David Allen: “A arte de fazer acontecer” (Getting things done). Elsevier. São Paulo. 2005 200pgs.

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Poderia ser um livro de auto-ajuda e talvez seja mesmo. Um livro para fazer melhor as coisas que todos temos de fazer diariamente. Os conselhos não são novos nem brilhantes, mas nem por isso deixam de ter importância; especialmente porque mesmo sendo conhecidos, são poucos os que, no frigir dos ovos, os colocam em prática. O autor recomenda que sendo muitas e de caráter muito diverso as pendências de cada um, as tiremos da mente –da memória RAM- e as armazenemos em compartimentos adequados para consultar quando for necessário. Criar, pois, caixas de entrada que, periodicamente serão esvaziadas no processo que catalogará as pendências nas prateleiras correspondentes: fazer agora, estudar depois, algum dia talvez, para quando tiver tempo. Esvaziar a mente para dedicar-se ao que, neste momento presente, estamos fazendo: um belo conselho, de lógica esmagadora.  “Na minha experiência –diz o autor- tudo o que é mantido na memória RAM psíquica vai demandar menos ou mais atenção da que lhe é devida, nunca a atenção exata: essa somente pode se atingir tirando as coisas da memória RAM e colocando-as no lugar que lhes corresponde(…) Nesse momento passaremos a refletir sobre as coisas ao invés de apenas lembrar que elas existem”.

    A falta de tempo não é, como muitos pensam, o verdadeiro problema. O problema é mesmo a falta de definição de um projeto que, por ser pouco claro, não resulta fácil estabelecer quais os passos a seguir para implementá-lo. Daí que uma das perguntas importantes que o autor recomenda é: “Muito bem, e agora: qual é a próxima ação a fazer? Essa pergunta centra o foco de modo surpreendente.

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“O Tempo entre Costuras”María Dueñas

Pablo González BlascoLivros Leave a Comment

“O Tempo entre Costuras”María Dueñas Ed. Planeta. Madrid. 2009. 640 págs.

Disfrutei enormemente lendo o romance de María Dueñas, naturalmente o original em espanhol, porque embora a tradução me consta ser boa, o sabor de frases que evocam a minha infância, quase os cheiros e perfumes daquela época são de todo ponto intraduzíveis.

São 600 páginas de leitura dinâmica, não tive como parar. Essa é a única dificuldade do livro, dosar a leitura, porque no embalo a coisa caminha sozinha. Um fenômeno narrativo que mistura aventuras, suspense, história e saborosos diálogos em boca de personagens magnificamente conseguidos. Isso resume tudo, e assim me recomendaram: mergulha no livro, nem te atreva a ler as orelhas da capa, que perderá impacto. Assim o fiz, e mesmo sem contar nada -nem mesmo as orelhas do livro- não resisto a contar outras coisas. Não do livro, mas de mim mesmo; ou melhor, da interação que tive com o romance nestes dias inesquecíveis de leitura. Do meu diálogo pessoal com ele.

Desde criança sempre me chamou a atenção escutar nas zarzuelas -essa versão tão espanhola de opereta- as canções, que falam de costureiras. Bailes nas quermesses, cheios de personagens únicos -o emproado sujeito conquistador de Madrid, matronas com um poder de fogo tremendo, cavalheiros ao velho estilo…e costureiras. Chamava-me a atenção porque nunca pensei que se poderia fazer tanta poesia com uma costureira, como se fosse uma classe aparte que merecesse ser citada. Embora -tudo deve ser confessado- a única costureira que conheci na infância era uma vizinha, muito amiga da minha mãe. Uma moça alta, de bom parecer, com muita classe, que costurava para as senhoras do bairro e, certamente para muitas outas. Pili (diminutivo carinhoso de Pilar) a chamávamos: Pili, a costureira.

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Os Abraços partidos de Almodóvar: A deformada imagem de uma triste realidade.

