King Richard: Criando Campeãs. Superando dificuldades, a força da família, educação de excelência

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King Richard. Dir: Reinaldo Marcus Green. Will Smith, Tony Goldwyn,  Aunjanue EllisJon BernthalSaniyya SidneyDemi SingletonAndy Bean, 142 min. 2021.

King Richard: Criando Campeãs

Confesso que tinha minhas dúvidas quando tropecei com uma crítica deste filme. O tênis sempre me atraiu, mas pensei -equivocadamente, os tais preconceitos que com a idade vão se acumulando- que seria auto promoção das irmãs Williams que, por sinal,  bancaram a produção do filme. Também rondavam minha cabeça os comentários, nem sempre elogiosos, de alguns amigos amantes do tênis em relação às irmãs Williams, feitos décadas atrás quando estavam no foco dos campeonatos. “Jogam bem, mas fazem muita posse, muita figura, gostam de aparecer…Às vezes, parece que estão desfilando numa escola de samba”.

King Richard: Criando Campeãs: Demi Singleton, Will Smith, Saniyya Sidney

Esta ideia ficou na minha cabeça a modo de preconceito, até que um dia, por conta de um congresso médico em Atlanta. a cidade de Martin Luther King, vi desfilar as garotas de um colégio numa festa: uma parade infantil. Acompanhavam o ritmo como ninguém, e pensei que se ao invés do colégio na Georgia, estivessem, por exemplo, na  Mangueira, o fariam com igual maestria. A questão vai no sangue moreno, vamos dizer afro-americano para ser correto.

Tudo seja dito, correto para nós, deste lado, visto que do outro, nem sempre se liga para isso. Morgan Freeman já disse que ele não gosta do termo afro-americano, que ele é negro mesmo. E, no meio verde amarelo, aquele emblemático lance do comentário de futebol, num mano a mano entre Galvão Bueno e Pelé. Galvão falou alguma coisa de um jogador “de cor”, e o Rei retrucou: “De que cor estamos falando Galvão?” Desfiles colegiais, passistas de escola de samba, ou tenistas, não dá para ignorar o ritmo que, naturalmente, corre nas veias delas.

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Frank Wynne: “Eu fui Vermeer”.

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Frank Wynne: “Eu fui Vermeer”. (A Lenda do Falsário que enganou os nazistas). Companhia das Letras. São Paulo, 2008. 295 págs.

Um escritor e jornalista irlandês leva-nos até o difícil mundo da arte. Não que a arte seja difícil, mas o difícil mesmo é acreditá-la como tal nos cânones prescritos. O que não quer dizer que sejam os melhores, ou irrefutáveis; simplesmente são os vigentes e, justamente por isso, são prato cheio para o mercado negro da arte, para a falsificação. Anota Wynne: ” Falsificação é o lado escuro da arte, o vício sem o qual a virtude é impossível. Enquanto a humanidade cobiçar objetos por sua história, sua beleza, sua proximidade com o gênio, o falsário estará a postos com um sorriso zombeteiro, pronto para satisfazer a demanda”. A vida e arte de Han Van Meegeren, o falsário que incarnou Vermeer com perfeição, é o tema deste instigante livro.

O escritor mergulha, a modo de preambulo, no mundo das falsificações, já que “o porquê da falsificação é mais espinhoso que o como. Para os críticos de arte, o falsário é um artista medíocre em busca de vingança; para a mídia, é um trapaceiro interessado unicamente em dinheiro; para o apologista, é igual aos mestres que forjou; para o público, muitas vezes, é um herói popular”. Entrevista outros falsários, que lhe ilustram acerca desse mundo, escuro e, ao mesmo tempo, sugestivo: “O que realmente me fascina  é o ‘efeito varinha mágica’; você rabisca a assinatura do pintor certo no lugar certo e, de repente, as portas se abrem. Eu custo a crer que criei Picassos autênticos. Mas toda vez que folheio o catalogue raisonné, lá estão eles”. E continua: “A maioria das falsificações são vendidas de uma pessoa para outra, e nesse processo, elas se tornam mais autênticas: quanto mais vezes são vendidas, quanto mais tempo ficam numa galeria, mais autênticas são”.

