Eva Illouz: “Por qué duele el amor”

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Eva Illouz: “Por qué duele el amor” Ed Katz. Buenos Aires.2012 363 pgs.

     Uma crítica literária chamou minha atenção sobre este livro. Depois, foi um artigo –parece-me recordar que sobre a educação dos garotos que se transformam em homens que ignoram o compromisso- onde também se falava desta obra. Comprei-a e aguardei o momento apropriado para lê-la. O momento chegou há três dias. Uma explicação sociológica sobre porque o amor –a falta do mesmo- dói. Após ler 40 páginas, não consegui encontrar a proposta da autora. Meia dúzia de frases soltas davam alguma pista: “analisar o que falha nas relações contemporâneas, delinear as causas institucionais do sofrimento amoroso, manejo dos sentimentos, as emoções que formam a história, etc. etc. Mas, o que estará querendo, perguntei-me? Ainda no capítulo introdutório tropecei com uma passagem que me deixou a pulga atrás da orelha: “meu objetivo é fazer com o amor o mesmo que Marx fez com a mercadoria: demostrar que são as relações sociais as que o produzem e configuram, num mercado onde os atores competem desigualmente, sendo que umas tem mais capacidade do que outras para definir em que termos serão amadas”. Não deu outra. A dialética do amor, na perspectiva da autora, é tão complicada que não consegui entender absolutamente nada. Até duvido que ela mesma entenda, porque o livro –que li em diagonal, várias vezes, pulando páginas- não é um livro, mas uma colcha de retalhos, um ajuntamento de péssimo gosto, e pior qualidade. Parece um desses TCC feito às presas, copiando e colando comentários da Wikipedia. Lá aparecem Jane Austen, Flaubert, Descartes, Warthon, Dostoievski, Kierkeergard, numa salada cósmica temperada com blogs e entrevistas de mulheres mal amadas, e de homens garanhões. Uma solene perda de tempo. Melhor seria investir o tempo em ler alguns dos clássicos citados, que devem ter se revolvido no túmulo. Por que dói o amor? A resposta não está neste livro. Empregue seus anseios de cultura em escutar o quarteto de Rigoletto, onde Gilda se mostra apaixonada pelo sedutor que parte para outra conquista; ou aprecie o diálogo de amor de Butterfly com Pinkerton, e aprenda como se pode enganar alguém cantando coisas maravilhosas. Ou, se gosta de algo mais escabroso, saboreie a lista de conquistas de D. Giovanni, cantadas por Leporello: “Madamina, Il catálogo e questo”. Certamente aproveitará mais para entender das dores do amor. Deste livro, o único que se salva é o título. Um belo golpe de marketing. Já se vê que os marqueteiros fazem milagres e, se não estamos atentos, nos roubam o tempo, e o decoro.

Leonard Sax: “Garotas no Limite”

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Leonard Sax: “Garotas no Limite”. (Girls on the edge). Basic Books. New York. 2011. 258 pgs.

     Cumpri uma pendência que deixei anotada no comentário que fiz, um ano atrás, do livro de Leonard Sax, Boys Adrift, sobre a formação dos meninos. Aproveitando uma viagem neste ano, comprei o terceiro livro do autor, agora sobre a educação das meninas. Fascinante, como os anteriores, e preocupante. O autor expõe com tremenda clareza o que, na sua opinião, são os fatores que ameaçam a correta formação das garotas nestes tempos que vivemos. Suas afirmações tem um duplo embasamento: a sua experiência clínica (20 anos atendendo adolescentes como médico) e a extensa bibliografia, amplamente detalhada no final da obra. Pode se concordar ou não com as suas teses, mas ninguém poderá dizer que a pesquisa carece de profundidade e de apoio científico. Em qualquer caso, é um material riquíssimo para reflexão dos pais, pois é para eles que Sax escreve: ser pai não é uma ciência, mas um arte que deve aprender-se a praticar. Nem sempre se oferecem soluções que resolvam os desafios atuais. Traz elementos que fazem pensar, e que sugerem soluções que cada um deverá costurar por sua conta.