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   O melhor do último filme de Almodóvar é o título. Abraços partidos. No título original em espanhol os abraços não se partem: quebram-se, que é muito mais forte. São abraços rotos. O título é preciso, funciona como um prelúdio de tudo o que vem depois, como acontece com freqüência na ópera. Na abertura se esboçam os temas principais, compassos das árias e duetos que se sucederão, ou o leitmotiv que preside a composição e atrai como um imã os destinos dos figurantes. O fantástico prelúdio de La Traviata, por exemplo, converge para o grito desesperado de Violeta – Ama-me Alfredo!-, porque essa dama das camélias busca um amor que a sustente, já cansada de cair dos abraços, sempre partidos, de um e de outro.

   O título é uma ouverture que me fez pensar. Muito; tanto que decidi escrever estas linhas fruto da minha reflexão. Logo eu, que nunca coincidi com Almodóvar em quase nada, a não ser no gosto pelo cinema. Porque Almodóvar sabe fazer cinema, isso é inegável. Mas suas personagens se regem por um estilo tão bizarro que nunca consegui me identificar com elas. Digamos que me repeliam, mesmo antes de atingir o miolo da mensagem. A extravagância embaçava as idéias e os recados de modo a torná-los indigestos. Sem tirar nenhum mérito à estética –Almodóvar prima por ela- mas a estética é compatível com o mau gosto.

   Corria na Espanha uma história maldosa –provavelmente é uma lenda- sobre a mãe do Almodóvar. Parece que a boa senhora teria dito ao Pedro em certa ocasião: “Meu filho, com os filmes que você faz não consigo nem conversar com as vizinhas”. Lenda ou não, o assunto tem peso, porque na Espanha dessa época, o bom senso e os costumes passavam, impreterivelmente, pelo julgamento inapelável das comadres da vizinhança.

   Nos filmes de Almodóvar não havia ninguém normal. E dentro dessa anormalidade corporativa, o roteiro se desenvolve com uma lógica que é normal… para pessoas anormais. Algo similar ao que acontecia ao seu patrício de La Mancha, o fidalgo D. Quixote, embebido na paranóia. Tudo é lógico e correto salvo o referencial. Uma lógica interina –nos filmes de Almodóvar e nas andanças de D. Quixote- fechada sobre ela mesma, numa quimera bizarra. E os filmes onde ninguém é normal confesso que dificilmente me tocam. Nem me provocam nenhuma reflexão nem me sinto impelido a escrever.

   Houve uma evolução, pelo menos assim o entendo eu. Em Almodóvar, talvez em mim; o fato é que estou dando volta a estas idéias desde que vi o título, depois assisti filme e vi desfilar os créditos finais misturados com fotografias rotas, que se juntam a modo de quebra-cabeças, igual que eu faço agora tentando achar o fio condutor destas ponderações.

   Os últimos filmes de Almodóvar me surpreenderam com tentativas de normalidade. Comecei a discorrer. Fale com ela, Volver, me instigaram positivamente. A lógica bizarra deixava aparecer momentos de normalidade. Senti ser espicaçado por personagens mais próximos da realidade. Agora, com Abraços Partidos, a realidade assume o protagonismo. As personagens são normais, e o que se torna anormal é a situação delas. São pessoas normais vivendo na anormalidade, com tremenda naturalidade. Ai é que mora o perigo, e o motivo destas cogitações que foram se alinhavando conforme assistia o filme, quando o prelúdio do título desabrochava.

   Os temas recorrentes no cinema de Almodóvar – a ausência do pai e a mãe solitária, as tramóias de infidelidades com variedade de amantes, as obsessões e torpezas- continuam presentes. Mas ao invés de estarem inseridos num mundo quimérico de criaturas bizarras, são o quotidiano de seres muito próximos a nós, valha dizer, normais, comuns. E tudo com extrema naturalidade, onde o chocante dá lugar ao cômico que, na verdade, oculta o patético de pessoas que sofrem. Ninguém se salva; ninguém vive uma situação normal, todos estão destroçados, e parece que esse é o mundo que nos rodeia. O nosso mundo, onde vivemos rindo – por não chorar-, já que todos riem, e parece que a vida é assim mesmo. Paciência!

