ROMANCE DE OUTONO

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ROMANCE DE OUTONO  (Used People) Diretor: Beeban Kidfron. Shirley MacLaine, Marcello Mastroianni. Jessica Tandy, Kathy Bates. USA 1992. 120 min.

A tradução do título original para a nossa língua não costuma ser das empreitadas mais felizes. E sempre que comento isto me vem à cabeça o exemplo fatídico: A Noviça Rebelde“, onde com apenas três palavras se consegue assassinar “a priori”, nos créditos, a imagem de um esplêndido musical cujo recado é falar da poesia e do poder que a música exerce sobre o coração humano.

Mas existem exceções. Romance de Outono é uma tradução adequada daquilo  que este filme encantador nos transmite. Muito melhor que o título original, Used people, já que em questões de amor e na vida, as pessoas não são descartáveis nem artigos de segunda mão. O amor é sempre jovem, ou melhor, é elemento remoçador. Quem é jovem tem capacidade de amar. O velho é tal, não pela idade cronológica, mas porque se aposentou no amor.

Romance de Outono é um filme bem conduzido, articulado sobre atores de primeira categoria. É simples no argumento, já que a temática, em si, não poderia ser complexa: uma espera de 23 anos para encontrar a mulher da sua vida. Uma espera serena, interior, um romantismo que muito tem do cavaleiro medieval que aguarda o momento oportuno para encontrar-se com sua dama. Espera que não paralisa mas que é ativa, ocupada, como os compassos de silêncio do instrumento que, mudo, aguarda o olhar do maestro para integrar-se na melodia da orquestra. Tudo tem seu tempo, sua harmonia. As precipitações somente produzem dissonâncias.

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ETERNAMENTE JOVEM

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ETERNAMENTE JOVEM (Forever Young). Diretor: Steve Miner. Mel Gibson, Elijah Wood, Jamie Lee Curtis USA 1992. 102 min.

O amor é forte como a morte, diz o Livro Sagrado. Lembrei destas palavras vendo Mel Gibson correr embaixo da chuva, querendo parar o tempo.

            Vivemos tempos de pragmatismo e o amor circula no mercado negro, de mão em mão. São apenas subprodutos amorosos, manuseados, com baixo teor de amor forte, com excesso de ganga. Tempos os nossos de desconfiança feroz, de levar vantagem, de toma lá dá cá. Fala-se muito de amor, e cada vez se desconhece mais o miolo dessa realidade, perdido numa selva de equívocos. Um lugar comum, ou -com perdão dos filósofos medievais- quase um  flatus vocis, que nos abeira da indiferença.

            As cenas de Eternamente Jovem nos falam de amor romântico e verdadeiro. De um amor que corre no contrarrelógio do tempo, e no contragosto dos sentimentos vigentes na moda. “Passe duas horas com quem você estaria uma eternidade”. São os outdoor da cidade anunciando a fita em lançamento. Tem seu encanto. Agradece-se uma lufada de romantismo, ar fresco, chuva de verão que ventile o ambiente abafado de egoísmo, de procura doentia do prazer.

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O PRÍNCIPE DAS MARÉS

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O PRÍNCIPE DAS MARÉS (The Prince of Tides) . Diretor:  Barbra Streisand . Nick Nolte, Barbra Streisand. USA 1991 132 min.

Neuroses e complexos estão na ordem do dia. Hoje, quem sabe mais do que nunca, porque carecemos de uma das melhores profilaxias: falar dos sentimentos, abrir o coração sabendo que alguém nos escuta e nos compreende. Não mudou a necessidade: mas hoje faltam “ouvidores”, e os poucos que há, esforçam-se o mínimo por compreender. Poucos são os privilegiados que têm quem lhes escute as mágoas com paciência, com um sorriso animador e aconchegante, ponto de partida para as correções necessárias.

As indigestões da vida requerem sua válvula de escape. A água parada fatalmente apodrece. Passar batido por emoções mal assimiladas -formigueiro de dúvidas e medos- sem ventilá-las, é perigosa bomba relógio. Algo assim como colocar uma rolha num vulcão, e viver num “faz de conta”, enquanto nas entranhas da personalidade vai se elaborando em silenciosa gestação o estouro inevitável. Erupção que será violenta ou muda mas, de qualquer modo, mutiladora. Essa costuma ser a origem dos traumas psíquicos que existem e se fazem notar, com maior ou menor virulência.

