O HOMEM SEM FACE

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(Man without a face) Diretor : Mel Gibson. Mel Gibson, Margareth Whitton, Geoffrey Lewis. USA 1993. 116 min

Mel Gibson debuta na direção sem retirar-se do palco. Ator e diretor, experiência sempre tentadora para quem vai se firmando como um expoente de valor no mundo cinematográfico. Experiência que, não poucas vezes, arrasta o interessado por caminhos de vaidade, fazendo-o sucumbir ao convite fácil para se autopromover. Mas Gibson estreia sem vedetismo, num filme que tem fundo, densidade de valores. Estreia também nos bastidores, como o homem sem face da trama: uma acertada escolha para mostrar pulso na direção, abrindo mão de encher a cena com gestos e atitudes, pela própria limitação que a personagem, deformada, lhe impõe.

            Esta abertura é um bom recado para o nosso mundo, que mendiga afagos e confetes, que inaugura monumentos antes de acabá-los, em verdadeira fruição pela placa comemorativa, por amealhar títulos e condecorações. Cacarejar antes de botar o ovo, muito barulho e pouca eficiência, são elementos com os quais, infelizmente, convivemos pacificamente. E isto porque a vaidade é queda fácil para todos, desculpa confortável que abona nossas deficiências no relógio de ponto dos ajustes sociais. Um exemplo claro daquela “segreda maçonaria das paixões” de que falava Balzac. Não me cobre que eu também não cobrarei nada….Vamos deixar assim, num fazendo de conta, para não incomodar ninguém….E por aí afora.

            Justin Mc Leod, a misteriosa personagem de Mel Gibson, é um homem deformado, professor por vocação, a quem se lhe proibiu lecionar. Do outro lado, o jovem Chuck, adolescente, carente de afeto numa família desfeita e recauchutada no mercado dos usados: padrastos sucessivos, meias irmãs e uma mãe egoísta e despreparada. Os enjeitados pela vida aproximam-se, inicialmente por conta da curiosidade da criança, para seguir em amizade verdadeira. Compreensão, carinho, exigência sem melindres -que é também carinho- estabelecerão a base de uma educação proveitosa, do verdadeiro aprendizado.

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LANCES INOCENTES- EM BUSCA DE BOBBY FISCHER

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(Innocent moves – Searching for Bobby Fischer). Diretor: Steven Zaillian. Max Pomerance, Joe Mantegna, Ben Kingsley. USA 1993. 110 min.

A vida é uma sequência de eventos maravilhosos, autêntica aventura, e não apenas sucessão de coincidências. Embora não passe disso para quem carece, no seu íntimo, do líquido revelador que decodifica os acontecimentos, extraindo dos negativos a beleza das imagens e a lógica que as une. Sucede como com as enzimas digestivas, e valha o prosaico do exemplo. De nada adianta ingerir aquela substância se não se possuem as enzimas que permitem absorvê-la. À sensação de plenitude, enchimento físico segue-se o desconforto que precede o esvaziamento violento e incômodo dos alimentos ingeridos.

Assim passam muitos pela vida, sem nada aproveitar, sem nutrir-se das riquezas que as vivências trazem consigo, por serem incapazes de digeri-las. E assim passam muitos filmes, saturados de nutrientes, de valores, pela existência dos espectadores: entram pelos olhos, preenchem o tempo, e vão-se embora sem tocar o coração e a alma, deixando apenas uma camada epidérmica de tênue sensibilidade, fruto da visão superficial que se tem da própria vida. Quando muito, um par de lágrimas que secam com o primeiro vento da rotina diária.

Com espírito de aventura, não de coincidências, assisti Lances Inocentes. E logo de cara notei que qualquer elemento se converte em ótima ocasião para transmitir valores. A trajetória do pequeno Josh, portento do xadrez com 7 anos, nos campeonatos e no ranking são uma desculpa elegante para nos transmitir recados de virtudes, das quais o mundo de hoje está tão carente. E o faz de modo arrojado, embrenhando-se em terreno peculiar como é o mundo do xadrez, universo mágico e fechado a todos aqueles que não cultivam esta arte, às vezes até doentiamente. Porque o xadrez é arte, em palavras de uma das personagens, não é simples jogo nem ciência. Arte como a de Bobby Fischer, que é o paradigma de todo o filme, o vácuo no qual caminha o pequeno protagonista.