   Ocorreu-me pensar que com estas novas coordenadas, a mãe do Almodóvar não teria nenhum problema em falar com as vizinhas, porque a vizinha deve ter um filho, ou um irmão, ou uma neta em situação tão triste como as personagens do filme. Ou, quem sabe, a própria vizinha se encontra em semelhante circunstância. Fazer o que? Hoje é assim mesmo, não? Talvez não; paremos para pensar. Pensemos nos abraços e nos encontros, seu preâmbulo necessário.

   Quando nos deparamos com alguém que nos ataca, por exemplo, com um punhal sabemos o que podemos esperar desse encontro. Fugimos dele, o evitamos, tentamos dar o troco por adiantado. É um instinto de preservação. As armas são de espécie variada: metálicas e morais, já sabemos disso. Até aqui o consenso é universal: nada a esperar, a não ser fugir em tempo.

   Depois há outro tipo de encontro, não ameaçador, mas cujos resultados são também previsíveis: o fastio, a solidão quando o produto se esgota, quem sabe o vício aditivo. Um universo de ampla diversidade que vai do comércio sexual até os estímulos químicos variados, passando pelas variações de lances ao modo de Don Juan. No fundo, ninguém espera crescimento nenhum desses encontros; e se o interessado se encontra embotado para descobrir que o valor agregado de semelhantes peripécias é nulo, a maioria dos mortais concorda ser um erro tal investimento. O problema real são os abraços… partidos.

   O que buscamos no abraço? Aconchego, compreensão, conforto. Vamos desarmados, nos confiamos em quem nos quer, buscamos sustento. Não é o amasso libidinoso nem o calor sensual o que nos atira nos braços do interlocutor. É uma simbiose única de pedido de ajuda e demonstração de carinho sincero. E ai, no meio dessa festa, o abraço se quebra, caímos, nos machucamos e não sabemos se o que dói mais é o golpe ou a decepção. Fomos enganados? Houve má fé? Provavelmente não; de nenhum dos dois lados se tramou uma fraude consciente. O que falta é fortaleza para sustentar o compromisso, para segurar o outro em abraço protetor. As carências de afeto nos empurram para os primeiros braços que acenam. São talvez braços sinceros, mas raquíticos e consumidos também pelas próprias carências, pelas fraquezas de caráter, que é o verdadeiro núcleo do problema. Somar fraquezas e carências não gera fortaleza nem músculo afetivo. Os abraçados contemplam, com pavor, como o abraço se desintegra porque, mesmo havendo boa vontade, falta a verdadeira nutrição do amor.

   Deveríamos aprender das experiências, mas o homem é um ser que esquece; e tropeça muitas vezes na mesma pedra. O processo continua. Mal se recompõe do golpe, parte para outra, enxerga a possibilidade de um novo abraço, lembra como um pesadelo do último incidente e pensa: “agora vai ser diferente, agora já sou gato escaldado”. Mas não o é, lança-se com fruição ao abraço, e sobrevém a nova calamidade: o colo protetor se esfarela novamente, restando os cacos machucados que Almodóvar nos desenha com perfeição.

   A questão é de simples enunciado, embora seja de árdua execução. A boa vontade e as toneladas de carência que arrastamos não são suficientes para configurar braços fortes que nos sustentem e que sejam capazes, por sua vez, de amparar os outros, fazendo da nossa vida um serviço real. A solidez afetiva, o amor que no dizer bíblico “é forte como a morte”, somente se consegue com treino diário, com os halteres que implicam num exercício quotidiano de doação e de construção própria. Quando se vive mergulhado no egoísmo e todo o universo que somos capazes de contemplar se esgota no próprio umbigo, o músculo afetivo se atrofia, é incapaz de fornecer amor sustentável. Vive-se numa atmosfera de sentimentalismo adocicado, pratica-se alguma filantropia de ocasião –pouco mais do que dar esmola em farol- mas no frigir dos ovos, esses braços são quebradiços, e os desejados abraços não passam de papel molhado.