     A grande empreitada –o núcleo do livro- é sobre como ajudar às meninas a construir sua identidade como mulheres. E para tamanha tarefa, Sax convoca no fórum de discussão pesquisas recentes (a maioria procedentes de USA), pensadores e educadores, e tempera o cenário com histórias de vida das suas próprias pacientes. Uma cita de Rilke abre o espetáculo: “Entra dentro de ti e descobre quão profundo é o lugar de onde floresce a tua vida”. A identidade é saber quem você é, e não a aparência que você tem. Identidade não tem a ver com o teu aspecto, com o dinheiro que teus pais têm, quantas músicas guardas no iPod, ou amigos se amontoam no teu Facebook. Identidade é conexão com você mesma.
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Nelson Rodrigues: “O Óbvio Ululante”

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Nelson Rodrigues: “O Óbvio Ululante”. Companhia das Letras. São Paulo. 1993. 300 pgs.

     Quem, como eu, inclui-se no grupo dos que se atrevem a escrever como amadores, fará bem se, com regularidade, frequenta aqueles que fizeram da escrita seu modus vivendi. É um aprendizado continuo: tornar claras nossas ideias, comunicar-nos, e entender o que nós mesmos pensamos. Ler e reler, como já adverte o autor que nos ocupa: “Por tudo que sei da vida, dos homens, deve-se ler pouco e reler muito. A arte da leitura é a da releitura. Há uns poucos livros totais, uns três ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia”.

     Nelson Rodrigues, um dos grandes do teatro brasileiro, oferece uma prosa leve, bem construída; um idioma vivo que guarda, ao mesmo tempo, o sabor de rua e uma rara distinção, quase aristocrática, de quem observa e disseca a alma humana, seus costumes, suas virtudes e misérias. Vê, compreende, sorri, e nos faz pensar. Passados mais de 50 anos, suas agudas observações permanecem atuais. Os temas hoje em pauta são outros –Nelson reflete sobre as passeatas, a esquerda festiva, o Vietnã, Sartre e outras personagens que estavam no candeeiro, – mas a condição humana é a mesma. Basta fazer um transporte de tonalidade, como dizem os músicos, e o novo registro nos brindará um curioso aproveitamento destas confissões.

     O Óbvio Ululante é um livro para ser degustado. Na verdade não é um livro, mas uma coletânea das confissões publicadas em O Globo, no ano de 1968. Por isso aproveita mais quando se lê com conta gotas, deixando pingar a cada dia uma ou duas crônicas, pois esse foi o propósito do autor. Até por que, logo no início, reconhece que se repete nos argumentos; algo que num livro formal seria bizarro, mas perfeitamente desculpável –até necessário- nas crónicas diárias, que recolhem o pulsar da sociedade. “A minha imaginação é rala e, repito, a minha imaginação é escassa. Mas sou profissional e tenho que subvencionar o leite do caçula e o sapato da mulher. E que faço? O meu processo é repetir. Arranquei de mim mesmo, a dura penas, uma meia dúzia de imagens. E um dia sim, outro não, repito a metáfora da antevéspera. A televisão vive das reprises dos seus filmes, eu vivo das reprises das minhas imagens”. Quando me deparei com esta afirmação lembrei do comentário de um amigo: na vida é preciso ter três ou quatro boas ideias, e repeti-las sempre, de modo diferente.
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Maria Winowska: “Maximiliano Kolbe”

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Maria Winowska: “Maximiliano Kolbe”. Edições Paulinas. São Paulo. 1983. 190 pgs

     Não quero deixar de registrar a rápida leitura deste livro, num bate e volta de avião, por conta de umas conferências. Mala de mão pronta, um par de noites fora de casa. Olhei para a prateleira da sala e o livro piscou para mim. É este mesmo, pensei. Estava cansado; tive de preparar 8 ou 9 apresentações no mesmo mês. Vamos dar uma olhada na vida de Maximiliano Kolbe. Além do mais tinha uma dívida: quando anos atrás estive na Catedral de Cracóvia vi um quadro dele….vestido de presidiário. A única vez que vi um santo representado em vestes tão peculiares, alias, a rigor: pijama listrado, como manda o figurino.

     Sabia que tinha morrido no campo de concentração ao oferecer-se em troca por um pai de família que estava escalado na lista dos que morreriam no bunker da fome. Mas o que descobri com a leitura do livro foi o complemento necessário, que já suspeitava: a decisão heroica de Maximiliano, não foi um espasmo de caridade improvisado. Vinha construindo essa atitude de longe, do começo da sua vida, quando lhe foi comunicado por uma visão celestial, que participaria de uma atividade evangelizadora enorme, e também do martírio.
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Hannah Arendt: O Compromisso de Pensar

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(Hannah Arendt). Direção: Margarethe von Trotta. Barbara Sukowa, Axel Milberg, Janet McTeer, Julia Jentsch, Ulrich Noethen,. Alemanha, Luxemburgo, França. 2012. 113 min.