Um artista não reconhecido, que vive no século XX,  quando a fotografia desloca o realismo pictórico que reage com o movimento impressionista. Essa era a época que lhe tocou viver a Han van Meegeren. O conselho que lhe deram quando jovem, é o estopim para esse anacronismo pictórico: “não basta desenhar, nem desenhar bem. Você não pode competir com a câmara em termos de precisão mecânica -nem deve. O pintor, para ser grande, tem de ir além da superfície, tem de pintar o que está dentro, o que ele vê dentro do seu tema”.

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Munique: No Limite da Guerra

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História:  Releitura, interpretação ou aprendizado?

Munich: The Edge of War. 2021. Diretor: Christian Schwochow. Jeremy IronsAugust DiehlGeorge MacKayUlrich MatthesLiv Lisa FriesAlex JenningsJannis Niewöhner. Reino Unido 123 min, 2021.

Motivado por um comentário que me chegou -destacando a intepretação sublime de Jeremy Irons- e por algum outro que li, não me lembro onde, apertei o play para assistir mais um filme sobre a segunda guerra, ou melhor, sobre os prolegômenos.

Uma surpresa agradável, de impacto. E me fez pensar, muito. A conferência de Munique, um ano antes da invasão alemã à Polonia que daria a largada para o conflito mundial que se arrastaria por seis anos, foi uma tentativa de segurar o inevitável. Uma leitura simplista da história mostra que, no final das contas, o teatro montado por Hitler e Mussolini, tendo como coadjuvantes-títeres, os franceses e os ingleses -imenso Jeremy Irons como Chamberlain, insisto porque merece- não adiantou grande coisa. Aparentemente. Mas esse é o ensinamento que o filme me sugeriu.

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Maria Dueñas: SIRA

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Maria Dueñas: SIRA Ed. Planeta. Madrid. 2021. 648 págs.

Por conta da Tertúlia Literária deste mês debruço-me sobre a segunda parte de O tempo entre costuras que, agora estampa como título o nome da protagonista: Sira. Mas, por aquilo de que segundas partes são sempre suspeitas, decido antes, reler -com rapidez e voracidade- a primeira. Consulto as notas que tomei naquela ocasião, embora, inevitavelmente surgem outras que não incluo aqui, para não me estender desnecessariamente.

Mesmo assim, não consigo evitar dois rápidos aspectos que iluminam, em zoom mágico, as páginas de Sira. O primeiro é relativo à protagonista e seus predicados, dois em concreto: a criatividade maravilhosa da costureira, o segundo as mudanças de identidade à qual o destino a empurra continuamente. Uma costureira espiã, de elegância ímpar. Traduzo livremente do original em espanhol, que obviamente foi o que eu li, por questão telúrica, de raízes.

 “E então o inesperado aconteceu. Nunca poderia imaginar que a sensação de ter uma agulha entre os meus dedos pudesse ser tão gratificante. A satisfação de costurar de novo foi tão agradável que durante algumas horas me levou a tempos mais felizes e conseguiu dissolver temporariamente o peso de chumbo das minhas próprias misérias. Era como estar de volta a casa. Quando trabalham bem, as costureiras são capazes de ganhar lealdades até à morte”

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Martha C. Nussbaum. Emociones Políticas.¿Por qué el amor es importante para la justicia?

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Martha C. Nussbaum. Emociones Políticas.¿Por qué el amor es importante para la justicia? Paidós. Barcelona, 2014. 555 págs.

Leio a versão espanhola do ensaio da filósofa e professora americana, exemplar que comprei numa das minhas passagens pela Casa del Libro em Madrid. Deixei-o repousar na prateleira -os livros cada vez se me assemelham mais ao vinhos, precisam de repouso, de encontrar o momento certo- e o desentoquei nas férias no final do ano. O subtítulo -o amor para chegar na justiça- foi, sem dúvida, o que me provocou para adquiri-lo. Afinal, e bom saber o que uma professora de filosofia política tem a dizer da importância do amor para praticar a justiça.