   Já dizia Zeffirelli, outro esteta do Cinema, que o amor se estraga por descuidar os detalhes: minúsculas bobagens, mal entendidos diminutos, preguiças microscópicas que não se teve o valor de desmascarar. Como um câncer que não se descobriu em tempo de salvar a saúde. Como a ginástica do carinho esforçado que se despreza no dia a dia, que renderia músculos vigorosos capazes de abraços sustentáveis. Descuidar os detalhes é a traça que consome a força interior, o caminho definitivo para o raquitismo da alma. Processo silencioso, latente, que mostra a explosão da sua fragilidade quando pretende abraçar a alguém e o deixa cair, uma vez e outra. Um desastre.

   Almodóvar nos brinda com uma vigorosa direção de atores, feitos à sua imagem e semelhança – são atores que levam sua marca-; uma mise-en-scène envolvente, com suas tomadas, fotografia, montagem e trilha sonora. Um cinema de primeira, que se impõe. E, dentro dele, como um espelho do nosso mundo onde a técnica impecável oculta tanto dissabores, pessoas normais, vivendo na anormalidade; tristes, fracos, com a vida destroçada de tanto derrubar-se de abraços anêmicos. Mas –vai aqui minha frontal discordância- o mundo não é isso. Tem mais, muito mais, meu caro Almodóvar.

   Existe sim senhor, o amor esforçado. Existem pessoas normais que fazem questão de viver na normalidade, mesmo que no mundo haja quem mal viva de tanto golpe de abraço roto, apanhando que nem mulher de malandro e nem saiba como lhe chegam os coices.  Existem muitos que sabem viver com alegria e tornam compatível o sacrifício e a generosidade – a ginástica afetiva!- com desfrutar da vida. O filme é uma imagem deformada de uma triste realidade. Da realidade que Almodóvar contempla e nos quer fazer acreditar que é a única. De jeito nenhum!

   Por isso eu fico com o melhor do filme, que é o título. E com ele uma esperança: a de que este diretor, patrício de D. Quixote, se aventure a descobrir o outro lado da realidade, a Dulcinea que se esconde tímida, por trás da moça de aldeia, de vida fácil. Daí sim, com o seu cinema de categoria, nos ajudará a fazer um mundo melhor, a mostrar uma luz de esperança onde encontremos o abraço perfeito que conforta e nos anima a ser melhores. E então, se me é dada essa oportunidade, eu mesmo irei conversar com a mãe do Pedro sobre os filmes que ele faz e celebraremos juntos haver sabido esperar a plenitude de um homem que ama o cinema e nos ensina a amá-lo sem medo

Kazuo Ishiguro. “Não me abandone jamais” Companhia das Letras. São Paulo (2005). 343pgs.

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3180106Romance peculiar, com um suspense “incômodo” que apenas se esclarece no final do livro. As pessoas funcionam corretamente, mas são como de plástico, sem história de vida, sem raízes, sem família. Algo não se entende. E chega mesmo a incomodar as passagens onde se mostra que funcionam sem nenhuma categoria moral, apenas com uma correção formal muito questionável. No fim, tudo isto vem à luz, mas já é tarde. O impacto é forte, mas é uma pena que tenha se deixado para o final o grande questionamento: o que fazemos com toda essa técnica que nos embriaga? Por outro lado, se isto fosse mostrado desde o começo, perderia força e suspense.

John Twelve Hawks. “O Peregrino” 496 pgs. Rocco. Rio de Janeiro, 2005.

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8532519806Romance de ficção. Uma mitologia que descreve a Imensa Máquina controladora dos homens, os Peregrinos, seres que não estão sob o controle da máquina, e os Arlequins, cuja missão na vida é proteger os Peregrinos. Um romance mistura de capa e espada e Star Wars empolgante e que prende a atenção. Curiosamente, ninguém sabe quem é o autor, se o nome é verdadeiro ou pseudônimo, e mesmo o editor dele teve contato apenas por telefone via satélite. Vive como um dos peregrinos do seu livro.

José Antonio Millan: “Perdón Imposible” RBA Barcelona. 2005. 173 pgs.