     Todos os comentários que me chegaram deste filme eram unânimes: cinema de primeira categoria. Direção perfeita de Margarethe Von Trotta, interpretação magistral de Bárbara Sukowa. Magistral e realista: fumando o tempo todo, como a personagem que encarna, embora o filme não chegue a mostrar os charutos que Hanna fumava em público. Os intelectuais, os filósofos e o tabaco: alguém já escreveu sobre isso, eu não me detenho nessa particularidade, até porque estou em atraso com estas linhas. Explico.

     Deixei o filme em suspenso, e debrucei-me sobre um livro que repousava na minha prateleira. Quis lê-lo antes de assistir o filme, para ter uma ideia da vida e obra da pensadora alemã. Levou-me algumas semanas, mas valeu a pena.  É pouco provável que os leitores tenham a oportunidade de ler alguma das obras de Arendt antes de ver o filme. Mas seria muito útil que, ao menos, lessem o comentário que fiz a esse livro, antes de mergulhar na fita. Sem preocupação; não conto a trama do filme, até porque o aspecto em que se foca a produção é pontual: a cobertura jornalística que Hanna Arendt fez para o New Yorker do julgamento de Adolf Eichmann em Jerusalém.

     O filme serve a modo de aperitivo a vida da Hanna Arendt e do seu marido Heinrich Blucher, as reuniões na sua casa com a tribo de pensadores e artistas,  e até alguns flash back com Heidegger, o amante da juventude. Mas o prato forte é, sem dúvida, a vivência do julgamento do criminal nazista. Arendt foi a Jerusalém para cobrir o evento como jornalista –mais colunista do que repórter, diríamos hoje- mas o resultado foi uma verdadeira experiência filosófica, a contemplação de uma realidade que se lhe figurava com perfis diferentes aos que todos os outros conseguiam enxergar. Tudo culmina no discurso onde, diante uma plateia de universitários absolutamente seduzidos pela pensadora, dá razão da sua perspectiva, e dos seus escritos que cristalizaram na obra polêmica: “Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal”.
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Teresa Gutiérrez de Cabiedes: “El hechizo de la comprensión. Vida y obra de Hannah Arendt”

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Teresa Gutiérrez de Cabiedes: “El hechizo de la comprensión. Vida y obra de Hannah Arendt”. Encuentro. Madrid (2009). 454 págs.

     Quando tomei conhecimento de que sairia às telas um filme sobre Hannah Arendt, fui direto na minha biblioteca e resgatei este livro. Tinha-o comprado um par de anos atrás, mas repousava na estante à espera da ocasião propícia. Sabendo da polêmica vida e obra da escritora, prometi a mim mesmo não assistir o filme sem antes mergulhar na leitura deste livro. Foi um acerto.

     O livro é um ensaio primoroso onde a vida e a obra de Hannah Arendt se misturam. Quer dizer, a autora os combina de modo que os escritos explicam a vida da pensadora, e vice-versa. E parece que chega a mesclar-se ela própria, a autora do livro; opinião que pensei ser minha, mas comprovo que tem apoio no prólogo do Professor Llano –sempre claro e preciso- que sugere uma verdadeira simbiose entre Hannah e Teresa. Quer dizer, alguém que escreve sobre um tema –melhor, sobre uma pessoa!- com a que tem muita intimidade, profundo conhecimento.

     Hannah Arendt, uma pensadora que não gostava de ser chamada filósofa. Estudante de filosofia, amante do seu professor –Heidegger- , de quem se distancia porque “a exigência de absoluto de toda paixão, atrofia os órgãos preceptores da novidade”. Elabora sua tese doutoral acerca do conceito de amor em Santo Agostinho, sob a direção de Karl Jaspers. Judia que militou na imprensa pro semita colaborando com Kurt Blumenfeld; fugida da Alemanha nazista, e posteriormente emigrada para Estados Unidos onde viveu o resto da sua vida, já com o seu marido, também professor, Heinrich Blucher.
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José Luis Comellas: “Breve Historia del Mundo Contemporáneo”

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José Luis Comellas: “Breve Historia del Mundo Contemporáneo” Rialp. Madrid. 1998.380pgs

