OS  ÚLTIMOS PASSOS DE UM HOMEM

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OS  ÚLTIMOS PASSOS DE UM HOMEM (Dead Man Walking) Diretor: Tim Robbins. Susan Sarandon, Sean Penn, Robert Presky, Raymond T. Barry, Celis Western. USA 1995. 120 min.

Tim Robbins assume o comando na direção e coloca sua mulher -Susan Sarandon- no corredor da morte para conquistar o Oscar de melhor atriz. Susan, metamorfoseada em freira, quer ser o contraponto de esperança lá onde a palavra de ordem é uma só: “homem morto caminhando”. Tarefa difícil que não admite ação nem soluções espetaculares, pois o destino é iniludível. Não há, no filme, compromisso com cinema denuncia nem com posturas revisionistas; ou, se existem, são naturalmente deslocadas pelo volume da trama, que gravita em órbitas mais profundas. São cartas marcadas, descobertas, que abortam desde o início qualquer tentativa de virada aventureira. Sobra pouco espaço para agir. Apenas resta -eis o miolo da fita- trabalho de faxina, nos bastidores da alma.

            Por isso o prêmio de Susan é um reconhecimento de expressão mais do que interpretação. São sempre primeiros planos, e o mérito da atriz corre por conta da expressividade: olhos, boca, sorrisos, gestos quase imperceptíveis. A frio, sem trilha sonora, da qual somente se permite a entrada, a modo de intermezzo, fora do ápice do clímax.

            Um filme bom, denso, quase indigesto. Concentrado de valores, atitudes em estado puro, geografia da alma, agreste, selvagem. Um excelente filé sem guarnição, nu de acompanhamentos, que é preciso mastigar sozinho. Por isso não é um filme para qualquer público, nem para qualquer ocasião. Não é espetáculo para assistir num momento livre, de bate pronto. A indigestão pode ser fatal.  Mas é um filme superior. Susan compra o desafio e propõe-se arrancar o assassino das garras do pior verdugo: o ódio que inunda suas entranhas. E nestes resgates as armas são poucas e precisas: a doação, o amor. Toneladas de amor despejadas sobre o próximo, à custa de sangrar a própria alma até a exaustão. Esse é o único detergente eficaz, que penetra as crostas do orgulho -do próprio e do alheio- dissolvendo-as. 

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O Guarda – Costas e a Primeira DAMA

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(Guarding Tess) Dir: Hugh Wilson. Shirley MacLaine, Nicolas Cage.  USA 1994.  95 min

A psicologia feminina adquire um colorido peculiar quando entra na terceira idade. É como se, com os cabelos brancos, decantasse a experiência serena dos anos para dar relevo a traços que guardam um encanto especial. Surgem modos diferentes de dizer, de sonhar, de amar. Um amor que é o curioso resultado de uma mistura de sentimentos, algo assim como um resumo dos amores de uma mulher ao longo da sua vida.

            Um amor ingênuo e caprichoso, como quando criança; sonhador como o da adolescente; ciumento como se de uma noiva se tratasse; abnegado e silencioso, como o maternal; teimoso e autoritário, próprio das anciãs. Mas em qualquer caso, é um amor elegante, experiente, sereno. Um amor que pede tudo e se contenta com muito pouco: com um sorriso, com um pouco de atenção, mas, isso sim, na hora certa. Amor que exige exclusividade nas formas, mas é tolerante no coração, se satisfaz com um olhar carinhoso.

            A primeira dama e o guarda-costas aborda com acerto esta temática, de riqueza incomum, ancorada na interpretação magnífica de Shirley MacLaine, que é capaz de representar este acúmulo de sentimentos numa simples expressão facial, num olhar, num gesto da boca.

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RAZÃO  E SENSIBILIDADE

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 (Sense and Sensibility) Dir: Ang Lee. Emma Thompson, Kate Winslet, Hugh Grant, Alan Rickman. 133 min.