Barbra Streisand, atriz e diretora do filme, coloca a temática com felicidade, numa produção plasticamente bonita e de grande qualidade cinematográfica. Ajuda, sem dúvida, a interpretação muito acima da média de Nick Nolte. O príncipe das marés é uma obra bem trabalhada, cuidadosa nos detalhes, bom cinema. Sabe pôr à mostra o mundo interior do ser humano, com suas misérias e riquezas, sofrimentos e alegrias. Assim de complexo é o homem e confusos são os seus sentimentos. Somente as personagens de plástico -dessas que o cinema atual produz em série- carecem de problemas, porque não possuem interioridade, são ocos.

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UM SONHO DISTANTE

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(Far and away).  Diretor: Ron Howard. Tom Cruise, Nicole Kidman.  USA 1991 136 min.

As lembranças que todos guardamos da infância constituem uma peculiar cultura do ser humano. São pedaços de sabedoria, lições de vida, que o tempo e as circunstâncias se encarregam de desempoeirar no momento certo, tirar brilho e torná-las úteis. Lá estão elas, amontoadas em algum recanto imaterial da nossa memória, sem ocupar espaço nem fazer barulho. Certamente, quando lá foram colocadas, muitas delas contra a nossa vontade, não fazíamos ideia da utilidade que, passados os anos, teriam. Na verdade, as lembranças da infância mal se percebem, nebulosamente, nos primeiros anos de vida. É depois, durante a vida adulta quando adquirem sua verdadeira dimensão. Projetam-se em perspectivas que tinham passado despercebidas.

            As lembranças são fatos, coisas e, sobretudo, pessoas. Ou melhor, atitudes das pessoas. Pensava no Gerardo, amigo do meu avô, enquanto as cenas de “Um sonho distante” acudiam à minha cabeça. Colega de muitos anos, solteirão convicto, vinha nos visitar alguns fins de semana. Gerardo era um bom apreciador do vinho, do vinho fino, do “Jerez” como dizem na minha terra, e que, injustamente, os anglófonos encarregaram-se de divulgá-lo como “Sherry”. Jerez seco, semisseco, doce: cada um tinha o seu momento e os acompanhantes precisos. De tudo isto o Gerardo entendia, além de ser um papo excelente. Embrulhava as histórias em Jerez, ou o vinho em histórias, não sei; mas ambos os elementos caminhavam juntos. Gerardo bebia com moderação, pouco até, mas o fazia com gosto, saboreando, tirando partido de cada gole mínimo, reparando nas essências. Até nós, crianças, que tínhamos vedado o acesso a semelhantes requintes de adultos ficávamos entusiasmados e quase percebíamos no paladar o comentadíssimo sabor, com todos os seus epítetos e qualificações. Como se pode falar tanto de algo tão simples como é um vinho?

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TOMATES VERDES FRITOS

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(Fried Green Tomatoes) Diretor: Jon Avnet. Jessica Tandy. Kathy Bates. Mary Stuart Masterson. Mary Louise Parker. UUSA 1991. 125 min

Voltava de almoçar na casa de um amigo. Uma esplêndida tarde de outono, ensolarada e brilhante, convidava a pensar. Quis ordenar as impressões do filme que tinha assistido na véspera. Um comentário do meu amigo, minutos antes, enquanto tomávamos café, foi o ponto de partida. Os seus quatro filhos -crianças encantadoras, extremamente bem educadas- prestavam atenção na nossa conversa de colégios, professores, reuniões de pais. Olhando para eles, meu amigo disse: “Muitos vem problemas onde eu simplesmente vejo fatos. Tem quem consegue problematizar tudo, até a própria família”.

O trânsito fluía desimpedido nessa tarde de Domingo. Dirigia sem pressa, enquanto escutava o último ato de Norma, a ópera de Bellini. “Qual cor tradisti, qual cor perdesti…”, a voz de Maria Callas impunha-se com firmeza convincente: a infidelidade, a traição, é sempre uma perda. Ninguém lucra. Bem é verdade -pensei- que as óperas não são exemplo de simplicidade: o destino encarrega-se de complicá-las até as fazer desembocar em tragédia. Mas nos últimos momentos, os sentimentos humanos irrompem purificadores, resumindo tudo em amor que perdoa e promessas de fidelidade, mesmo morrendo no suplício da fogueira. Fiquei satisfeito enquanto ouvia: “Nel mio rimorso e amor rinato….” O amor, com o remorso, renasce mais desesperado do que antes. Minhas últimas palavras serão que te amo. Na hora da morte não me desprezes, antes de morrer, perdoa-me. É Pollione, o Romano arrependido que suplica pelo perdão redentor para morrer feliz junto à amada Norma. “Moriamo insiene, ah sim moriamo; sublime donna, perdona, perdon”.

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PASSAPORTE PARA O AMOR

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PASSAPORTE PARA O AMOR (Green Card) Diretor: Peter Weir. Gerard Depardieu, Andy McDowell. Austrália/França 1990 107 min.