     Vez por outra, convém repassar a História, ao compasso destes pequenos manuais onde a opinião interpretativa do autor está presente. Não há como fazer uma crítica, nem mesmo um comentário, muito menos um resumo do livro. É preciso ler para refrescar as ideias, os conhecimentos, sedimentar a cultura que, no dizer popular, é o que sobra quando se esquece quase tudo o que se leu. Breves histórias, quase opúsculos, que alguns podem considerar superficiais. No ritmo de vida que levamos, é preciso a maior parte das vezes saber deixar de lado as tentativas hercúleas de estudar história a fundo, em livros que superem as mil páginas. Nessas obras enciclopédicas, é tanta a informação que as árvores não deixam visualizar o bosque. Por isso, olhadas rápidas às florestas históricas, ajudam a aquilatar o conhecimento sobre o curso da Humanidade.

     Não é, pois, improvável, que quando alguém pergunte o que ficou de um livro como este, a resposta seja: alguns detalhes, amenidades, curiosidades. Mas são miudezas que por estarem inseridas na História, funcionam com lembretes do quadro geral, nos ajudam a recuperar o sentido de expressões que, mesmo sendo de uso comum, desconhecíamos a sua origem.

     Valha um exemplo: A expressão América Latina –para denominar o que na verdade é Ibero-América (já que, fora Portugal e Espanha, os outros países latinos carecem de protagonismo nesse cenário)- foi um lobby de Napoleão III. Queria recuperar a dimensão imperial da França e no lobby –que deu certíssimo- a expressão dá espaço para todas as metrópoles latinas. Outro exemplo: O Eixo –para designar os países que enfrentaram os aliados II Guerra Mundial- é uma expressão de Mussolini: “O eixo de Europa passa por Roma e por Berlim”.

     Em tratando-se de uma visão rápida da Historia, as opiniões do autor, com suas peculiaridades, também estão presentes. Por exemplo: “Hitler entendeu que Marx era um judeu apátrida que por carecer de pais próprio propunha uma revolução supranacional. Daí arranca o ódio aos judeus, o antissemitismo de Hitler”. Algumas concisas, e cômicas: “A Primeira Grande Guerra se poderia dizer que aconteceu porque os Bósnios queriam ser Sérvios.” “Os felizes –ou loucos- anos 20, a grande depressão dos 30, o fortalecimento do egoísmo nacional, o surgimento dos nacionalismos messiânicos. Uma cascada de acontecimentos”. São interpretações da História: necessárias nos historiadores, e nos professores de História. Podemos estar de acordo com eles, ou não; mas a leitura destes breves manuais –quase ensaios em forma de livro- nos mantém em sintonia com a História, com a Humanidade, nos humaniza porque leva-nos a aprender com os acontecimentos.

Ismail Kadaré: “Abril Despedaçado”

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Ismail Kadaré: “Abril Despedaçado”. Companhia das Letras. São Paulo. 2001. 201 pgs.

     Imagino que a crítica deve ver algo em Ismail Kadaré que eu não consigo ver. Tentei uma vez, dei um tempo, tentei de novo. Esta é uma das suas obras mais conhecidas, talvez pelo filme que originou, produto nacional. Uma inspiração apenas, pois Walter Salles transporta para o sertão Brasileiro o que Kadaré situa, naturalmente, na Albânia, sua terra natal. Kadaré é sempre a Albânia que teve de abandonar. Nele pulsa ininterruptamente a força telúrica, os costumes incríveis que por lá se vivem. Desta vez, a vingança estabelecida, a revanche, a vendeta oficializada. Pesado, duro, onde o amor pugna por entrar e não consegue. O destino –como nas tragédias de Shakespeare- está à espreita. E a na luta por safar-se do destino afloram os sonhos, as tentativas de ser humano, que são destroçadas –como o mês de Abril- porque a tradição, tremenda, esmaga os homens.

