Harper Lee: “O Sol é para Todos”

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Harper Lee: “O Sol é para Todos”. José Olympio Ed. Rio de Janeiro, (1988). 363 pgs.

o sol é para todosMais uma vez, as tertúlias literárias mensais brindam uma oportunidade ímpar. Não apenas para reler o clássico de Harper Lee, mas sobretudo para comentar, compartir, escutar e mergulhar nas reflexões que a boa literatura desperta.  Tudo pautado por uma primorosa tradução, até o ponto de que, em se desconhecendo a origem do texto, facilmente passaria por vernáculo. Não é pouco o mérito, pois com bastante frequência nos defrontamos com traduções que afastam do original, até repelem. Nesta ocasião, a viveza e agilidade, principalmente do linguajar da protagonista, é tremendamente verossímil. O mundo visto pelos olhos de uma criança de 8 anos impregna-se de expressões acordes ao sentir verde-amarelo.

A criança é Scout, garota precoce, o miolo do romance. Pensei –inevitável- em Mafalda, e até me perguntei sobre a possível influência no cartunista argentino, Quino, criador da personagem. Uma breve pesquisa aponta que Mafalda aparece em 1962, justamente um ano após Harper Lee ganhar o prêmio Pulitzer com o romance que agora nos ocupa. Evidentemente, são apenas conjecturas. Mas servem para nos situar.

A tertúlia literária caminhou por rumos inesperados. Houve quem disse que, já passados os 60, continuava a sentir-se como Scout, porque tinha uma criança dentro que sempre se esforçava em escutar. É o entusiasmo da criatividade, de querer fazer um mundo melhor, não apenas ingenuidade mas o desejo maduro de quem sabe possuir essa capacidade de provocar mudanças. Também houve quem comentou que depois de ter lido o livro várias vezes, somente agora reparou que Atticus Finch, o advogado pai de Scout, lembrava-lhe o próprio pai.

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Uma Boa Mentira: Virtudes humanas em estado puro. Sem vírgulas.

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The Good Lie. USA. (2014). Diretor: Philippe Falardeau.  Reese Witherspoon, Corey Stoll, Sarah Baker, Sope Aluko, Sharon Conley, Mike Pniewski, Arnold Oceng, Clifton Guterman, Ger Duany, Emmanuel Jal. 110 min. 

Uma boa mentira - capaUma lufada de ar refrescante. Imprevista. Tinha este filme nos meus arquivos, vários meses esperando. Algo tinha lido em alguma crítica: ativista americana que ajuda refugiados sudaneses. Mais do mesmo, pensei. E deixei esperando. Um dia –sempre é desse jeito- , sem pensa-lo muito (aliás, parece-me que tinha previsto assistir outro filme), coloquei-o na tela do computador, talvez até por engano. E deixei correr. Vejo jovens africanos embarcando de um campo de refugiados para América. E a seguir, em flashback, a explicação conveniente.

Imediatamente, conforme as lembranças dos protagonistas desfilam na tela, a minha memória evoca outras paralelas, vindas de um livro que li há alguns meses. Correr para viver. A história de um refugiado sudanês, que acaba se transformando em atleta olímpico em USA. O livro é sua história, e o débito que com justiça e com elegância paga a todos os que lhe ajudaram. Uma boa mentira - 7Aqui os protagonistas são outros, não parece que tenham aptidões especiais como o corredor do livro, mas evidentemente o marco histórico é o mesmo. Os meninos perdidos do Sudão, órfãos durante a guerra civil de 1983 que assolou o pais e emigraram para os campos de refugiados do Quênia. No final dos anos 90 começa o êxodo facilitado pelos Estados Unidos, que através de organizações variadas, acolhe os órfãos sudaneses. Até o 11 de Setembro, onde o processo se interrompe, por motivos de segurança. O filme –como o livro- conta uma história real, e os atores são realmente emigrados sudaneses, ou filhos daqueles. Argumento simples, atitudes humanitárias, enfim, um capítulo da história humana que carrega lamentos pelas barbaridades perpetradas e louvores para os que tentaram minimizá-las.

