hoje se denomina medicina personalizada, que centra os diagnósticos e tratamentos nas peculiaridades biológicas, fisiológicos e metabólicas de cada paciente (…) Advogava por uma medicina que se ajustasse ao indivíduo, e não ao contrário. Era preciso colocar o foco da atenção médica no paciente ao invés de coloca-lo na doença”. (…) O Manual de diagnóstico etiológico, era a expressão da sua defesa de uma medicina integral: a evolução da medicina revela e acentua o paradoxo de que , conforme a especialização se torna mas necessária e eficaz, é também mais necessário que todo médico especialista tenha uma base de orientação sintética, geral, que alcance todos os galhos da nossa arte, mesmo os mais afastados de atividade habitual de cada um. (…) Em 1959, quando recebe o Doutorado Honoris Causa em Coimbra, insiste na necessidade de conciliar técnica com humanismo, pois “não são opostos, como muitos pensam, mas uma encruzilhada de forças distintas, inevitável e fecunda”. Este é o legado que ele queria deixa, como médico humanista: a imprescindível compreensão da medicina, de maneira individualizada e integral. São todos conceitos, ideias, fatos que fazem parte do meu quotidiano como médico e como professor de medicina. Relembrar estas realidades me fizeram pensar, com agradecimento, o muito que pessoalmente devo a Marañón.
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John Green: “A Culpa é das Estrelas”

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John Green: “A Culpa é das Estrelas”. Ed Intrínseca. Rio de Janeiro. 2012. 286 pgs.

     Recebi este livro num amigo secreto natalino, com uma recomendação muito precisa: manter-se afinado com o que os jovens de hoje pensam. Quer dizer: um recurso para conhecer os mistérios do jovem. Reconheço que no início tive certa repulsa; lembrei do Nelson Rodrigues que explodia aqueles que tudo creditavam aos jovens, pelo simples fato de sê-lo, sem atentar para nenhum outro valor ou conteúdo que, por ventura, se pudesse encontrar no sujeito. Mas, mesmo assim, enfrentei o desafio.

     Encontrei pontos positivos, bastantes. A originalidade, o primeiro: uma narração, em primeira pessoa, de uma garota adolescente com câncer, lutando pela sobrevivência. O humor, desenfadado, espirituoso, que permeia as situações, ou melhor, os diálogos que são a grande base do romance. E, um destaque especial, para a tradução. Não li o original em inglês, mas a adaptação de linguagem é perfeita, tem a similitude da curiosa melodia com que os jovens se exprimem. Frases como “minha mãe permaneceu abraçada a mim, tipo, um bilhão de anos”, “foi mal, desculpa”, resultam familiares.
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Eva Illouz: “Por qué duele el amor”

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Eva Illouz: “Por qué duele el amor” Ed Katz. Buenos Aires.2012 363 pgs.