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perdonbolsiUm livro divertido e dinâmico, que pretende ser um guia para uma pontuação mais rica e consciente. A obra não é um compêndio de regras, frias, desencarnadas. São reflexões, ilustradas com exemplos, que motivam o leitor para que se adentre na aventura de melhor pontuar. Afinal, não pontuamos –diz o autor- para dar gosto aos especialistas, mas para melhor comunicar-nos com os nossos semelhantes. Pontuar bem é uma necessidade, não um luxo; exige, de algum modo, colocar-se no lugar do leitor –de quem deverá ler o que nós escrevemos- para ver como se entende o que escrevemos; se estamos, ou não, fazendo-nos claros no modo de nos exprimir.  Mesmo escrito em espanhol, o livro será de utilidade para quem escreve português, porque as reflexões servem para qualquer idioma; afinal, o que o livro pretende é a que a expressão escrita se adéqüe ao que o escritor pensa e, de fato, quer exprimir. Um comentário colateral que se impõe –vem á mente enquanto lemos o livro- é que os déficits de conteúdo que encontramos no meio universitário de hoje são fruto da pouca leitura. Há muita comunicação presidindo um mínimo conteúdo. E o pouco conteúdo que se tem não se sabe exprimir com clareza. É preciso ler mais, para escrever melhor. Quem sabe carecemos de trocar algumas horas de navegação virtual por leitura e ensaios de escritura. O resultado, sem dúvida, compensará, pois a comunicação será mais eficaz.

Alejandro Llano: “Cultura y pasión”. Eunsa, Astrolabio. Pamplona. 2007

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843132435X+Coleção de ensaios deliciosos sobre temas atuais delineados com instigante perspectiva filosófica. Aborda-se o que seja a cultura, o tema da globalização, a sociedade da informação versus a sociedade do conhecimento, a técnica da informação versus a educação fecunda. O papel da universidade nos dias de hoje, a necessidade de fomentar as humanidades como foco do verdadeiro saber, o urgente que nos impede ocupar-nos do que é realmente importante, e o papel social da empresa que consiste em cuidar das pessoas, em promover a iniciativa, para ser de fato inovadora. Um livro necessário, para ler em pequenas doses, meditando os aprendizados de cada capítulo. Anotamos a seguir, alguns exemplos que, certamente, provocarão o leitor:

O que é cultura, pergunta-se o autor. Algo que tem a ver com a espessura do homem, com sua densidade. Não é ornato, enfeite, como aqueles que dizem ter a cabeça “muito bem mobiliada”, de modo que são como trastes que acabam ocupando espaço inútil. Citando Ortega, comenta: “a vida é um caos, uma selva, uma confusão. O homem perde-se nela, Mas sua mente reage perante a sensação de naufrágio, e trabalha por encontrar na selva caminhos: idéias claras e firmes sobre o universo, convicções positivas sobre o que são as coisas e o mundo. O conjunto, o sistema dessas coisas é a cultura. O que nos salva do naufrágio vital”.

Citando Pascal: “todos os conflitos provem de que o homem não saber permanecer tranqüilo no seu aposento”, lendo, dedicando-se ao conhecimento. Este tema, o da sociedade da informação versus sociedade do saber é amplamente abordado em outro capítulo. A informação é externa, tecnicamente articulada, encontra-se à nossa disposição. O conhecimento é uma atividade vital, um crescimento interno, um enriquecimento. A informação somente tem valor para quem sabe o que deve fazer com ela, como utilizá-la. O conhecimento é um fim em si mesmo. Não é “útil”, mas confere a sabedoria para bem utilizar a informação. São duas dimensões não opostas, mas sim atitudes antropológicas diferentes e complementares. E para tudo isso é necessário a filosofia, “que não semeia nem recolhe, apenas remexe a terra” (Kolakowski). (penso eu que a reflexão é um modo de remexer a terra também..)

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Helga Schneider: “Deixa-me ir, mãe”. Berlendis Editores. São Paulo, 2001. 135 pgs.