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Joseph Nicolosi, Linda A. Nicolosi. Cómo prevenir la homosexualidad

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Joseph Nicolosi, Linda A. Nicolosi. Cómo prevenir la homosexualidad (A Parent’s Guide to Prevening Homosexuality) Palabra. Madrid (2009). 208 págs.

Cómo prevenir la homosexualidadO livro, tradução espanhola do original em inglês, tem por autor o fundador da NARTH (National Association for Research & Therapy of Homosexuality). Esta instituição oferece psicoterapia a todos aqueles homens e mulheres homossexuais que buscam uma mudança na orientação sexual. Respeitando o direito dos indivíduos a escolher o seu próprio destino, a NARTH fundada em 1992, abre um fórum de discussão e ajuda terapêutica para aqueles que se defrontam com uma homossexualidade não desejada.

O livro recolhe a ampla experiência clínica deste  psicólogo americano e se constitui numa coleção de conselhos e advertências dirigidas principalmente aos pais. Sem entrar em polêmicas, atenta para as ações terapêuticas que, com apoio de um profissional, os pais podem praticar quando se deparam com um filho com Transtorno de Identidade de Gênero  (TIG).

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Juan Antonio Vallejo-Nágera: “Perfiles Humanos”

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Juan Antonio Vallejo-Nágera: “Perfiles Humanos”. Planeta. Barcelona. 1992. 196 pgs.

Perfiles HumanosComo o autor deixa claro no prefácio, esta obra não tem pretensões biográficas. São páginas que se leem com gosto, em cômodas prestações, como pinceladas vitais, que misturam o anedótico com momentos de relevo, de meia dúzia de  personagens históricos. Uma espécie de divertimento, a modo de variações Mozartianas, por seguir o gosto do autor, médico psiquiatra, homem de inegável cultura.

Assim, encontramos na ouverture a Lucrecia Borgia,-a filha de Rodrigo que passou a historia como o Papa Alexandre VI- e sua beleza impar pela que disputavam reis, nobres e até cardeais. A seguir, o rei Felipe III que sendo honesto e fiel, tinha como imenso lastro e desafio da sua existência, ser o sucessor de Felipe II e do Imperador Carlos V , seu avô: o peso tremendo de honrar o sobrenome familiar dos Áustrias, e manter o império onde o sol nunca se ocultava. As páginas dedicadas a Mozart –de quem o autor se confessa devoto absoluto- discorrem nos dias finais do gênio da música que rodeiam a sua precoce e misteriosa morte; a lenda do envenenamento, e da humilhante realidade: até hoje não sabemos onde estão os restos mortais de Mozart. Também os venenos mortais saem a tona nas páginas dedicadas a Napoleão, embora o protagonismo dessas notas o ocupem as extravagâncias do Imperador e as brigas com o seu carcereiro inglês, Hudson Lowe no desterro final na ilha de Santa Elena. Sem omitir várias dos muitos espasmos temperamentais de Bonaparte: pisotear chapéus ou quebrar relógios após as derrotas, e um mau humor insuportável. Lá está a exclamação de Tayllerand após sofrer uma das muitas humilhações em público, especialidade do Imperador francês: que pena que um homem tão grande esteja tão mal educado.

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O Ano mais violento: Liderança fecunda na serenidade

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(A Most Violent Year). USA, 2014. Diretor: J. C. Chandor. Oscar Isaac, Jessica Chastain, David Oyelowo, Alessandro Nivola. 125 min.

Filme - O ano mais violento - 1Dispunha-me a assistir este filme relaxadamente, sem o compromisso de buscar mensagens, ou entrever desdobramentos. Algum comentário tinha-me chegado às mãos: um bom roteiro, com elementos colocados a modo de quebra-cabeças, orquestrados por J.C. Chandor, o mesmo diretor de Margin Call- O dia antes do fim. Aquele foi um filme que me agradou. Uma trama onde, moralmente falando, ninguém se salva. Corrupção, estelionatos, aproveitadores, jovens executivos aprendendo o caminho das pedras do sucesso. O mal caminho, entenda-se. Como tirar partido dos outros para sair triunfadores. E um cinismo blindado a qualquer possibilidade de compaixão pelas necessidades alheias. O preço de cada homem. E no final, a decepção, o vazio, a solidão.

