Nelson Rodrigues: “ A Vida como Ela é…..em 100 inéditos”.
Nelson Rodrigues: “ A Vida como Ela é…..em 100 inéditos”. Ed. Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 2012. 440 págs.
Não sei se a vida é como Nelson a pinta, repleta de bizarrices, de comportamentos chocantes, de virtude pacata desmascarada na hora do vamos ver. Provavelmente não, porque isto lembra Notícias Populares, onde somente o escândalo retorto tinha vez. A vida não é assim. Mas as paixões são essas mesmas, e pode haver muito disto – e também de virtude, que tem menos apelo literário para crónicas- na hora de narrar uma vida.
Mas o que importa é o modo com o Nelson conta, a força da narrativa, rápida, chocante, mordaz, com domínio da língua e da gíria popular. Algumas pérolas: “Durante seis meses foi o que se chama um viúvo inconsolável. Vestido de preto, de alto a baixo, fazia questão da própria tristeza. Era, em verdade, uma tristeza total e minuciosa, que não admitia um vago, um tenso sorriso (…) Sandoval ficou com os defeitos do pai, da mãe e os próprios. Tinha todos os defeitos deste mundo e do outro e, inclusive, tomava dinheiro de mulher (…) Lourdinha percebeu, então, que fora o som deste riso que a conquistara. Sim, era um riso de muitos dentes, escancarado e vital. Ela não teve mais dúvidas: apaixonara-se por esse homem. Só no fim quando pagou a despesa, já completamente bêbado, ele balbuciou: Sou casado, ouviste? Casadinho!”.
Saborear, dar risada, tirar importância das tragédias que nos mesmos montamos na nossa vida, por vezes tão cinzenta, leva tempo. Carece de demora, como diria Guimarães Rosa. Foi por isso que demorei tempo, mais de ano, em degustar os inéditos da vida que o Nelson afirma ser assim. Uma ou duas por dia, nem todos os dias, com paradas estratégicas, deixando chegar a saudade, para voltar a livro.
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