     Uma crítica literária chamou minha atenção sobre este livro. Depois, foi um artigo –parece-me recordar que sobre a educação dos garotos que se transformam em homens que ignoram o compromisso- onde também se falava desta obra. Comprei-a e aguardei o momento apropriado para lê-la. O momento chegou há três dias. Uma explicação sociológica sobre porque o amor –a falta do mesmo- dói. Após ler 40 páginas, não consegui encontrar a proposta da autora. Meia dúzia de frases soltas davam alguma pista: “analisar o que falha nas relações contemporâneas, delinear as causas institucionais do sofrimento amoroso, manejo dos sentimentos, as emoções que formam a história, etc. etc. Mas, o que estará querendo, perguntei-me? Ainda no capítulo introdutório tropecei com uma passagem que me deixou a pulga atrás da orelha: “meu objetivo é fazer com o amor o mesmo que Marx fez com a mercadoria: demostrar que são as relações sociais as que o produzem e configuram, num mercado onde os atores competem desigualmente, sendo que umas tem mais capacidade do que outras para definir em que termos serão amadas”. Não deu outra. A dialética do amor, na perspectiva da autora, é tão complicada que não consegui entender absolutamente nada. Até duvido que ela mesma entenda, porque o livro –que li em diagonal, várias vezes, pulando páginas- não é um livro, mas uma colcha de retalhos, um ajuntamento de péssimo gosto, e pior qualidade. Parece um desses TCC feito às presas, copiando e colando comentários da Wikipedia. Lá aparecem Jane Austen, Flaubert, Descartes, Warthon, Dostoievski, Kierkeergard, numa salada cósmica temperada com blogs e entrevistas de mulheres mal amadas, e de homens garanhões. Uma solene perda de tempo. Melhor seria investir o tempo em ler alguns dos clássicos citados, que devem ter se revolvido no túmulo. Por que dói o amor? A resposta não está neste livro. Empregue seus anseios de cultura em escutar o quarteto de Rigoletto, onde Gilda se mostra apaixonada pelo sedutor que parte para outra conquista; ou aprecie o diálogo de amor de Butterfly com Pinkerton, e aprenda como se pode enganar alguém cantando coisas maravilhosas. Ou, se gosta de algo mais escabroso, saboreie a lista de conquistas de D. Giovanni, cantadas por Leporello: “Madamina, Il catálogo e questo”. Certamente aproveitará mais para entender das dores do amor. Deste livro, o único que se salva é o título. Um belo golpe de marketing. Já se vê que os marqueteiros fazem milagres e, se não estamos atentos, nos roubam o tempo, e o decoro.

Leonard Sax: “Garotas no Limite”

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Leonard Sax: “Garotas no Limite”. (Girls on the edge). Basic Books. New York. 2011. 258 pgs.

     Cumpri uma pendência que deixei anotada no comentário que fiz, um ano atrás, do livro de Leonard Sax, Boys Adrift, sobre a formação dos meninos. Aproveitando uma viagem neste ano, comprei o terceiro livro do autor, agora sobre a educação das meninas. Fascinante, como os anteriores, e preocupante. O autor expõe com tremenda clareza o que, na sua opinião, são os fatores que ameaçam a correta formação das garotas nestes tempos que vivemos. Suas afirmações tem um duplo embasamento: a sua experiência clínica (20 anos atendendo adolescentes como médico) e a extensa bibliografia, amplamente detalhada no final da obra. Pode se concordar ou não com as suas teses, mas ninguém poderá dizer que a pesquisa carece de profundidade e de apoio científico. Em qualquer caso, é um material riquíssimo para reflexão dos pais, pois é para eles que Sax escreve: ser pai não é uma ciência, mas um arte que deve aprender-se a praticar. Nem sempre se oferecem soluções que resolvam os desafios atuais. Traz elementos que fazem pensar, e que sugerem soluções que cada um deverá costurar por sua conta.

     A grande empreitada –o núcleo do livro- é sobre como ajudar às meninas a construir sua identidade como mulheres. E para tamanha tarefa, Sax convoca no fórum de discussão pesquisas recentes (a maioria procedentes de USA), pensadores e educadores, e tempera o cenário com histórias de vida das suas próprias pacientes. Uma cita de Rilke abre o espetáculo: “Entra dentro de ti e descobre quão profundo é o lugar de onde floresce a tua vida”. A identidade é saber quem você é, e não a aparência que você tem. Identidade não tem a ver com o teu aspecto, com o dinheiro que teus pais têm, quantas músicas guardas no iPod, ou amigos se amontoam no teu Facebook. Identidade é conexão com você mesma.
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Nelson Rodrigues: “O Óbvio Ululante”

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Nelson Rodrigues: “O Óbvio Ululante”. Companhia das Letras. São Paulo. 1993. 300 pgs.

