José Ortega y Gasset: Missão da Universidade

Pablo González BlascoLivros Leave a Comment

Editora UERJ. Rio de Janeiro, 1999. 129 págs.

Volto sobre esta obra clássica após quase três décadas. Lembro do entusiasmo que me provocou sua leitura quando estava concluindo o doutorado, e de que presenteei alguns dos meus mentores com um exemplar do livro. Anos depois, num mano a mano com um jovem médico que fez nosso programa de formação, escrevemos um artigo transpondo o pensamento de Ortega para a Educação médica. Nestes momentos em que me encontro envolvido na elaboração de um Programa de Pós Graduação, sinto necessidade de voltar às bases, repensar o que é, o que deveria ser a Universidade. Aqueles livros, que parece solicitarem a releitura, têm o seu momento oportuno.

Um pouco de história para centrar o tema e o livro de José Ortega y Gasset (1883-1955). Filósofo espanhol notável pela lucidez de suas ideias, Catedrático de Metafísica na Universidade de Madrid, escritor prolífico e colaborador habitual na imprensa, onde publicava muitas das suas obras e conferências. Escritor de prosa fácil, inteligível e sugestiva, é um dos maiores expoentes de filosofia espanhola e um verdadeiro paradigma entre os pensadores do século XX. No fim da década de 1920, apresentou aos alunos da Universidade de Madrid uma série de conferências que posteriormente foram transcritas e publicadas (1930, primeira edição) sob o título A missão da Universidade. Trata-se de uma exposição clara e didática dos aspectos que envolviam o ensino universitário da época. Na verdade as ideias de Ortega –como tantas realidades filosóficas- são atemporais: as questões que comenta são surpreendentemente atuais, sendo possível analisar à luz de suas considerações os problemas que enfrentam as instituições de ensino superior. As dificuldades apontadas pelo influente filósofo espanhol – assim como as que vivemos nos dias de hoje – poderiam ser resumidas em três palavras: desvio de função.

De volta às páginas do livro, que vou relendo com o mesmo entusiasmo, tropeço no início com um comentário sobre uma possível reforma universitária: “A reforma universitária não pode reduzir-se à correção dos abusos, nem mesmo consistir essencialmente na sua correção. A reforma é sempre a criação de novos usos. Os abusos são sempre de pouca importância. Um sintoma claro de que os usos constitutivos de uma instituição são corretos é que ela pode suportar uma boa quantidade de abusos sem danos notáveis, tal como um homem saudável suporta excessos que aniquilariam os fracos. Mas, ao mesmo tempo, uma instituição não pode ser constituída em bons usos se não tiver sido rigorosa e corretamente determinada na sua missão”. E a seguir, a sintonia que a Universidade deveria ter com o mundo em que vive: “A escola, como instituição normal de um país, depende muito mais do ar público em que flutua do que do ar pedagógico artificialmente produzido dentro dos seus muros. Só quando há uma equação entre a pressão de um e de outro ar é que a escola é boa”. Quer dizer, a Universidade tem de contemplar o mundo real, sem blindar-se dentro do seu recinto.

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Dietrich von Hildebrand: O Coração

Pablo González BlascoLivros Leave a Comment

Cultor de Livros, S. Paulo, 2024. 199 págs.

Algum tempo atras anotei que a recente Encíclica do Papa Francisco, Dilexit-nos, dedica uma primeira parte para falar do coração humano, o que me levou a comentar um livro também lá citado, O universo religioso de Dostoievsky. Mas o tema do coração dá para muito, e revela-se particularmente importante nos dias de hoje. Dai prosseguir o estudo com esta obra clássica do pensador alemão, que enfrenta o assunto com audácia. Vale lembrar que se trata de um pensador católico, e escreve, em primeiro lugar para os que professam sua fé. Dai a defesa aberta e valente da importância do coração e da afetividade, tema que nem sempre foi contemplado pelos teólogos e filósofos católicos. Um belo complemento, no vácuo dos pensamentos do Papa Francisco.