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EM NOME DO PAI: A contundente força da Integridade

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(The name of the father) Diretor: Jim Sherridan. Daniel Day-Lewis, Pete Postlethwaite, Emma Thompson. USA 1993. 132 min

A questão da Irlanda do Norte, tema que vem ocupando as páginas da imprensa nas últimas décadas, com maior ou menor destaque, mas sempre presente, é o cenário deste filme. O tema é tratado tomando ocasião de uma acusação injusta feita contra 4 pessoas, supostamente culpados de um atentado praticado pelo IRA. O filme corre com lentidão – porque chega ao detalhe e não por faltar-lhe força-, mas mantém a tensão em todo momento e prende o espectador. É todo ele uma rica descrição do processo e da prisão dos acusados, entremeados com injustiça, violência e situações onde se alterna a degradação com a mais alta categoria humana e a capacidade de perdão.

O diretor, Jim Sherridan, é irlandês até o último fio de cabelo e, como fez em

Meu Pé Esquerdo, sabe destacar com relevo os valores, aparentemente cinzentos, de um pai de família (no filme anterior era a mãe) que se destaca como um gigante no meio da mediocridade, dos rancores e das paixões mais baixas. Daniel Day Lewis, um ator que já provou ser capaz de representar qualquer papel, tem um desempenho notável como protagonista. Emma Thompson, comedida, com grande classe num papel que lhe cabe sob medida. Uma figura Shakespeariana, neoclássica, no meio das agitações revolucionárias. E Pete Postlethwaite, que encarna o pai, é o destaque interpretativo, e a condensação de valores que o filme nos mostra. Atrás do que poderia parecer pusilanimidade e covardia, encerra-se a fortaleza e a honestidade de um homem íntegro.

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O REI LEÃO

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The Lion King. Disney. USA 1994

Um pensador contemporâneo, num ensaio sobre a amizade, aponta que a sincera franqueza é própria do santo, da criança, e do louco. Surge no louco por carecer de inibições; na criança por não perceber o alcance das suas palavras. A possui o santo por ter perdido a vergonha e o medo dos homens, sabendo-se sempre diante de Deus. Talvez por isto os filmes que querem ser francos, falar verdades, as embrulham em roupagem de criança, ou de loucos. Os santos –assim, de cara- não são tão politicamente corretos, e as verdades poderiam tornar-se um pouco indigestas. Ficamos, pois, com crianças e loucos –pontos fora da curva- para dar os recados que os homens precisam ouvir. E dentro deste universo onde se podem falar as verdades tremendas, com suavidade e sem machucar –mas dissecando a alma que está receptiva- os filmes para crianças são um capítulo especial. Não já filmes de crianças, mas produções que foram feitas “para as crianças”. Existe algo mais inocente e inócuo? Quem poderia se posicionar defensivamente diante de ingênuos desenhos animados, por exemplo? O Rei Leão é um exemplar único nesta categoria.

            Quem não tem este filme em casa? Quem não projetou inúmeras vezes para os filhos, os irmãozinhos, para os sobrinhos e netos? Quem não gosta de ver as aventuras de Simba, as maldades de Scar, a fortaleza de Mufasa, enfim, a figura singular de Rafiki, o Mandril. O convívio doméstico com a produção da Disney, como se de animal de estimação se tratasse, não deve chamar-nos a engano. Não apenas é um filme para todos os públicos, como é dos filmes que a experiência mostra possuir maior impacto educacional. Assim o temos comprovado, em variados auditórios, com público diverso, de todas as idades. A identificação com a personagem de Simba é automática, e os questionamentos surgem com dimensões imprevistas na alma de cada espectador.

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ACONTECEU  NAQUELA  NOITE

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ACONTECEU  NAQUELA  NOITE.(It happened one night). Diretor: Frank Capra. Clark Gable, Claudette Colbert. USA 1934. 110 min.

Quando ainda adolescente pude ver na TV “Aconteceu naquela noite” nem sabia quem era Frank Capra. Lembro bem: foi num programa de Cine Clube, dentro de ciclo dedicado a Clark Gable, que também não conhecia. Somente de ouvir minha mãe falar e de que tinha qualquer relação com “E o vento levou” que eu não podia assistir por ser proibido para menores de l4 anos.

            Ficou-me uma sensação agradável e romântica, como costuma acontecer nesta idade com os filmes de amor. E isso sim, guardei bem a imagem do cobertor dependurado entre as duas camas, como “as muralhas de Jericó”. Parece-me recordar que até brinquei no dia seguinte com o colega que sentava na carteira vizinha no colégio. Brincadeira sadia, de garotos, que nada de maldade entreviam -porque aliás nada tinha de mau- nas “muralhas de Jericó”.