A Arte Médica (I): a formação e as virtudes do médico

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A medicina é ciência e arte em harmonia proporcional. Ser médico é, antes de tudo, equilíbrio dessas componentes que são a razão da existência da medicina. Este equilíbrio não se dá espontaneamente, mas requer uma reflexão que é o objeto do presente artigo. O autor aborda a importância da formação científica e da competência técnica, especialmente relevante no período de graduação dos futuros médicos que deverão ser “bons médicos células-tronco”. A formação humanística e antropológica deve ser também incorporada o que implica dedicar tempo e reflexão nesse processo para adquirir uma visão personalizada da enfermidade, uma abordagem médica centrada no paciente. Uma ampla exposição sobre as virtudes requeridas no bom médico passa por aspectos como a cultura, a prudência e bom senso, a solidariedade, a dedicação e trabalho esforçado, um espírito aberto, saber hierarquizar e ter modéstia e humildade para combater a vaidade que sempre está à espreita. Algumas considerações éticas – na cobrança de honorários e no relacionamento com os colegas- encerram estas reflexões que convergem no desejo sincero de servir, característica primordial da missão do médico.

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Sergio Rubin & Francesca Ambrogetti: “O Papa Francisco- Conversas com Jorge Bergoglio”

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Sergio Rubin & Francesca Ambrogetti: “O Papa Francisco- Conversas com Jorge Bergoglio”. Ed Verus. Campinas. 2013. 200 pgs

     Este livro sai em edição renovada, estreando título, embora as conversas de ambos os jornalistas com o Cardeal Jorge Mario Bergoglio sejam anteriores à sua eleição como Papa, quando era Arcebispo de Buenos Aires e Cardeal Primaz da Argentina. No entanto, é um livro imprescindível para conhecer a personalidade de quem ocupa agora a Sede Romana. Sua história familiar, a descoberta da sua vocação, o seu pensamento, seus temas favoritos, apontam com acerto para o que será o foco principal do pontificado de Francisco.

     O livro compõe-se de duas partes claras: a primeira nos relata a trajetória vocacional e a atividade sacerdotal de Bergoglio, com as conclusões decorrentes –teologia prática, cristalização das vivências- da sua longa experiência pastoral. A segunda centra-se no pensamento do Cardeal Bergoglio acerca de questões que dizem respeito à Argentina, seu país natal e, naturalmente, sua primeira preocupação quando ocupava a sede cardinalícia em Buenos Aires.

     A família é o ponto de partida imprescindível destas memorias que compartilha com os jornalistas. A família paterna, Piemontesa, daqueles italianos que souberam deixar para trás a sua terra natal, e buscar o futuro. Dizem que por isso, Buenos Aires, que foi construída em grande parte por imigrantes, não olha para o Rio de la Plata, mas para a Pampa, que é o futuro. É a nostalgia, como explica o Cardeal. “Nostalgia, do grego nostos algo, é a ânsia por regressar ao lugar. Tem uma dimensão humana, como a de Ulisses que lhe marca o regresso para a sua pátria. Hoje perdemos a nostalgia como dimensão antropológica. Quando colocamos os anciãos nas casas de repouso, com algumas bolinhas de naftalina no bolso, de alguma maneira adoeceu a dimensão nostálgica, porque encontrar-se com os avôs, é assumir um encontro com o nosso passado”.

     O relato da sua vocação, também aparece com detalhe. Foi um “Dia do Estudante”, em que se dispunha a sair com os amigos, mas decidiu antes visitar a sua paróquia e vendo lá um sacerdote que lhe inspirou confiança resolveu confessar-se. Era já católico praticante, mas aquela confissão foi uma verdadeira primavera da fé. “Foi a surpresa, o estupor de um encontro; reparei que me estavam esperando. Isso é a experiência religiosa: o estupor de encontrar-se com alguém que te está esperando. Desse momento em diante, Deus é o que me ‘primerea’ (corteja, galanteia). Estamos buscando-o, mas ele te busca primeiro. Queremos encontra-lo, mas Ele nos encontra primeiro”.

     O seu pai aceitou a vocação logo de cara; mas a mãe incomodou-se inicialmente. “La vieja se enojó” –afirma Bergoglio, em expressão portenha, que lembra a letra de um tango. Era uma boa mãe italiana que educava os filhos na arte de escutar opera: “Escutávamos do seu lado, os sábados de tarde, as óperas que transmitiam na Rádio do Estado. Fazia-nos sentar à volta do aparelho e nos explicava de que tratava a ópera. Quando ia começar uma ária importante dizia-nos que escutássemos bem, que era uma canção linda. Estar com minha mãe, os três irmãos mais velhos, os sábados, gozando da arte era fantástico”.