     Quem, como eu, inclui-se no grupo dos que se atrevem a escrever como amadores, fará bem se, com regularidade, frequenta aqueles que fizeram da escrita seu modus vivendi. É um aprendizado continuo: tornar claras nossas ideias, comunicar-nos, e entender o que nós mesmos pensamos. Ler e reler, como já adverte o autor que nos ocupa: “Por tudo que sei da vida, dos homens, deve-se ler pouco e reler muito. A arte da leitura é a da releitura. Há uns poucos livros totais, uns três ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia”.

     Nelson Rodrigues, um dos grandes do teatro brasileiro, oferece uma prosa leve, bem construída; um idioma vivo que guarda, ao mesmo tempo, o sabor de rua e uma rara distinção, quase aristocrática, de quem observa e disseca a alma humana, seus costumes, suas virtudes e misérias. Vê, compreende, sorri, e nos faz pensar. Passados mais de 50 anos, suas agudas observações permanecem atuais. Os temas hoje em pauta são outros –Nelson reflete sobre as passeatas, a esquerda festiva, o Vietnã, Sartre e outras personagens que estavam no candeeiro, – mas a condição humana é a mesma. Basta fazer um transporte de tonalidade, como dizem os músicos, e o novo registro nos brindará um curioso aproveitamento destas confissões.

     O Óbvio Ululante é um livro para ser degustado. Na verdade não é um livro, mas uma coletânea das confissões publicadas em O Globo, no ano de 1968. Por isso aproveita mais quando se lê com conta gotas, deixando pingar a cada dia uma ou duas crônicas, pois esse foi o propósito do autor. Até por que, logo no início, reconhece que se repete nos argumentos; algo que num livro formal seria bizarro, mas perfeitamente desculpável –até necessário- nas crónicas diárias, que recolhem o pulsar da sociedade. “A minha imaginação é rala e, repito, a minha imaginação é escassa. Mas sou profissional e tenho que subvencionar o leite do caçula e o sapato da mulher. E que faço? O meu processo é repetir. Arranquei de mim mesmo, a dura penas, uma meia dúzia de imagens. E um dia sim, outro não, repito a metáfora da antevéspera. A televisão vive das reprises dos seus filmes, eu vivo das reprises das minhas imagens”. Quando me deparei com esta afirmação lembrei do comentário de um amigo: na vida é preciso ter três ou quatro boas ideias, e repeti-las sempre, de modo diferente.
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Maria Winowska: “Maximiliano Kolbe”

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Maria Winowska: “Maximiliano Kolbe”. Edições Paulinas. São Paulo. 1983. 190 pgs

     Não quero deixar de registrar a rápida leitura deste livro, num bate e volta de avião, por conta de umas conferências. Mala de mão pronta, um par de noites fora de casa. Olhei para a prateleira da sala e o livro piscou para mim. É este mesmo, pensei. Estava cansado; tive de preparar 8 ou 9 apresentações no mesmo mês. Vamos dar uma olhada na vida de Maximiliano Kolbe. Além do mais tinha uma dívida: quando anos atrás estive na Catedral de Cracóvia vi um quadro dele….vestido de presidiário. A única vez que vi um santo representado em vestes tão peculiares, alias, a rigor: pijama listrado, como manda o figurino.

     Sabia que tinha morrido no campo de concentração ao oferecer-se em troca por um pai de família que estava escalado na lista dos que morreriam no bunker da fome. Mas o que descobri com a leitura do livro foi o complemento necessário, que já suspeitava: a decisão heroica de Maximiliano, não foi um espasmo de caridade improvisado. Vinha construindo essa atitude de longe, do começo da sua vida, quando lhe foi comunicado por uma visão celestial, que participaria de uma atividade evangelizadora enorme, e também do martírio.
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Hannah Arendt: O Compromisso de Pensar

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(Hannah Arendt). Direção: Margarethe von Trotta. Barbara Sukowa, Axel Milberg, Janet McTeer, Julia Jentsch, Ulrich Noethen,. Alemanha, Luxemburgo, França. 2012. 113 min.