Jane Austen está na moda. Quem diria! Aquela escritora inglesa, discreta, autora de meia dúzia de romances, que estendeu os seus 42 anos de vida em ponte de transição entre o século XVIII e o XIX. São os seus, romances inevitavelmente femininos, pois ela escrevia com o realismo de quem vive o plasmado no papel. Orgulho e preconceito, Emma, Mansfield Park, Persuasão têm na alma feminina o combustível -e o motor- do enredo. Não é diferente Sense and Sensibility, que nos chega convenientemente maquiado por Emma Thompson, entregando o roteiro já tratado, nas mãos de diretor …chinês. Bela mistura que resulta num filme de porte, fiel ao espírito do original, em corte perfeito, esbanjando estética e bom gosto. Enfim, Austen versão cinematográfica e não apenas um livro que vira filme.

            Uma ressalva importante. A tradução do título é infeliz, ou melhor, equívoca. O que paira na intenção da romancista é o apaixonante estudo de um eterno equilíbrio de forças: a razão, de um lado; os sentimentos, do outro. A sensibilidade -que nos colocam no título em português- é termo inadequado: aproxima-se foneticamente mas não no conceito. Pode-se atuar de modo racional, com sensibilidade extrema. Assim como é possível ser perdidamente sentimental e carecer da tal sensibilidade. Razão e sentimentos, como fontes vitais de atuação, de postura de vida. Uma dupla via que nos aproxima do conhecimento da realidade e alimenta o nosso agir. Sensibilidade é caso particular de apreciação de situações e, por tanto, não entra no balanceamento estudado. Valha a metáfora neurológica, prosaica mas eloquente: razão e sentimentos são vias de dupla ação: além de captar a realidade -sensitivas- são também vias motoras, conduzem  à ação, nos posicionam diante da vida. A sensibilidade é canal sensitivo: somente capta, não move diretamente; quando muito, apenas modula a ação. Um esclarecimento conveniente.

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FRANKENSTEIN  DE MARY SHELLEY

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(Mary Shelley´s Frankenstein) 
Diretor: Kenneth Branagh. Kenneth Branagh, Helena Bonham Carter, Robert de Niro.1994. 123min.

O diálogo do monstro com o seu criador, no interior da caverna próxima ao Polo, é de uma atualidade enorme, nestes tempos onde se discute e se briga pela clonagem terapêutica, pelas células-tronco, pelo direito de viver, de morrer, de matar, de sobreviver. A atualidade não é tanto do conteúdo científico –que, naturalmente, evolui com os tempos e com as conquistas da técnica- mas do sentido que a ciência procura para orientar-se. Isso diz respeito ao que é possível fazer, e ao que se deve fazer de fato. A ética sobre a técnica, o norte que a guia, ou, em linguagem de hoje, a bioética por envolver as ciências da vida. A atualidade vem, afinal, de algo alheio à própria técnica, da filosofia –antropologia, por ser filosofia do homem- que é onde se podem encontrar as razões para aplicar, ou não, os progressos científicos. 

            No contexto que nos ocupa vem à memória uma carta que alguns anos atrás tivemos oportunidade de ler. Era de uma jovem universitária que tendo sido “fabricada” com fecundação artificial anônima, reivindicava o direito de conhecer o seu pai. O progresso técnico também faz crescer as reivindicações na mesma proporção e, recentemente, houve notícia de um adolescente que através de sites de pesquisa e de interligações na web, conseguiu doando seu material genético, atingir o doador anônimo de esperma a quem lhe deve a vida.

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COMER, BEBER, VIVER

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COMER, BEBER, VIVER. (Eat, Drink, Man, Woman). Diretor: Ang Lee. Sihung Lung, Sylvia Chang, Chien-Lien-Wu USA,Taiwan 1994. 123 min.

A comida, a boa comida, já foi poesia feita cinema em A festa de Babette. A comida é também elemento de relacionamento humano, necessidade fisiológica que pode se transformar em amável desculpa para conversar, para falar, para entender-se.

            O diretor chinês Ang Lee apresenta uma história familiar de Taiwan, onde as pessoas “contam suas coisinhas” à volta da mesa do almoço de Domingo. As pessoas são um cozinheiro viúvo e as três filhas, de caracteres e orientações completamente distintas. O almoço -como não poderia deixar ser na linguagem cinematográfica chinesa- é suculento e magnificamente apresentado: molhos, aromas e o borbulhar barulhento das frituras parecem querer pular da tela, salpicando o espectador.