Sob a batuta do mesmo diretor, e tratando-se de um empresário de sucesso acossado pela concorrência desleal, imaginei que seria uma variante sobre o mesmo tema. De fato, a trama de fundo é exatamente essa. O amplo repertório de ações espúrias que os concorrentes –e o poder constituído- empregam na tentativa de tirar do meio um imigrante empreendedor, que triunfa no seu negócio. Mas com tudo o que isso pode ter de interessante –e atualíssimo!!!- não seria motivo para sentar e escrever estas linhas. Divulgar e comentar o que não funciona, colocar a lama da corrupção no ventilador, não me atrai. É mais do mesmo, semelhante ao que todos os dias inunda nossas redes sociais. Nada disso me impulsionaria a compartilhar com os possíveis leitores, as reflexões que se acumulavam na mente e no coração enquanto assistia o filme.

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Lopez Lomong: “Correr para vivir”

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Lopez Lomong: “Correr para vivir”. Astor, Palabra. Madrid. 2014. 300 pgs.

Lopez Lomong - Correr para vivir     Quando me recomendaram este livro (que li em espanhol, não há versão portuguesa, mas a linguagem é fácil de entender) o primeiro que me perguntei é o por que do nome do protagonista que é também quem escreve.. López não me parecia um nome adequado para um sudanês. Vim descobrir depois que López é, na verdade, Lopez, palavra oxítona, um curioso resultado de Lopepe –termo que significa veloz na linguagem do Sudão- com Joseph, o nome que lhe foi imposto no Batismo, sendo também sua identificação em USA, o pais que lhe acolheu.

Porque a história de Lopez é uma aventura real. Um garoto de seis anos, sequestrado pelos revolucionários sudaneses durante a guerra civil, que consegue escapar do cativeiro, fugir do seu país, para acabar num campo de refugiados no Quênia. E tudo isso correndo, dias e noites, distâncias que são difíceis de acreditar. Foi desse modo como esse jovem, hoje atleta olímpico, descobriu seu potencial. A família já intuía esses dons quando o apelidou Lopepe –rápido- pois esse era o modo de realizar os encargos que a mãe lhe dava quando criança: sempre correndo, com celeridade inusitada.
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Charles Dickens: “Um Conto de Duas Cidades”

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Charles Dickens: “Um Conto de Duas Cidades”. Nova Cultural. São Paulo. 2002. 510 pgs.

Charles Dickens - Um conto de duas cidades     Uma nova tertúlia literária, brinda-me a oportunidade de reler o clássico de Dickens. Lembrava das duas cidades –Londres e Paris- , da revolução francesa, e das mulheres que tricotavam enquanto assistiam aos trabalhos do novo invento, a guilhotina. Como um divertimento, como aquela “lepra da irrealidade desfigurava cada ser humano”. Mas, as personagens me escapavam, embaçadas na memória…. E Dickens é um autor de personagens. Vale pois o esforço de reler, e as surpresas.

Personagens, e descrições, sempre britânicas. Anotei a que descreve a “metodologia de treinamento” do Banco Tellson de Londres, porque me pareceu significativa. “Quando a casa de Londres do Tellson Bank contratava um jovem, por certo o escondia em algum lugar até envelhecer. Provavelmente guardavam-no num lugar escuro, como fariam com um queijo, até ele adquirir uma tonalidade esverdeada de bolor. Só então o autorizavam a aparecer em público, formidavelmente absorvido nos imensos livros, acrescentando suas vestimentas antiquadas ao peso geral do estabelecimento”.
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Gustavo Corção: “Lições de abismo”

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Gustavo Corção: “Lições de abismo”. Ed. Agir. São Paulo. 1976. 265 pgs.

Corção - Lições de abismo     Estava com vontade de reler Lições de Abismo. Deixou-me marca no seu dia, há mais de 25 anos. Agora, convocado para coordenar as reuniões literárias mensais surge a oportunidade de voltar sobre páginas que a correria do dia a dia não oferece o espaço que merecem para saboreá-las de novo. Lá encontro muitas das ideias que venho usando nestas quase três décadas, plasmadas em prosa elegante, clara, direta, sugestiva. E, nos comentários dos assistentes á tertúlia literária, novas iluminações sobre temas essenciais. Porque o livro de Corção –seu único romance- é mesmo uma lição de abismo, profunda. Na verdade, o romance é mera desculpa para filosofar em voz alta. Uma filosofia que chega junto de nós, em conversa de boteco, impregnada de sabedoria do quotidiano. “O homem precisa mais de assunto do que de pão. E como as mais irrespiráveis abstrações tem sempre raiz no que se vê e no que se ouve, é preciso de tempos em tempos ir esfregar o eu-dormente nas boas coisas que acontecem, para evitar as cãibras da alma”.