Assisti “Green Card.” ontem à tarde espicaçado pela curiosidade: já tinham me recomendado o filme, mas faltou ocasião.  Retirei a fita das prateleiras de um vídeo clube: uma das oito cópias que a locadora tinha. O fato de não ter que reservar um filme, neste dias sedentos de novidades, nos faz desconfiar. Peguei-o e, discretamente, como quem acha uma rara mercadoria num depósito de “usados”, sai.

Duas ou três tomadas rápidas e o espectador é situado no miolo do filme. Um casamento por conveniência, ou melhor, uma simulação de casamento com vantagem para os dois lados: um visto de permanência para o francês; um apartamento com direito a jardim de inverno  para a bióloga. Ele, compositor, artista e dado à vadiagem. Ela uma versão fim de século XX de feminista ecológica, uma bióloga verde, no sentido político e social da palavra. O visto de permanência – Green Card.- também verde. Ironia do destino? Provavelmente, brincadeira do diretor australiano.

A trama é simples.  Um treinamento intensivo de “casal simulado” para ludibriar o departamento de imigração, que pratica uma política restritiva. Tudo com muito humor. As situações cômicas, favorecidas pela grande interpretação dos protagonistas distraíram-me por alguns instantes. Onde foi mesmo que estava a fita no videoclube? Na seção comédia? Drama talvez?  É a mania, nefasta, de classificar a própria vida, querendo quadricular a arte, catalogar os sentimentos, como indicando ao espectador se deve rir, chorar ou sentir terror diante do produto que é apresentado… Onde estava mesmo a fita? Respirei e sorri: ainda bem; estava entre os “lançamentos”. Escapou, por ora, à fria classificação… Veremos o que o destino lhe depara…

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FLORES DE AÇO

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(Steel magnolias) Diretor: Hebert Ross. Julia Roberts, Sally Field, Dolly Parton, Shirley MacLaine, Olympia Dukakis. USA.l989. 114 min

Agradou-me Flores de Aço por deparar-me com um filme profundamente humano: sentimentos, problemas familiares, amizade, e -justo é reconhecê-lo- heroísmo brilhando com naturalidade. Surpreende como num ambiente com pitadas de frivolidade, que se inclina pelo materialismo, possam surgir estes valores. A explicação mais plausível é que “Flores de Aço” é um filme completamente americano.

Uma cidade do interior, onde cada uma das personagens -muito bem conseguidas- reflete esse modo de ser simples, transparente, ingênuo até, um pouco primário: enfim, bem americano. Os vícios não são pensados nem requintados: afloram espontaneamente, fruto da desinformação e da falta de reflexão. As virtudes são também irrefletidas, sem cultivo, impulsos de sentimentos -bons sentimentos- e de generosidade. Qualquer outra interpretação nos faria suspeitar das boas ações das personagens, pois há muitas. Não são falsos: são, simplesmente, primários.

Julia Roberts é a enfermeira diabética prestes a casar. Sua saúde é delicada e a perspectiva de engravidar não é isenta de risco. Sally Field, que é mãe, dispensa ser avó; mais do que dispensar, decide em benefício da filha. Compreensível, mas não desculpável. O carinho que brota do coração materno deve estar temperado com o desprendimento para se equilibrar. Também isso é doação. Quando falta o condimento do desapego o egoísmo azeda o amor. E, afinal, cada um precisa viver a fundo sua própria vida.

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TEMPOS DE GLORIA 

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(Glory) Diretor: Edward Zwick. Matthew Broderick, Denzel Washington, Morgan Freeman. USA 1989. 110 min

Mesmo os que –por gosto ou por profissão- guardamos uma certa intimidade com o cinema, não estamos livres das surpresas que os filmes nos trazem. Surpresas que vem em forma de ressonância afetiva que muda, com o tempo; talvez por que somos nós os que mudamos, e quando nos defrontamos com o mesmo filme, surgem temáticas diferentes, “insights”, porque nós já somos outros. Lembro de um livrinho que repousa na minha prateleira, com algumas conferências que o escritor Jorge Luis Borges pronunciou no final da vida. Numa delas –Borges Oral, chama-se o livro- o autor argentino diz que mesmo sendo cego continua a comprar livros e rodear-se da sua amável presença, porque necessita deles, dos livros. E –comenta abrindo a intimidade- que quando voltamos sobre o mesmo livro, passados os anos, parece que o livro mudou, como mudava o rio do filósofo Heráclito, que não  era o mesmo, por ser diferente a água que nele circulava, impedindo-nos de nos banhar duas vezes no mesmo e idêntico rio. Na verdade, diz Borges, somos nós os que mudamos, nós é que somos outros. 