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173194São 135 páginas que narram o encontro da filha, hoje sexagenária, com uma mãe de 90, que abandonou ela, o irmão de ano e meio, e o marido, para cumprir sua missão e dever sendo guardiã das SS nos campos de extermínio. Um escrito real e psicológico, onde se mistura a falta de amor para uma mãe que nunca o foi, a repulsa, o sentimento de perdão, a obcecação de quem foi cortado por padrões de uma ideologia irracional. Momentos atuais –do encontro de um só dia, após 54 anos- com lembranças do passado e conhecimento das barbaridades provocadas pelos nazistas. Possui grande força narrativa quando se leva em consideração o contexto real: um diálogo, tremendo, de uma filha com a mãe a quem não vê há meio século.

Etty Hillesum. “Una vida conmocionada” – Record, 1981, 260 pgs.

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A Tertúlia Literária mensal, brinda-me a oportunidade de voltar sobre um livro especial, que me impactou no seu dia. Trata-se do Diário de Etty Hillesum, uma intelectual judia holandesa, no período de 1941-1943. A autora acabou sendo deportada para os campos de concentração onde morreu.

O diário é uma avalanche de sentimentos, percepções, sonhos, desejos, procura sincera de Deus, misturada com uma vida nem sempre exemplar. Chama a atenção este estilo místico-humano, certamente sincero, de alguém que não tinha uma religiosidade explícita, que se envolvia com amantes, mas que parecia buscar com paixão um sentido para a sua vida. “A finalidade da meditação deve ser converter-se por dentro numa grande planície, sem matos que impeçam a visão. Tudo isso para que cresça algo de Deus dentro de nós mesmos”.

Uma vida que considera sempre maravilhosa, e na qual entende ser sua função a de servir e doar-se aos outros, e que não tem o direito de escapar daquilo que o seu povo sofreu. “Não se pode dominar tudo com o cérebro, também é preciso deixar fluir um pouco a fonte dos sentimentos e da intuição. O conhecimento é poder, eu sei. Talvez por isso ambicione sabedoria, por esse desejo de me impor. Não o sei ao certo. Senhor, dá-me antes sabedoria do que conhecimento; aquele conhecimento que leva a sabedoria e que faz com que pessoas como eu sejamos felizes”.

Vale lembrar que é uma judia quem escreve, e que entreve qual será o seu fim. Mesmo assim não culpa o sistema, nem a vida, nem mesmo a crueldade dos outros. Somo cada um de nós os que temos de encontrar o modo de fazer o mundo melhor, transformando-nos nós mesmos: “Não vejo outra solução a não ser adentrar-se em nós mesmos e exterminar toda esta corrupção. Não creio que possamos melhorar em algo o mundo exterior, enquanto não melhoremos primeiro nosso interior. Esta me parece a grande lição desta guerra. Que tenhamos aprendido a buscar o mal dentro de nós, e não em nenhuma outra parte (…). Não sinto saudades; estou em casa. Isso o aprendi naqueles dias. Estamos em casa. Sob o céu estamos em casa. Estamos em casa em cada lugar do mundo, sempre que nos levemos a nós mesmos por inteiro”

Reflexão interior, busca de aprimoramento, ao invés de queixar-se e espalhar as reclamações aos quatro ventos. Essa foi uma das grandes conclusões do nosso debate filosófico, na tertúlia literária. A segunda conclusão, segue-se como facilitadora da primeira: para refletir, além de calar e cultivar o silêncio, é preciso escrever. “Não sou capaz de superar isto sozinha? Todo o mundo tem de saber o que acontece, é certo; mas também é preciso tratar bem aos outros e não os carregar constantemente com coisas que podem se suportar perfeitamente na solidão. Faz alguns dias pensei: o pior para mim será quando me tirem o papel e o lápis e não possa conseguir nem um pouco de clareza, que é para mim o mais importante”. Daí arranca a necessidade vital de escrever um diário: refletir, entender e entender-se a uno mesmo. Escrever, vencendo a preguiça, ao invés de quere contar sensações o tempo todo, que acabam onerando os outros, e nada resolvem. Como alguém comentou: São precisos mais diários e menos post no facebook, que dispensam de qualquer reflexão, pelo fato de tornarem-se públicos. Nada fica, é como água sobre as pedras.