O ensaio é longo, repetitivo. Nota-se que corresponde a uma tese muito pessoal, mais do que a um raciocínio expositivo. Por isso, há momentos em que é preciso exercitar leitura dinâmica, porque já sabemos onde quer chegar. É, na prática, um curso sobre como as emoções devem alavancar as leis para que elas “grudem e cativem” o público. Algo que, no nosso cenário verde amarelo, faz completo sentido.

Diz a professora da Universidade de Chicago: “Todos os princípios políticos, tanto os bons como os maus, precisam para sua materialização e sobrevivência de um apoio emocional que lhes procure estabilidade ao longo do tempo, e todas as sociedades decentes devem proteger-se frente à divisão e a hierarquização, cultivando sentimentos de simpatia e amor. Supor que somente as sociedades fascistas ou agressivas, são intensamente emocionais, e que são as únicas que devem se esforçar para perdurar, é tão errado como perigoso”. Bela advertência, que alerta para a ingenuidade de justiças puras e assépticas, enquanto os carismáticos pintam e bordam, justamente porque sabem usar as emoções como passaporte de entrada nos corações dos povos.

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Finch: Humanizar o robô, para nos humanizar a nós?

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Finch. Diretor: Miguel SapochnikTom HanksCaleb Landry  Jones. 115 min. USA:  2021

Existem atores que enchem a tela. Não porque pequem de narcisismo ou de arrogância estúpida, mas porque funcionam muito bem nesse registro. Também não quer dizer que sejam os melhores, mas que em voo solo sabem incarnar o papel:  dão o recado, desdobram o miolo da mensagem e chegam facilmente no coração e na cabeça do espectador. Porque, isso sim, os atores de performance solitária,  estão necessariamente atrelados a alguma carga de profundidade que destila dos fotogramas. Foi assim recentemente com Sandra Bullock em Imperdoável. É o caso de Tom Hanks em Finch, que agora toma conta destas linhas.

Hanks tem já um bom percurso neste modelo. Naufrago, sem dúvida, um exemplo emblemático, impossível não evocar enquanto assistimos o filme que nos ocupa. Mas também outras atuações como Greyhound ou Sully. E também atuações onde as outras personagens não passam de coadjuvantes, porque o protagonista carrega tudo nas próprias costas. Ai está A Ponte dos Espiões; e, naturalmente Forrest Gump,  o ponto fora da curva, que vive num mundo dele (que gostaríamos fosse o nosso).

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Nelson Rodrigues: “ A Vida como Ela é…..em 100 inéditos”.

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Nelson Rodrigues: “ A Vida como Ela é…..em 100 inéditos”. Ed. Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 2012. 440 págs.

Não sei se a vida é como Nelson a pinta, repleta de bizarrices, de comportamentos chocantes, de virtude pacata desmascarada na hora do vamos ver. Provavelmente não, porque isto lembra Notícias Populares, onde somente o escândalo retorto tinha vez. A vida não é assim. Mas as paixões são essas mesmas, e pode haver muito disto – e também de virtude, que tem menos apelo literário para crónicas- na hora de narrar uma vida.

Mas o que importa é o modo com o Nelson conta, a força da narrativa, rápida, chocante, mordaz, com domínio da língua e da gíria popular. Algumas pérolas: “Durante seis meses foi o que se chama um viúvo inconsolável. Vestido de preto, de alto a baixo, fazia questão da própria tristeza. Era, em verdade, uma tristeza total e minuciosa, que não admitia um vago, um tenso sorriso (…) Sandoval ficou com os defeitos do pai, da mãe e os próprios. Tinha todos os defeitos deste mundo e do outro e, inclusive, tomava dinheiro de mulher (…) Lourdinha percebeu, então, que fora o som deste riso que a conquistara. Sim, era um riso de muitos dentes, escancarado e vital. Ela não teve mais dúvidas: apaixonara-se por esse homem. Só no fim quando pagou a despesa, já completamente bêbado, ele balbuciou: Sou casado, ouviste? Casadinho!”.

Saborear, dar risada, tirar importância das tragédias que nos mesmos montamos na nossa vida, por vezes tão cinzenta, leva tempo. Carece de demora, como diria Guimarães Rosa. Foi por isso que demorei tempo, mais de ano, em degustar os inéditos da vida que o Nelson afirma ser assim. Uma ou duas por dia, nem todos os dias, com paradas estratégicas, deixando chegar a saudade, para voltar a livro.