Tempos de glória é um filme que exerce sobre mim um efeito similar ao que Borges descreve para os livros que lhe rodeiam. Encontro algumas anotações da primeira vez que vi este filme, sem suspeitar as surpresas que, com o passar dos anos, seriam provocadas pelos mesmos fotogramas. No seu dia o filme rendeu os seguintes comentários, que copio o textualmente dos meus arquivos. 

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MEU PÉ ESQUERDO: A virtude gigante de uma mãe.

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(My left foot). Diretor: Jim Sherridan. Daniel Day Lewis, Brenda Fricker, Ray McAnally.
Irlanda, 1989 102 min.

Este é o primeiro filme do diretor Irlandês Jim Sherridan, que tem sido recebido pela crítica com elogios, acumulado prêmios e agradado o público. Narra a vida de Christy Brown, um deficiente com paralisia cerebral, que se converte num pintor célebre usando a única parte do seu corpo sobre a qual tem domínio: o pé esquerdo. Esse mesmo é o título da autobiografia de Christy Brown (1932-1981), na qual se baseia o filme.

            Necessário é destacar a interpretação magnífica de Daniel Day Lewis, que ganhou Oscar de melhor ator. Encarna perfeitamente as limitações físicas da personagem, a personalidade -voluntariosa às vezes, com humor ácido outras- e o seu relacionamento com as pessoas que lhe rodeiam. Sherridan consegue criar um clima, recorrendo ao flash-back, que toca pela sua sensibilidade e delicadeza, embora retrate com crueza os momentos dramáticos.

            Mas por trás de Lewis, do deficiente, em paralelo corre a figura que enche a tela e dá suporte a todo o filme: a mãe de Christy Brown, um concentrado de valores maternos. O filme, com justiça, poderia ser julgado só deste ponto de vista: uma apologia da mãe de família. Brenda Fricker a torna real, em interpretação maravilhosa, cálida, de mãe irlandesa, de família operária, com 22 filhos -conforme consta nas memórias de Christy, embora no filme não seja explícito- dos quais sobreviveram 18. Christy era o décimo.

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SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS

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(Dead Poets Society). Diretor: Peter Weir. Robin Williams, Robert Sean Leonard, Ethan Hawke, Josh Charles, Gale Hansen. 1989. 128 min.

Alguns anos atrás participei de um debate numa livraria em Madrid, onde falamos de educação e cinema, e juntamos experiências dos que, de um modo ou outro, utilizamos a sétima arte como proposta pedagógicas. Lá estava um velho amigo, colega de colégio, com quem não encontrava há mais de 20 anos. Hoje é Diretor e Produtor de Cinema e, confesso, senti-me lisonjeado por prestigiar o nosso debate. Lembro que citou “Sociedade dos Poetas Mortos”, como um filme educacional, e ao mesmo tempo difícil. “Se pensamos bem, é um filme onde todos têm razão”. O comentário gravou-se em mim, de modo definitivo, pois sempre lembro dele com ocasião do filme em questão, e em muitos outros momentos. Afirmar que todos têm razão significa que é preciso esforçar-se por entender os motivos dos demais, por sintonizar afetivamente com os seus sentimentos, enfim, por compreender as pessoas em toda sua surpreendente variedade.

            Sociedade dos Poetas Mortos é um filme emblemático, revolucionário, inovador. A construção de novos paradigmas na educação, ensinando os alunos a pensarem por si próprios, é o núcleo do filme e tem dado pano para manga, e substância para inúmeras discussões no âmbito acadêmico. Rasgar o prefácio do manual de Poesia e Literatura Inglesa, que recomenda “medir os poemas como se fossem canos de 3 polegadas”; subir na mesa para contemplar o mundo com novas perspectivas, promover os dons de cada estudante  é um horizonte sedutor, ao qual o professor Keating introduz os alunos, e que de fato cativa qualquer jovem. O sistema, a tradição de uma escola secular, opõe-se aos métodos do mestre revolucionário e lhe recomendam, sem efeito, sensatez. As famílias também tomam partido e, sem querer ouvir explicações nem motivos, obrigam os filhos a seguir o curso que eles, pais, já traçaram de antemão. A tragédia se desencadeia no final e, o revolucionário é obrigado a abandonar seus métodos e a escola, não sem receber a homenagem, emocionante, dos alunos que, subindo em cima da mesa, reconhecem o valor de ter aprendido a pensarem por si próprios. Captain, my captain. Um por um, sobem nas carteiras, e batem continência ao líder que é desterrado como elemento perigoso.

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