E quando se reflete e se agradece a vida, mesmo repleta de contrariedades e durezas, é possível atuar como ponte e união com os outros homens. “Os caminhos reais de união, de pessoa a pessoa, existem neste mundo brutalmente desordenado, só interiormente. Exteriormente estamos fragmentados e os caminhos que vão de um ao outro estão sepultados sob os escombros, o que torna difícil encontrá-lo. Somente no interior é possível um contato ininterrupto e uma convivência conjunta”.

Uma união e compreensão que reclama a presença de Deus, como fonte de amor. “O único gesto decente que nos resta hoje em dia: ajoelhar-nos diante de Deus”. É por tanto natural a referência a Santo Agostinho, aquele campeão do amor, o temperamento mais erótico que já existiu no dizer de Ortega, que afirmava amor meus et pondus meus, meu amor é o meu peso, a minha medida, o norte que me guia. “Vou ler de novo Santo Agostinho. É tão severo e fervoroso. Tão apaixonado e cheio de entrega nas suas cartas de amor a Deus. Na realidade estas são as únicas cartas de amor que a gente deveria escrever: cartas de amor a Deus. Seria soberba demais afirmar que tenho amor demais dentro de mim como para dá-lo apenas a uma pessoa”

Há certas semelhanças com o estilo de Edith Stein, embora Hillesum explore mais o psicologismo do que a filosofia ou a teologia. Um livro que pode ser útil para entender as profundidades que alberga o ser humano, e as tremendas capacidades de melhora e de conversão que nele se encerram. Tudo isso, visto e escrito de um modo tremendamente feminino.

Dawn Eden: “The thrill of the Chaste. Finding Fulfillment while keeping your clothes on. Ed. Thomas Nelson. 224 pgs.

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cover_shadowO testemunho de uma conversa. Conversa, em amplo espectro, e por isso um livro diferente e sugestivo. A autora é uma jornalista, judia, conversa ao cristianismo (não sabemos se é católica ou não, mas provavelmente é evangélica). Sua grande conversão, tema deste livro, é a descoberta da castidade como uma vocação. Embora a autora apóie seu raciocínio na vivência real e coerente da sua nova fé –citando com freqüência passagens da Sagrada Escritura, principalmente do NT- os argumentos que utiliza para defender a castidade são de uma lógica natural, aplicável a qualquer pessoa, independente de credo ou religião. Um livro escrito para mulheres, onde fica claro que a liberação sexual – a facilidade em oferecer-se como objeto sexual- é no fundo medo de não encontrar um companheiro para a vida, medo também de comprometer-se. Tem passagens interessantes não desprovidas de humor: “se você tem que perguntar a alguém se amanhã ainda vai te amar, é porque não estás segura de que te ama hoje à noite”.  Uma coisa –diz ela- é ser solteira (single) e outra muito diferente ser singular (sugestivo jogo de palavras). Queremos alguém que nos ame, que seja como “Deus com pele de homem”. Aborda também as diferenças clássicas da alma feminina e a masculina, e anota como se comportam diante do fenômeno amoroso de modos diferentes. A autora conhece e cita Chesterton, e nota-se que admira o humor do escritor inglês, e tenta imitá-lo. Por isso o inglês dela nem sempre é acessível, visto que escreve em estilo coloquial, jornalístico, próprio de quem elabora artigos de divulgação.  Fala, sem nenhum constrangimento, do seu passado repleto de sexo fácil e esporádico, e arranca dos próprios exemplos para mostrar como a castidade é um valor que enaltece a mulher. Por isso, o livro tem credibilidade e embora abuse às vezes dos argumentos bíblicos, dá o recado para as mulheres. Assim, um livro útil para quem está envolvido na formação das adolescentes e jovens mulheres, que brinda argumentos interessantes para viver na castidade. Não são argumentos novos; a novidade está no modo como a autora os coloca e, sem dúvida, na força que adquirem por ser quem escreve alguém experimentado nestas aventuras.