     Todos os comentários que me chegaram deste filme eram unânimes: cinema de primeira categoria. Direção perfeita de Margarethe Von Trotta, interpretação magistral de Bárbara Sukowa. Magistral e realista: fumando o tempo todo, como a personagem que encarna, embora o filme não chegue a mostrar os charutos que Hanna fumava em público. Os intelectuais, os filósofos e o tabaco: alguém já escreveu sobre isso, eu não me detenho nessa particularidade, até porque estou em atraso com estas linhas. Explico.

     Deixei o filme em suspenso, e debrucei-me sobre um livro que repousava na minha prateleira. Quis lê-lo antes de assistir o filme, para ter uma ideia da vida e obra da pensadora alemã. Levou-me algumas semanas, mas valeu a pena.  É pouco provável que os leitores tenham a oportunidade de ler alguma das obras de Arendt antes de ver o filme. Mas seria muito útil que, ao menos, lessem o comentário que fiz a esse livro, antes de mergulhar na fita. Sem preocupação; não conto a trama do filme, até porque o aspecto em que se foca a produção é pontual: a cobertura jornalística que Hanna Arendt fez para o New Yorker do julgamento de Adolf Eichmann em Jerusalém.

     O filme serve a modo de aperitivo a vida da Hanna Arendt e do seu marido Heinrich Blucher, as reuniões na sua casa com a tribo de pensadores e artistas,  e até alguns flash back com Heidegger, o amante da juventude. Mas o prato forte é, sem dúvida, a vivência do julgamento do criminal nazista. Arendt foi a Jerusalém para cobrir o evento como jornalista –mais colunista do que repórter, diríamos hoje- mas o resultado foi uma verdadeira experiência filosófica, a contemplação de uma realidade que se lhe figurava com perfis diferentes aos que todos os outros conseguiam enxergar. Tudo culmina no discurso onde, diante uma plateia de universitários absolutamente seduzidos pela pensadora, dá razão da sua perspectiva, e dos seus escritos que cristalizaram na obra polêmica: “Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal”.
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Teresa Gutiérrez de Cabiedes: “El hechizo de la comprensión. Vida y obra de Hannah Arendt”

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Teresa Gutiérrez de Cabiedes: “El hechizo de la comprensión. Vida y obra de Hannah Arendt”. Encuentro. Madrid (2009). 454 págs.

     Quando tomei conhecimento de que sairia às telas um filme sobre Hannah Arendt, fui direto na minha biblioteca e resgatei este livro. Tinha-o comprado um par de anos atrás, mas repousava na estante à espera da ocasião propícia. Sabendo da polêmica vida e obra da escritora, prometi a mim mesmo não assistir o filme sem antes mergulhar na leitura deste livro. Foi um acerto.

     O livro é um ensaio primoroso onde a vida e a obra de Hannah Arendt se misturam. Quer dizer, a autora os combina de modo que os escritos explicam a vida da pensadora, e vice-versa. E parece que chega a mesclar-se ela própria, a autora do livro; opinião que pensei ser minha, mas comprovo que tem apoio no prólogo do Professor Llano –sempre claro e preciso- que sugere uma verdadeira simbiose entre Hannah e Teresa. Quer dizer, alguém que escreve sobre um tema –melhor, sobre uma pessoa!- com a que tem muita intimidade, profundo conhecimento.

     Hannah Arendt, uma pensadora que não gostava de ser chamada filósofa. Estudante de filosofia, amante do seu professor –Heidegger- , de quem se distancia porque “a exigência de absoluto de toda paixão, atrofia os órgãos preceptores da novidade”. Elabora sua tese doutoral acerca do conceito de amor em Santo Agostinho, sob a direção de Karl Jaspers. Judia que militou na imprensa pro semita colaborando com Kurt Blumenfeld; fugida da Alemanha nazista, e posteriormente emigrada para Estados Unidos onde viveu o resto da sua vida, já com o seu marido, também professor, Heinrich Blucher.
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José Luis Comellas: “Breve Historia del Mundo Contemporáneo”