Logo no início, Von Hildebrand adverte: “Por muitos anos, o tema das emoções, e o lado afetivo da natureza humana em geral, foi ou negligenciado pelos filósofos ou tratado superficialmente dentro do espectro de uma psicologia moral empirista que colocava os sentimentos na esfera do desejo subjetivo. Nem sempre foi assim. Se na Antiguidade razão e paixão eram contrapostas, já em Tomás de Aquino passa a existir um grau de reconhecimento e normatividade das respostas emocionais. Mesmo na filosofia de Aristóteles onde se diz na Ética a Nicómaco que ‘o homem bom não só quer o bem, mas também se regozija quando o realiza’, o coração tem um lugar rebaixado e desvalorizado”.

E continua destacando a importância da afetividade: “Uma felicidade somente pensada ou desejada (razão e vontade em ação) não é felicidade. A felicidade se torna uma palavra sem significado se a separamos do sentimento, única forma de experiência na qual pode ser vivida conscientemente”. E a seguir esclarece que “uma das razões para desvalorizar o âmbito afeito -para recusar em reconhecer ao coração uma posição análoga ao intelecto e à vontade- é identificar a afetividade com os tipos mais baixos de experiência afetiva. Consequentemente, o que se nega aos sentimentos corporais, estados emocionais ou paixões , acaba se negando também, de modo errado e injusto, a experiências afetivas como a alegria , o amor profundo, o entusiasmo nobre (….) A variedade de experiências dentro do âmbito afetivo é tão grande que seria desastroso encará-lo como algo homogêneo”.  

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André Maurois: Napoleão

Pablo González BlascoLivros Leave a Comment

Ed. Salvat.  1985. 183 págs. Epublibre Editor digital: Titivillus. 2019

Consta-me que os franceses, e muitos europeus, consideraram Napoleão, o filme de Ridley Scott, uma afronta por tratar o Imperador sem respeito, como se fosse um cômico de circo ou uma personagem de gibi (palavras textuais de uma crítica que, no seu dia, chegou até mim). Assisti ao filme, e não me desagradou; aliás, encontrei momentos geniais, fora uma interpretação magnífica de Joaquin Phoenix. Um ator especializado em figuras inclassificáveis, como o Coringa, e….como Napoleão.  

Lembrei-me de uma biografia de Napoleão que li há muitos anos, de um autor alemão, Emil Ludwig, onde ficava muito claro a extravagante e genial figura do Imperador Francês. Por exemplo, quando observa a batalha do alto de um morro, e consulta o relógio comprovando que o vidro quebrou-se: “Ou minha mulher -Josefina- morreu, ou então me é infiel”. Sem mais. E continua comandando o ataque. Quer dizer, mesmo com a irritação provocada pelo filme -que recomendo- Napoleão não era um individuo previsível, by the book.

Assim sendo, decidi consultar os acadêmicos franceses, e me fiz com uma biografia de Napoleão, escrita por André Maurois, de quem ficou-me uma ótima impressão de seriedade quando li, há quase 50 anos, a biografia de Disraeli. Um francês erudito, falando de outro francês: para evitar vieses. E o primeiro que me surpreendeu foi a extensão: menos de 200 páginas e, além do mais, ilustrada. De fato -pensei- para fazer uma boa biografia, não é preciso escrever uma enciclopédia. Basta ater-se aos fatos, e encontrar as interpretações acertadas da História, e da personagem que se estuda. O exemplar que consegui é em espanhol, de modo que as citações que coloco, são em livre tradução que, imagino, não desgostariam a Maurois.

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Taylor Caldwell: Médico de Homens e de Almas

Pablo González BlascoLivros 3 Comments

Ed. Record, 1978.  700 págs.