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Charles Dickens: Um conto de Natal

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L& PM Pocket. 111 pgs.

A releitura do Conto de Natal, o clássico de Dickens, é sempre uma tentação convidativa nesta  época do ano. Sabendo disso, e com a certeza de que muitos dos participantes da tertúlia literária já o tinham lido, decidimos escalá-lo para nossa conversa alguns dias antes do Natal. Afinal, todos somos um pouco como o protagonista, Scrooge, que precisa da lembrança atual dos natais passados para entender o presente, visualizar o futuro, e mesmo assim esquece.

O homem é um ser que esquece , diziam os clássicos latinos. Não esquece os detalhes, a lista de agravos, as desfeitas que fizeram com ele; tudo isso ele o guarda ciosamente, e muitas vezes acaba azedando. O esquecimento é, lamentavelmente, das coisas importantes: dos sonhos, dos projetos, dos propósitos de melhora. Enfim, Scrooge personalizado em cada um. Por isso, a pequena obra maestra de Dickens nunca perde atualidade.

A maestria de Dickens está muito bem descrita no prefácio: “Colocou-se sempre ao lado dos velhos, dos órfãos desamparados, das crianças desumanamente empregadas na indústria, dos pais de família desempregados. Em sua literatura, lamentou sobre a simplicidade e a inocência perdidas e, de modo engajado e edificante – na melhor acepção do termo –, tentou trazer à tona os melhores sentimentos das pessoas, sem nunca deixar de lado o entretenimento. São estes conflitos modernos da vida real, de perda de valores ancestrais e familiares, de degradação dos laços sociais, que Dickens resolve na literatura e, especificamente, em Um Conto de Natal, mas sem jamais manchar, ofender ou criticar abertamente as instituições vitorianas. Dickens esteve entre os primeiros a detectar os males da sociedade moderna, ainda mais partindo do coração da poderosa Inglaterra vitoriana, e Scrooge, com sua ganância pelo lucro, é o seu símbolo maior para toda a crueldade do capitalismo selvagem. Deste modo, onde ainda houver sentimentos  de solidariedade para com os excluídos, amor às reuniões familiares, vontade de congregação entre as pessoas e estranheza frente às frias relações de comércio e trabalho, Um Conto de Natal continuará atual”.

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Imperdoável: Vigiar os pensamentos do coração.

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The Unforgivable. Dir: Nora Fingscheidt. Sandra BullockViola DavisVincent D’Onofrio. USA 2021. 112 min

Tropecei com o filme, ou melhor, com as palavras chave. Sandra Bullock, vinte anos de prisão, assassinato, criminosa rejeitada pela sociedade. Não precisou mais: a faísca saltou, como arco voltaico, e lá estava eu na frente dos fotogramas que, lentos, sem pressa, se sucediam. Pressa para o que? Uma vida partida, vinte anos perdidos, e a reputação no lodo, sem remédio. E tudo concentrado na face desfeita, no olhar triste e conformado, no andar trôpego de uma Sandra Bullock em plenitude. Enchendo a tela, as nossas cabeças, apelando para a consciência. Uma tragédia sem volta, um final conhecido -lembrei de Antígona, de Desdêmona, de Lucia de Lammermoor.

Não há o que descrever, nem é possível aventurar-se com o argumento que, de outra parte, é simples, duro, insolúvel. É preciso assistir com atenção, com respeito, e apalpar o sofrimento que a atriz -insisto, em estado de graça- o torna próximo, verossímil, doloroso. As conclusões -e os aprendizados, imensos- virão em decorrência. E nos cutucarão, porque o filme é isso: uma chacoalhada na consciência do espectador.

Recentemente comentamos na nossa tertúlia literária um livro que adverte do perigo da palavra ociosa, do julgamento frívolo, de manchar a fama do próximo: Reparação . Todos saímos da nossa reunião de pensadores com a ideia clara de que é preciso vigiar -em marcação cerrada- as palavras, o que falamos dos outros, porque o estrago dificilmente tem conserto, como mostra a obra de Mc Ewan.  

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