     O trabalho, a dignidade humana, e o drama do desemprego são temas que surgem na conversa. “Os desempregados, são como gente que não se sente pessoa. Por mais ajuda que recebam da família e amigos, querem trabalhar, querem ganhar o pão. Em ultima instância, o trabalho unge de dignidade a pessoa. A dignidade não vem da formação familiar, nem da tradição nobre da família, nem mesmo da educação. A dignidade, como tal, vem do trabalho. Comemos o que ganhamos, mantemos nossa família com o que ganhamos. Não importa se é muito ou pouco. Podemos ter uma fortuna, mas se não trabalhamos, a dignidade se desmorona. É como o emigrante que chega sem nada e “faz a América”. Mas, cuidado, porque o filho ou o neto do emigrante pode começar a decadência se não está educado no trabalho. Os imigrantes não toleram os filhos ou netos vagabundos”.

     Um capítulo interessante e divertido é o que intitula: “Quando brincava de ser Tarzan”, onde descreve o lado prático da fé, da esperança, do abandono nas mãos de Deus. Aprender a confiar em Deus mais do que nas nossas capacidades. Uma lembrança serve de pista de decolagem para estas importantes reflexões que conduzem à humildade. Na época era Bispo auxiliar de Buenos Aires e, após acabar o expediente no seu escritório, passou um momento para rezar na igreja, antes de dirigir-se a tomar um trem, pois lhe esperavam para pregar um retiro. Naquele momento, se lhe aproximou um rapaz pedindo para confessar. Bergoglio estava com pressa, pediu ao rapaz que esperasse um pouco, que logo viria outro sacerdote… Mas quando começou a afastar-se teve vergonha, regressou e confessou o rapaz. Saiu atrasado, pensando que tinha perdido o trem. Porém, em chegando à estação, soube que o trem também estava atrasado e pôde pegá-lo. Foi um recado de Deus. “Tinha um espírito de suficiência tremendo. De algum modo pensava: olha só quanta coisa sou capaz de fazer. Era soberba, e não reparava.” A este propósito utiliza a expressão “transitar na paciência”: “É um tema no qual reparei faz anos lendo um livro de um autor italiano com um título muito sugestivo- Teologia do fracasso. É no limite onde se curte a paciência. Às vezes, a vida nos leva não a fazer, mas a padecer, suportando as limitações próprias e alheias. Transitar na paciência é saber que o tempo os amadurece, é deixar que nossa vida se molde pelo tempo que temos de viver”.

     As perguntas sobre a ética obtêm respostas diretas, contundentes. “Tenho pânico aos intelectuais sem talento, e aos estudiosos da ética que não tem bondade. A ética é uma floração da bondade humana. Está enraizada na capacidade de ser bom que a pessoa e a sociedade têm. Faltando isso, o que temos é uma falsa ética, uma ética aparente, na verdade, a hipocrisia da uma vida dupla. A pessoa que se fantasia de ética, no fundo não tem bondade”.

     A História recente da Argentina –com ditaduras e revanchismos- oferece a oportunidade de falar do perdão. Uma proposta inovadora que consiste em mudar os demais na base de perdoar; afogá-los em bondade, que é caminho para sarar o coração dos outros e o próprio. “Há uma frase na bíblia que recomenda dar de comer e de beber ao inimigo, porque isso amontoará um braseiro sobre a sua cabeça. Isso nunca me convenceu. Até que recentemente saiu uma tradução muito boa que ao invés do braseiro fala ‘deste modo, sua cara arderá de vergonha’. Isto indica a estratégia: chegar a uma atitude tão humana, que nos honra, que é a de ter vergonha de algo mau que fizemos. Quem não tem vergonha perdeu o último limite que pode contê-lo na sua vida desregrada: é um sem vergonha”.

     Naturalmente, o tema da pátria –de carregar a pátria, fazer a nossa parte- está também presente nas páginas finais do livro. “Gosto de falar da pátria, não do país, nem da nação. O país é um fato geográfico; a nação um assunto legal, constitucional. Mas a pátria é o que outorga a identidade. Uma pessoa que ama o lugar onde vive não é um “paisista” nem um “nacionalista”, mas é um patriota. Pátria vem de pai, porque é a que recebe a herança dos pais, dos ancestrais, e tem de ser levada adiante”.

     Em resumo: uma coletânea de pensamentos do Cardeal Jorge Mário Bergoglio, hoje Papa Francisco, que certamente terão seu desdobramento –sempre muito prático, como ele gosta- no governo da Igreja Católica nesses tempos que vivemos.