Faz muito tempo, bastantes anos, que este livro circula à minha volta, sempre através de comentários de amigos, pacientes, enfim, de todos os que sabendo da minha profissão, querem de algum modo ajudar-me na inspiração com o exemplo do médico evangelista, Lucas. Mas, o fato é que nunca me decidi a enfrentar a leitura. Até que agora não tive mais como fugir: um grande amigo, colega de turma, também escritor, simplesmente me entregou um exemplar. “Gostei, quero saber sua opinião”. Não havia como negar-se; enfrentei as 700 páginas nas férias do final de ano.

Logo no prefácio a autora confessa ser este livro um projeto pessoal da vida dela, no qual trabalhou muitos anos: “Meu marido e eu lemos literalmente mais de mil livros sobre Lucas e seus tempos, e recomendamos todo tipo de leitura relacionada. Se o mundo de Lucas parecer espantosamente moderno a algum leitor com implicações modernas, realmente isso se verifica”. E continua: “Assim, a história de Lucano, ou São Lucas, é a história da peregrinação de todos os homens através do desespero e das trevas da vida, através do sofrimento e da angústia, através da amargura e da tristeza, através da dúvida e do cinismo, através da rebelião e da desesperança até os pés e a compreensão de Deus. Essa busca de Deus e da revelação final é a única significação na vida dos homens. Sem essa busca e essa revelação, o homem vive apenas como um animal, sem conforto e sem sabedoria, e sua vida é inútil, seja qual for seu grau de poder e nascimento” Para concluir citando a Epicteto: “Seguramente Deus escolhe seus servos ao nascerem, ou talvez antes mesmo do nascimento.”

Esse é o objetivo da autora, e o propósito desta narrativa. E a denomino assim, porque não é uma biografia de Lucas, mas um romance, que certamente tem base histórica pela muita pesquisa. Esse registro desperta certa advertência, pois aborda-se uma personagem cujos escritos bíblicos têm sido amplamente estudados. Mas visto como um romance, onde a maior parte do livro centra-se na suposta vida pregressa de Lucas -a busca de Deus, como diz Caldwell- pode se ler com descontração. Foi o que eu fiz. Desfilei pelas páginas, como saboreando um romance.

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Para além do Oscar 2025: Os filmes ocultos… que não desfilam na passarela

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Todos os anos, nestas datas, sei que vai chegar a pergunta inevitável…..por vários caminhos: E do Oscar, o que você recomenda? É o imposto a pagar quando, de modo imerecido, você cria fama de crítico de cinema. Eu não me considero um crítico de filmes, mas apenas um amante do cinema, que utilizo como recurso pedagógico, nas minhas empreitadas docentes. Principalmente na educação médica, para mostrar aos médicos o que é o ser humano -um detalhe que, com muita frequência, acabam esquecendo. Nesse registro situam-se a maioria dos meus livros, incluído o último que publiquei.

Não posso dizer que vi todos os filmes elencados para o Oscar 2025. Mas dos que assisti até agora, que foram bastantes, a pergunta que surge é: o que sobra de tudo isto?  Coloca no liquidificador, bate com parcimônia, para obter um suco… medíocre, com sabor inidentificável. Alguma surpresa agradável ao paladar, como Setembro 5, magnífico roteiro para contar a tragédia das Olimpiadas de Munique, 1972, desde a perspectiva jornalística. Um festival tutti-frutti, com um elenco de luxo em Conclave, e um argumento que não consegue abranger o tamanho imenso dos atores (Fiennes, Tucci, Lithgow, Castellitto) -e da atriz, Isabella Rosselini que tem o mesmo olhar da mãe, Ingrid Bergman, já madura. Um musical muito feminino, com bruxa verde e  garota arrogante, em Wicked.  E, no meio do suco, quase engasgo com um pedaço de filme que dá um recado poderoso sobre as paixões humanas -egoísmo insaciável, vaidade doentia- mas….embrulhado em papel de jornal indigesto: A substância.