            As mulheres -as três filhas- são as solistas desta sinfonia culinária que, apesar de ter os mesmos elementos (pai e três filhas) do rei Lear shakespeareano em nada se assemelha. O motivo é simples: aqui não se focaliza o relacionamento, simplesmente porque cada um funciona por sua conta, num individualismo que é tão gráfico como os molhos e temperos. A casa -mais casa do que lar- vai se desfazendo, a golpe de “coisinhas” que pipocam nos almoços dominicais, decisões unilaterais, nunca diálogo.

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ROB ROY

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(Rob Roy) Diretor: Michael Caton-Jones. Liam Neeson, Jessica Lange, John Hurt, Tim Roth. USA-Escócia, 1995. 139 min

Escócia, século XVIII, é o ambiente para situar este filme, inspirado num romance de Walter Scott -arauto do romantismo inglês, um romantismo com sabor sempre medieval- que focaliza as lutas entre os nobres da corte e os clãs tradicionais da Escócia. Uma variante tardia de feudalismo, já que na verdade o filme é histórico, até épico poderíamos chamá-lo a não ser pela ausência dos milhares de figurantes, ingrediente necessário nessas superproduções hollywoodianas dos anos 50 e 60.

         Rob Roy, é Robert McGregor, chefe do clã McGregor em luta contra os capangas -por sinal, capangas de peruca, finíssimos e perfumados, mas verdadeiramente malvados- que lhe roubaram seu dinheiro, e tratam seu povo de modo arbitrário. Rob Roy é todo ele um canto à honra, uma versão escocesa, com saia incluída, de “El Cid”. Seu maior argumento de credibilidade, suas credenciais são, nem mais nem menos, a “palavra de cavalheiro”. A honra, que “é um presente que o homem se dá a si mesmo”, seu ideal de vida, correndo parelho com os satélites necessários do cavalheiro: a fidelidade, a verdade, o amor incondicional à mulher que adora.

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O JORNAL

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(The Paper) Diretor: Ron Howard. Michael Keaton, Glenn Close, Marisa Tomei. USA 1993. 116 min

Os filmes de jornalistas costumam ter impacto. A caça da notícia, o manuseio dos fatos, o furo de reportagem, são estampadas nas páginas dos diários com maior ou menor veracidade, mas sempre criando opinião. E como o quarto poder mexe com as vidas alheias -as de todo aquele que se cruza no seu caminho- é tema de interesse comum, atrativo, base para uma boa produção. Por ela desfilam heróis e vilãos em pele de jornalistas que são, afinal, seres humanos com seus problemas, suas paixões, sua própria vida a ser vivida.

            O Jornal é um filme movimentado nas ideias, de conceitos rápidos e intuitivos como se de uma sucessão de manchetes de jornal se tratasse, projetados em ritmo de carrossel de diapositivos. Poderia muito bem levar no subtítulo “como fabricar o jornal de amanhã”. As quase duas horas da fita transcorrem em apenas 24 horas: as que ocupa a redação de um jornal em elaborar a próxima edição, e como satélites da mesma, a vida paralela das personagens. Pode-se imaginar a densidade de informação: os fatos que são notícia, os destaques, a primeira página. E, para chegar a tudo isso, reuniões, muitas reuniões, decisões pela metade, investigação em “off” paralelas, luta pelo poder, ciúmes, invejas, velhos rancores, e toda a salada do acontecer humano. Tudo isto servido em estilo “fast-food”, condimentado com “gags” -ora cômicas, ora dramáticas, mas dinâmicas e chamativas- entremeada com a problemática pessoal de cada personagem. São figuras espontâneas, desbocadas, de um primarismo genuinamente americano que possuem simpatia e certo encanto.

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UM SONHO DE LIBERDADE

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(The Shawsahank Redemption) Diretor: Frank Darabont.  Tim Robbins, Morgan Freeman .USA, 1994 146 min.

A liberdade é, hoje em dia, um lugar comum. Cada vez se fala mais dela, e menos se consegue entendê-la. Ensaios sobre a liberdade não faltam, a modo de variações sobre um tema, que permanece oculto. Assim liberdade de opinião, liberdade de expressão, de culto, sexual, de opção. Será a liberdade condimento de todos os pratos? Certamente. A liberdade é algo inseparável do ser humano, da qual não pode prescindir se quer continuar sendo plenamente homem. Pode-se conceber homem sem braço, sem perna, mesmo sem intelecto desenvolvido; homem sem liberdade não existe. Daí que a liberdade é qualidade interior, mais seiva do que folha; um nutriente que sustenta o metabolismo da planta e não simples estufa que a protege das inclemências do tempo.