            Muitos anos depois, já tendo revisto o filme de Capra e admirado outras das suas produções, caiu em minhas mãos um livro desses que se publicam hoje, fabulosa reportagem gráfica dos filmes importantes de Hollywood. No capítulo “Romance” (estava escrito em Inglês) o autor introduzia o tema falando do filme de Capra, das muralhas de Jericó. E, perante a avalanche -assim o reconhecia- de erotismo, amor sexualizado, perguntava-se, não sem certa saudade, se não seria o caso de levantar novamente “outras muralhas de Jericó”, para contendo o assim chamado amor comercial, sexo fácil, recuperar o romantismo de outrora. O cinema de Frank Capra é repleto de valores. Mas deixaremos todos eles no tinteiro para apenas debruçar-nos sobre “Aconteceu naquela noite” e descobrir o romantismo perdido, que tanto lamentava o autor de “History of the Movies” (assim se chamava o livro em questão).

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TÃO LONGE, TÃO PERTO

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TÃO LONGE, TÃO PERTO. (In weiter Ferne, So nah!) Diretor: Wim Wenders. Otto Sander, Peter Falk, Horst Buchholz. Alemanha 1993. 141 min

Um filme sobre anjos é sempre uma novidade, embora o tema dos anjos tenha certa atualidade, e até prestígio. Mais pelo esoterismo que o cerca do que propriamente pelos anjos como tais. Hoje se fala de anjos como nunca, e se desconhece, cada vez mais, a realidade da natureza angélica já que, para tentar aproximar-se dela, alguma noção de filosofia e de metafísica se deveria possuir. Os conhecimentos da moda não primam pelo cultivo dessas ciências; daí o contraste, os paradoxos do mundo que substitui a filosofia pelas sensações, o sentido religioso pelo paranormal.

De qualquer forma é uma surpresa agradável o filme do diretor alemão Wim Wenders. Não pretende, nem por aproximação, ser um tratado teológico sobre os anjos mas também não cai na ficção fácil, no subjetivismo. Trata-se de um ensaio sobre a transcendência, âmbito que reúne o que vai além da materialidade, da própria vida. Deste modo, os anjos, a própria alma humana, o desejo de eternidade, o bem e o mal, harmonizam-se no filme em natural convivência com as realidades terrestres.

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SINTONIA DE AMOR

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SINTONIA DE AMOR (Sleepless in Seattle) Diretor: Nora Ephron. Meg Ryan, Tom Hanks. USA 1993 101 min.

Os créditos desfilam na tela enquanto ouve-se, com nitidez, As time goes by e letreiros pipocam cintilantes. Um sabor Casablanca  prepara o paladar e o ambiente perfuma-se com fragrâncias do romantismo eterno. A sintonia de amor traduz em linguagem nossa o drama que para os produtores era “O insone de Seattle”, molesta situação que repulsa fantasias. Até nos títulos gostamos de saborear os gomos de romantismo. Mas Sam perdeu o sono porque perdeu o motivo de viver: a esposa, mãe de um garoto, estopim da nossa história. O menino também não dorme, vai no vácuo do pai. E as vigílias infantis são, como tudo nas crianças, imaginativas, cheias de ocorrências. Por que não pedir uma nova mãe no programa da psiquiatra, conselheira sentimental dos carentes? Está armado o circuito para a nossa sintonia.

            Estamos nas vésperas do Natal. Não se poupam ingredientes para tonificar nossa sintonia, que reclama a família como necessidade vital. Sem ela somos indigentes, parias da existência, a despeito de sucessos profissionais ou polpudas contas bancárias. Mercadoria rara esta da família, da família normal se entende. Algo simples, natural, aparentemente fácil mas, paradoxalmente,  de difícil acerto hoje em dia. Os homens -pobres marionetes de uma cultura do prazer- estão despreparados para o desafio da família, e parece que lhes faltam recursos para a empreitada doméstica. Verdadeira aventura, em palavras de Chesterton, pois afinal escolhemos os amigos, os inimigos, mas não a família: essa nos vem dada, nascemos com destino assinado. E nesse palco temos de enfrentar a vida sem recorrer ao expediente, cômodo e mesquinho, de fugir.