Isso resume o cinema de 2024? Não, certamente não foi isso. Tem os filmes ocultos, que não fazem barulho -sem nenhuma pretensão do Oscar- alguns de imensa categoria. Revendo minha lista de filmes assistidos -que é material de trabalho, não de diversão- encontro vários dos quais não tive oportunidade de falar. Por isso, agora, vendo o que sobrou do Oscar 2025, sinto-me na obrigação moral de comentá-los brevemente. Um dever para comigo mesmo, e para com o bom cinema, que sempre admirei. É possível que alguns dos filmes que listo a seguir, sejam de produção anterior, de 2023, embora assisti no ano passado. Mas não vou me ater a esses detalhes. São filmes que merecem ser elencados para que o suco anódino do Oscar não atrofie nosso paladar cinematográfico. É desses que quero falar.

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Betty Smith: Uma árvore cresce no Brooklyn

Pablo González BlascoLivros 1 Comments

Verus Editora, 2021. 532 págs.

Entregaram-me este livro, na versão espanhola, acompanhado de uma simples frase: Eis um livro encantador, emigrantes em Nova Iorque, vistos pelos olhos de uma garota . Sem mais. E pensei que os meus comentários de livros -esta semana alguém advertiu-me novamente- são por vezes extensos demais. É possível que mais do que animar as pessoas a lerem livros, acabem desanimando. Algo assim como “muita areia para o meu caminhão”, ou tantas árvores que não conseguem enxergar o bosque.

Li a árvore que cresce no Brooklyn, e gostei. Um livro muito feminino porque, como já me foi dito, a lente que filtra o relato, são os olhos de uma menina quase adolescente. Francie. De fato, ai está o encanto do livro, e da árvore, que era amiga da gente pobre. Os emigrantes são irlandeses, que mantem seus costumes e sua religião, no meio da pobreza. Vão à Missa no domingo, “alguns até as seis da manhã, o que tinha seu mérito relativo, pois tinham ficado acordados ate de madrugada e após a primeira Missa, absolvidos de todo pecado, voltavam para casa e dormiam profundamente”.

Francie é a ancora de toda a narrativa: “Uma mulher grávida estava sentada pacificamente em uma cadeira de madeira dura enquanto aproveitava o calor do meio-dia e observava a agitação da rua. Parecia guardar o mistério da vida (…) Francie lembrou-se da surpresa que teve no dia em que sua mãe lhe disse que Jesus era judeu. Sempre acreditei que ele era católico. Mas sua mãe sabia muito, ela lhe disse que para os judeus ele era uma dor de cabeça, um garoto que nunca trabalharia como carpinteiro, que nunca se casaria, nem teria uma casa ou uma família própria. E além disso, os judeus pensavam que seu Messias ainda não havia chegado, foi o que sua mãe disse. Com esses pensamentos na cabeça, Francie parou na frente da judia grávida.  ‘Acho que é por isso que os judeus têm tantos filhos’, ela disse para si mesma. Agora entendo por que eles ficam tão parados… eles estão esperando. E é por isso que elas não têm vergonha de ganhar peso e têm uma postura tão digna quando estão grávidas. As mulheres irlandesas, por outro lado, sempre parecem envergonhadas. Deve ser porque eles já sabem que nunca darão à luz o menino Jesus, mas sim outro Mick. Quando eu crescer e descobrir que estou grávida, vou lembrar de andar devagar e com orgulho, mesmo não sendo judia”.

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Romano Guardini: El Universo Religioso de Dostoievski

Pablo González BlascoLivros 1 Comments

Emecé Editores, Buenos Aires, 1954. 306 págs.

A recente Encíclica do Papa Francisco, Dilexit-nos, que me fascinou por muitos motivos, dedica uma primeira parte para falar do coração humano. E foi ai, onde encontrei a referência a esta obra de Guardini. Consegui um exemplar em espanhol, e me aventurei na leitura. Toda uma empreitada.

Não é um livro de leitura fácil, por várias razoes entre as que vale citar duas: o leitor deve ter familiaridade com as obras do escritor russo, para conseguir acompanhar os raciocínios. Obviamente Guardini leu -certamente releu várias vezes- toda a obra de Dostoievski. E, depois, é preciso entender que o autor não é um crítico literário mas um notável teólogo. Deste modo não me parece que seja um livro de divulgação. Assim anoto aqui alguns destaques que, embora,  nem de longe resumam o pensamento de Guardini, é possível que animem o leitor a aproximar-se do clássico russo. Eu mesmo fiquei espicaçado a reler algumas das obras comentadas.