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José Luis Comellas: “Breve Historia del Mundo Contemporáneo” Rialp. Madrid. 1998.380pgs

     Vez por outra, convém repassar a História, ao compasso destes pequenos manuais onde a opinião interpretativa do autor está presente. Não há como fazer uma crítica, nem mesmo um comentário, muito menos um resumo do livro. É preciso ler para refrescar as ideias, os conhecimentos, sedimentar a cultura que, no dizer popular, é o que sobra quando se esquece quase tudo o que se leu. Breves histórias, quase opúsculos, que alguns podem considerar superficiais. No ritmo de vida que levamos, é preciso a maior parte das vezes saber deixar de lado as tentativas hercúleas de estudar história a fundo, em livros que superem as mil páginas. Nessas obras enciclopédicas, é tanta a informação que as árvores não deixam visualizar o bosque. Por isso, olhadas rápidas às florestas históricas, ajudam a aquilatar o conhecimento sobre o curso da Humanidade.

     Não é, pois, improvável, que quando alguém pergunte o que ficou de um livro como este, a resposta seja: alguns detalhes, amenidades, curiosidades. Mas são miudezas que por estarem inseridas na História, funcionam com lembretes do quadro geral, nos ajudam a recuperar o sentido de expressões que, mesmo sendo de uso comum, desconhecíamos a sua origem.

     Valha um exemplo: A expressão América Latina –para denominar o que na verdade é Ibero-América (já que, fora Portugal e Espanha, os outros países latinos carecem de protagonismo nesse cenário)- foi um lobby de Napoleão III. Queria recuperar a dimensão imperial da França e no lobby –que deu certíssimo- a expressão dá espaço para todas as metrópoles latinas. Outro exemplo: O Eixo –para designar os países que enfrentaram os aliados II Guerra Mundial- é uma expressão de Mussolini: “O eixo de Europa passa por Roma e por Berlim”.

     Em tratando-se de uma visão rápida da Historia, as opiniões do autor, com suas peculiaridades, também estão presentes. Por exemplo: “Hitler entendeu que Marx era um judeu apátrida que por carecer de pais próprio propunha uma revolução supranacional. Daí arranca o ódio aos judeus, o antissemitismo de Hitler”. Algumas concisas, e cômicas: “A Primeira Grande Guerra se poderia dizer que aconteceu porque os Bósnios queriam ser Sérvios.” “Os felizes –ou loucos- anos 20, a grande depressão dos 30, o fortalecimento do egoísmo nacional, o surgimento dos nacionalismos messiânicos. Uma cascada de acontecimentos”. São interpretações da História: necessárias nos historiadores, e nos professores de História. Podemos estar de acordo com eles, ou não; mas a leitura destes breves manuais –quase ensaios em forma de livro- nos mantém em sintonia com a História, com a Humanidade, nos humaniza porque leva-nos a aprender com os acontecimentos.

Ismail Kadaré: “Abril Despedaçado”

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Ismail Kadaré: “Abril Despedaçado”. Companhia das Letras. São Paulo. 2001. 201 pgs.

     Imagino que a crítica deve ver algo em Ismail Kadaré que eu não consigo ver. Tentei uma vez, dei um tempo, tentei de novo. Esta é uma das suas obras mais conhecidas, talvez pelo filme que originou, produto nacional. Uma inspiração apenas, pois Walter Salles transporta para o sertão Brasileiro o que Kadaré situa, naturalmente, na Albânia, sua terra natal. Kadaré é sempre a Albânia que teve de abandonar. Nele pulsa ininterruptamente a força telúrica, os costumes incríveis que por lá se vivem. Desta vez, a vingança estabelecida, a revanche, a vendeta oficializada. Pesado, duro, onde o amor pugna por entrar e não consegue. O destino –como nas tragédias de Shakespeare- está à espreita. E a na luta por safar-se do destino afloram os sonhos, as tentativas de ser humano, que são destroçadas –como o mês de Abril- porque a tradição, tremenda, esmaga os homens.