            Voltamos ao filme. O programa está no ar. A Psiquiatra coloca Sam na parede: “O que tinha sua mulher de especial?” O insone, absolutamente lúcido, responde com classe: “Quanto tempo temos de programa”. Bela esgrima de sentimentos. E a estocada que entra fundo: “Era uma multidão de pequenas coisas, milhões delas, que no conjunto significavam que tínhamos de ficar juntos. Fomos feitos um para o outro.” Não pude -nem quis, já que as associações nos enriquecem- evitar a lembrança de umas palavras que li numa entrevista de Franco Zefirelli, cineasta, artista, ourives do detalhe. Perguntava o jornalista sobre os motivos que estragam o amor. E Zefirelli, o homem da estética e dos pormenores respondia: “são estupidezes minúsculas, mal-entendidos diminutos, microscópicas preguiças que não se teve o valor de descobrir e de dizer, logo no início. É como o câncer: para salvar a saúde é preciso atacá-lo no começo”. Fechei o circuito desta nova sintonia, a das ideias, quando a voz de Sam produzia as primeiras interferências no coração de Annie, que gravitava, meio perdida, em outra frequência.

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FORREST GUMP -O CONTADOR DE HISTÓRIAS

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(Forrest Gump). Diretor: Robert Zemeckis. Tom Hanks, Robin Wright, Gary Sinise, Sally Field. USA, l994. l40 min

A vida humana é um mosaico de paradoxos. Assistimos, neste final de século, a uma proliferação de aberrações, novo renascimento das paixões humanas de sempre, agora formatadas em linguagem atual e pajeadas pela multimídia.  Concomitantemente, o grito à procura da verdade, dos valores e da dignidade humana que encontra neles seu apoio consistente, ecoa de modo ininterrupto. O homem procura a verdade, o bem, a felicidade, no tempo  em que se sente envolvido pela sordidez do meio que ele mesmo criou.

             O cinema, que quando bom é vida, reflete esta procura; e também dá seus gritos de sobrevivência, reclamando para os homens valores mais altos. Atravessamos momentos carentes de simplicidade, de amor, de beleza e harmonia. E, vez por outra, nos chegam filmes como este que é todo ele um canto à simplicidade, uma apologia da virtude, de que fazer o bem compensa. A crítica, nem sempre justa, soube reconhecer a categoria de “Forrest Gump”, agraciando-o com os principais Oscar do ano. Na verdade, não há como não gostar deste filme. Gostar, todos gostam; explicar o atrativo requer algumas reflexões.

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TUDO PELA VIDA

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(Passion Fish) Diretor: John Sayles. Mary McDonnell, Alfre Woodard. Angela Bassett. USA 1992. 130 min.

May-Alice é uma atriz de seriados de TV que, após um acidente, fica paraplégica. Chantelle é a enfermeira contratada para tomar conta de inválida. O filme decola neste contexto para manter-se 2 horas num “mano-a-mano” entre as duas mulheres. Revoltas e limitações, dificuldades e tragédias, miséria e magnanimidade, enfim, todo o espectro dos sentimentos humanos se sucedem num filme muito bem conduzido.

            “Se tiver problemas pessoais, neuroses, traumas, por favor não me conte, vá embora” -diz May-Alice. As personagens -e o espectador no vácuo delas- irão descobrindo ao longo do filme um velho ensinamento: o melhor modo de superar os próprios conflitos é cuidar dos problemas alheios. O homem problemático é, no fundo, um ser egocêntrico, que vive para seus dilemas e, por isso, acaba consumindo a vida sem vivê-la.

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MINHA VIDA

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 MINHA VIDA (My life)   Diretor: Bruce Joel Rubin. Michael Keaton, Nicole Kidman, Hanig S. Ngor.  USA  1993. 102 min

O tema da morte, da morte certa, é sempre difícil de enfrentar: na vida e, em consequência, no cinema. Por outro lado, contar com um referencial fixo, final previsível, -a morte que se aproxima- confere novas perspectivas a uma vida em declínio. Alteram-se as hierarquias e prioridades, surgem sentimentos adormecidos, superam-se mágoas que no contexto carecem de importância, arrancam-se atitudes heroicas. Claro está que tudo depende do modo como encara a morte aquele que está envolvido no processo. Vale a pena lembrar, por exemplo, de Bette Davis em Vitória Amarga (Dark Victory, l939) para compreender como as pessoas mudam perante a morte que surge inexorável.

            A morte, como fato concreto, mesmo sendo um evento diário, torna-se único quando nos atinge. Acertado comentário o de Gustavo Corção, em suas Lições de Abismo sobre a surpresa que a morte concreta, do conhecido, provoca. Descreve que “o fenômeno mais trivial do universo, personalizado, toma proporções de maravilha. E todos -uma gente cansada de ir a Missas de sétimo dia- todos se admiravam do cadáver do Ferraz, como se estivessem a contemplar uma aurora boreal”

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