No apêndice, Guardini , diz qual foi o objetivo deste estudo: “Não me propus a fazer uma exposição filológica de cunho científico do pensamento de Dostoievski, mas sim, neste caso, um encontro, digamos, com o filósofo russo,  escritor,  de uma conversa com ele sobre a existência do homem e entendendo que a conversa, seja ela qual for, constitui uma realização da vida espiritual. Apresentar o resultado de tal encontro, de tal conversa e de coisas que nos tocam a todos, e assim contribuir para o conhecimento dos aspectos humanos e espirituais da Europa, o que, em última análise, significa conhecimento do espírito e do coração humanos”. Esse é pois o objetivo de Guardini: uma leitura teológica da obra do escritor russo. Uma aventura para poucos, e muito qualificados, como o autor, que além de ser um teólogo de renome, foi professor, entre outros, de Ratzinger.

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Juan Antonio Diaz González: Soy Médico

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Identidad Personal en la Práctica Médica. EUNSA. 2024. 201 págs.

Chega-me o livro diretamente das mãos do autor, com uma amável dedicatória, que fala de gratidão e nos estimula a seguir com esta sementeira de Humanismo na Medicina, que nos ocupa há várias décadas. Inicio a leitura de imediato, e concluo alguns dias depois, com o sabor de algo já vivido, pensado, meditado e também ensinado e compartilhado nos cenários acadêmicos, inúmeras vezes.

Fui tomando notas, que aqui alinhavo, enquanto traduzo livremente ao Português, com a esperança de que seja publicado neste idioma, pois será em benefício de muitos que também andam envolvidos na Educação Médica. Agregará valor para os professores, trará perspectivas para os alunos e, certamente, redundará em benefício dos pacientes, que são, sempre, o motivo final de todas estas reflexões. Falar de medicina centrada no paciente -igual que sublinhar o humanismo em medicina- não deixa de ser uma redundância, pois a Medicina, para ser tal, não pode ser de outro modo. Falamos, ensinamos, escrevemos, não para contribuir com novidades mas para mostrar o caminho de volta, verdadeiro resgate, de um esquecimento vital. Na verdade,  de  uma distração que com o progresso da medicina e o descompasso da formação médica, acaba relegando o paciente a um lugar secundário, privando-o do protagonismo que lhe corresponde.

O prólogo da edição espanhola, escrito pela Presidente da Fundação do Colégio de Médicos de Madrid, já adverte acerca desta distração, quando fala de Medicina como de “uma profissão que tem sido não tão entusiasmada nos últimos tempos, devido ao desgaste e à falta de consideração, e a alguns estudantes que são talvez um pouco mais pragmáticos do que o desejável, devido à crise que afeta os objetivos da medicina”. E também adverte que o livro é um recurso para recriar-nos e amar o que temos entre mãos. Esse pensamento despertou na minha memória as palavras de Gregório Marañón, um imenso paradigma de médico humanista, quando escreve a propósito dos velhos médicos: “Eles tinham um sentido da Medicina mais cordial, mais humano. Permanecia neles a figura do velho médico familiar, conselheiro, sacerdote, amigo nos momentos difíceis em cada lar. É provável que não soubessem tanto como nós, mas certamente foram melhores e mais sábios. Infelizmente, vamos esquecendo que a sabedoria não é somente saber as coisas mas também amá-las”.

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Emmanuel Carrère: Limónov

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Epub Libre. 2015. 394 págs.

Publicado em Português por Sextante,  2012. 384 págs.

Releio o que eu mesmo tinha escrito a propósito de outra obra de Carrère, O Reino, antes de escrever estas linhas. E penso que se o tivesse lido antes de iniciar a curiosa biografia de Limónov, talvez teria desistido. Ou talvez não, porque é correto dar uma segunda oportunidade aos autores; mormente por que pensei tratar-se mais de um romance do que de uma biografia. Enganei-me.