Lembrava bem do argumento, quer dizer, de desculpa para arrancar este ensaio em forma de romance. O protagonista recebe do médico a notícia que teme: está com câncer. Seu tempo é limitado, entra na contagem regressiva, dispara-se a reflexão. Não recordo se na época que li chamou-me a atenção as digressões para com os médicos. Hoje, com quase 35 anos na profissão, não tenho como deixar passar. São precisas, definitivas: “A mais angustiosa suspeita de qualquer doente é justamente a de que não estão dando todo o particular valor ao seu particularíssimo caso. Seu medo é que o médico, ainda que não se equivoque, fique perdido no vago domínio das generalidades. O doente, para o médico, quer ser um filho único, quer ser um namorado. Quer ser concreto”.
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Uma Vida Comum: O Encanto de uma rotina iluminada

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Still Life. (2013). 92 min. Diretor: Uberto Pasolini . Eddie Marsan, Joanne Froggatt.

Still life     Uma vida comum. Esse é o título que nos oferece a tradução brasileira. Correto, resume o contexto, mas não chega a ser tão desafiante como o original: Still Life, natureza morta. Esse sim é preciso, audaz, impactante. Igual que a temática, a interpretação –quase um solo extraordinário do protagonista- e os detalhes nas tomadas da câmara. Nada sobra, nada falta. Um quadro perfeitamente encaixado, silencioso e gritante, instigador. Uma verdadeira natureza morta pintada, para maior requinte, por um diretor italiano transplantado na Inglaterra. Uma bela mistura que cristaliza num filme singular e intrigante.

     A estética merece comentários, muitos, e sem dúvida de mais categoria do que estes. Mas não é o propósito destas linhas. Mais do que descrever o quadro, o nosso é relatar o que o quadro nos provoca. E, isso sim, origina uma enxurrada de reflexões. Tive muitas quando o vi, vieram muitas mais depois –aquele efeito retardado próprio dos filmes de categoria-, e ampliaram-se quando coloquei a fita como base de um cine-debate com universitários. Ninguém tinha assistido o filme ainda –nos dias de hoje um verdadeiro recorde- e eu sentia a necessidade de observar as reações, os comentários, de espectadores variados para ampliar um universo de percepções que, desde o início, suspeitei ser de grande riqueza.Leia mais

Khaled Hosseini: “O Caçador de Pipas”

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Khaled Hosseini: “O Caçador de Pipas”. Ed. Nova Fronteira. 2003. Rio de Janeiro, 365 pgs.

O caçador de pipas     Por alguma razão, que nunca tive muito clara, sempre me resisti a ler best-sellers. Talvez uma certa alergia ao gosto massivo por novidades que nada tem a ver com qualidade. A culpa, evidentemente, nunca é da obra, do livro, do filme. Mas sim  do ambiente que gravita sobre a novidade em questão, sem tomar consciência do por quê. Algo parecido com a famosa maçã de Newton, que cai sem saber exatamente os motivos; somente um observador atento, é capaz de desentranhar as razões e os mecanismos da queda.

     Agora vi a maçã cair, e entendi um pouco melhor a minha repulsa pela novidade. Aconteceu-me numa das reuniões literárias de um projeto de longevidade –um modo elegante para falar das atividades culturais com a terceira idade- ao qual sou convidado como moderador, num hospital em São Paulo. O livro que tinha sido sugerido é este que nos ocupa. Comprovei que todos os presentes já o tinham lido –tempo atrás, quando era recorde de vendas. Eu tive de ler expressamente para esta ocasião, pois não o fiz na época do boom editorial. Gostei, tomei notas, enquanto me perguntava pelos comentários que viria ouvir na reunião literária.

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