            Em se tratando de um presidiário, falar de liberdade -sonhar com ela- parece assunto de objetivos bem restritos: sair, o quanto antes, da prisão. Mas este filme magnífico surpreende mostrando a outra cara da liberdade. Realizado sobre argumento já batido, é admirável como de um ambiente sórdido e pouco edificante pode destilar poesia. E destila com bom gosto, com doses certas de humor, sem cair na ingenuidade – afinal uma prisão “não é um mar de rosas”-  nem no pessimismo deprimente,  justamente porque a seiva da liberdade atua com eficácia. A liberdade que corre parelha com a esperança, “aquilo que ninguém pode tirar-te, que é só teu”, diz o protagonista sobre o qual o filme se apoia. Um homem culto, um banqueiro, que tem a grandeza de alma suficiente para passear no pátio do presídio, como se estivesse “protegido por um escudo invisível”, com a despreocupação de quem passeia num belo parque público.

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O CARTEIRO E O POETA

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O CARTEIRO E O POETA. (Il postino) Diretor: Michael Radford. Massimo Troisi, Philipe Noiret, Maria Grazia Cucinotta. Itália 1995, 106 min.

Há filmes superiores, à margem da crítica, que correm em paralelo. Este é um deles. Anos 50. Pablo Neruda, poeta chileno, está exilado numa pequena ilha da Itália. É o poeta do povo, da revolução; poeta do amor, das mulheres, que cativa com a vibração dos seus versos. Um noticiário em branco e preto, no cinema da aldeia de pescadores, introduz-nos no tema. Lá está Mário, o carteiro que levará a correspondência do poeta. Entre cartas e gorjetas nasce a admiração, e logo, a amizade. O filme dá sequência, desfiando em cada fotograma, porções de lirismo primoroso.

            “O mundo, o mar, as estrelas não serão metáforas de algo maior?” -pergunta Mário. “Não será -pergunta o espectador gratamente surpreendido- todo o filme uma metáfora do que é a arte, da poesia, do amor?”. Porque o filme, igual que a poesia, não pode ser explicado, se tornaria banal. Por isso qualquer comentário é arriscado, pode vulgarizá-lo. Melhor será vivê-lo, como se vive a poesia, experiência das emoções de uma alma disposta.

            Todo o filme é um poema cadenciado em belíssima partitura italiana, entremeada das “Madres-selva” de Gardel, aquelas que nos viram nascer e surpreenderam nosso amor junto da “vieja pared del arrabal“. É, simplesmente, lindo…no melhor sabor portenho.

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A FRATERNIDADE É VERMELHA

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A FRATERNIDADE É VERMELHA. (Rouge) Diretor: Krzystof Kieslowski. Irene Jacob, Jean-Louis Trintiognant, Jean Pierre Lorit. Fran/Pol/Suíça 1994. 99 min

Este é um dos filmes da trilogia que Kieslowski dedica à bandeira tricolor francesa em sugestiva associação com a máxima da revolução. Em opinião da crítica, supera os outros dois -”a liberdade é azul”, “a igualdade é branca”- embora estas comparações são sempre delicadas, mais ainda tratando-se de um cinema de autor, muito pessoal.

            O cinema europeu é, por vezes, uma realidade difícil de assimilar para a nossa sensibilidade latina, tão feita à sintonia hollywoodiana. Falar de filmes europeus suscita no público certo receio de cinema hermético, histórias contadas pela metade, filmes que não acabam… e por aí afora. Na verdade, o assunto seria mais simples se a nossa postura fosse outra: não se trata tanto de compreender o filme como de vê-lo, observando-o, sentindo-o. Querer espremer todo o significado, perder-se em interpretações -gosto mórbido dos críticos e do público com esnobismos intelectuais- é transformar o filme em problema, em vez de desfrutar sem compromisso daquilo que é: uma manifestação artística. Afinal um filme não é uma equação matemática com soluções múltiplas. As coisas se simplificam quando vemos o filme, gostamos -ou não gostamos- permanecemos no plano intuitivo, sem nos preocupar com justificativas ou explicações.

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