Mas a culpa é toda minha, porque já tinha percebido na obra anterior, que Carrère mistura realidade com ficção. Que escreve de modo magnífico, com descrições precisas, saturadas de ironias, onde não poupa os aspectos toscos, grosseiros, de mal gosto, que encaixam doucement. Uma estética…..muito francesa, seja dito de passagem. E tudo isso embrulhado de uma cultura sobressaliente, com referências e citações que mostram o muito que o escritor já leu, e continua lendo. Como venha fazer uso desse cabedal para impulsionar a cultura -que deveria ser algo transitivo, que eleva os outros- ou simplesmente mostrar erudição (algo que permanece comigo, para demostrar o quanto eu sei das coisas) já é outra questão. E, tal como escrevi na resenha da obra anterior, mesmo não sendo um livro que eu recomende, merece algumas linhas, até para justificar a minha posição. E, sempre, aproveitar algo do que consegui extrair desta leitura.

No prefácio se adverte: “Limónov não é um personagem fictício. Isso existe e eu sei disso. Ambíguo, esquivo e bizarro, esse personagem fascinante e detestável em partes iguais, meio herói romântico e meio tolo abominável, é tão contraditório e desconcertante que se torna a essência de um romance por direito próprio e o protagonista desta narrativa esplêndida e surpreendente”.

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Roman Krznaric: Como ser um bom ancestral. A arte de pensar o futuro num mundo imediatista

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Zahar. Companhia das Letras RJ. 2020. 349 págs.

Devo confessar que este livro não é o que eu pensava ser. Nem o livro, nem o autor. A provocação chegou-me de um comentário literário no jornal, anunciando que o escritor australiano presentaria o seu mais recente livro em S. Paulo, algo relativo a conhecer história para viver o presente e preparar o futuro. Lembrei do meu avó que comentava que um dos equívocos de Hitler foi não conhecer história, porque cometeu o mesmo erro de Napoleão, tentando invadir Rússia no inverno. Stalingrado foi, de algum modo, Borodino, com uma diferença de quase 150 anos. Esta lembrança, aliada a saber que o autor tinha trabalhado o tema de empatia -parece que até montou um museu sobre o assunto- fez com que me aventurasse a ler o livro.

Decepcionou-me. Lá onde pensava encontrar reflexões e conselhos de aplicação pessoal -como o comentário do meu avó, que não deixa de ser uma das partes da prudência, memória do passado- somente encontrei advertências de caráter global. Algo que o mortal comum pode observar, contemplar, lamentar-se, mas de difícil aplicação. É certo, que todo o livro está saturado de dados numerosos e de pesquisas notáveis, pois afinal, se autodenomina psicólogo social. E talvez foi a leitura da magnífica obra de outro psicólogo social, A Geração Ansiosa, que contém multidão de sugestões de aplicação prática e imediata, o que me desnorteou.

Depois de ler com calma a primeira parte do livro, e deparar-me com chamados a favor da sustentação do planeta, do aquecimento global, dos protestos ecológicos politicamente corretos -incluída a jovem sueca Greta, e seus desdobramentos- passei a ler em diagonal, para ver se encontrava algo de aplicação prática, quer dizer, qualquer coisa que eu pudesse viver para me tornar um bom ancestral e deixar um legado decente. Não consegui. E não porque as advertências de Krznaric não procedam ou sejam irrelevantes, mas porque um cidadão comum se pergunta como poderia colocar  tudo isso em prática. Se o título fosse, digamos, mais honesto (reflexões para construir um mundo melhor, por exemplo) talvez não teria lido o livro. Mas se a proposta é que você aprenda a ser um bom ancestral deixando um legado para  aqueles que virão após de você, parece-me muita areia para o meu caminhão. Aliás, para a maioria dos caminhões dos mortais comuns.

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