Claudio Magris: Danúbio
Companhia das Letras. São Paulo. 2008. 448 págs.

Tinha separado este livro faz tempo, anos atrás. E, na época, um amigo grande leitor me advertiu: não é um livro simples, um romance, uma guia de viagem. É denso, tortuoso. Mas tem seu encanto. Tomei nota, deixei-o na estante, em compasso de espera. Uma viagem prevista, com passagem pela Europa Central, foi o gatilho para enfrentar a leitura deste que se considera a obra magna de Claudio Magris.
Vale esclarecer que Magris é um escritor e professor, nascido em Trieste -o que significa fronteira com o resto da Europa- especializado em germanismo. Danúbio é sim, o relato de uma viagem com amigos ao longo do rio que cruza Europa, mas é sobre tudo uma excelente desculpa para transpirar cultura, com muitas variações do seu próprio mundo interior. Um livro, por tanto, de não fácil leitura, onde é preciso pinçar conhecimentos, sem pretender abranger o trajeto salpicado de informações que ultrapassam o leitor comum.
Eis a overture, para fazer-se uma ideia: “O esboço é o rascunho de um estatuto para a vida, se for verdade que a existência é uma viagem, como se costuma dizer, e que atravessamos a Terra como hóspedes. De qualquer forma, mover-se é melhor do que nada: você olha pela janela do trem que atravessa a paisagem em alta velocidade, oferece o rosto ao frescor escasso que desce das árvores no calçadão enquanto se mistura às pessoas, e algo corre e atravessa seu corpo, o ar penetra em suas roupas, o eu se expande e se contrai como uma água-viva, um pouco de tinta sai do tinteiro e se dilui em um mar de tinta. Para desviar o olhar do próprio poço profundo, nada melhor do que direcioná-lo para a análise da identidade do outro, para se interessar pela realidade e pela natureza das coisas (…) Santo Agostinho estava em parte errado quando nos exortava a não sair de nós mesmos: quem permanece sempre em si mesmo, fantasia e se perde, acaba queimando incenso para algum ídolo esfumaçado que surge dos escombros de seus medos, vazio e insidioso como os pesadelos que a oração noturna convida a desaparecer”.
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