Sócrates: o fenômeno pedagógico mais formidável da história do Ocidente

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El Problema Socrático . Págs. 575-664  in Werner Jaeger. Paideia: Los ideales de la Cultura Griega. Editor digital: eudaimov. ePub base r1.2

Tinham me convidado para uma reunião literária on line, tendo como base o livro clássico de Werner Jaeger, Paideia: Os ideais da Cultura Grega.  O livro é muito extenso, e não tendo tempo nesse momento, para enfrentar uma obra de mais de 1700 páginas, decidi optar pelo possível e mergulhei no capitulo sobre Sócrates. Foi uma decisão feliz, porque -embora sempre desconfiei e até falei disso- comprovei novamente que Sócrates é de uma atualidade absoluta, especialmente para os que estamos envolvidos nos temas da Educação Humanista. A frase do título, tirei-a deste capitulo, pois iluminou minha leitura desde o início.

Tomei notas das mais de 100 páginas desse capítulo, e agora tento alinhavá-las. Logo no início, Jaeger adverte o giro que Sócrates imprime à educação grega, um giro cuja atualidade persiste. Anota:  “Sócrates torna-se o guia de todo o Iluminismo e filosofia moderna; um apóstolo da liberdade moral, afastado de todos os dogmas e de todas as tradições, sem outro governo senão o da sua própria pessoa e obediente apenas aos ditames da voz interior da sua consciência. Ele é o evangelista da nova religião terrena e de um conceito de bem-aventurança acessível nesta vida através da força interior do homem e baseado não na graça, mas na tendência incessante para a perfeição do nosso próprio ser. Mas este culto não procurou deslocar o Cristianismo, mas sim infundir-lhe forças que naquela época eram consideradas indispensáveis (…) O que ele fez foi moralizar, intelectualizar a concepção trágica do mundo da Grécia antiga. É a ele que devemos atribuir todo o idealismo, o moralismo, o espiritualismo em que a Grécia dos tempos posteriores se refugiará espiritualmente. A luta travada por Nietzsche é, depois de muito tempo, a primeira indicação de que a antiga força atlética de Sócrates permanece ilesa e que o super-homem moderno não se sente tão ameaçado na sua segurança interior por nenhuma outra força”. Não é a toa que Nietzsche não apenas pregava a morte de Deus , como a do próprio Sócrates, que era um incômodo permanente para sua concepção do mundo.

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Matt Haig: A Biblioteca da Meia-Noite

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Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2021. 250 págs.

Foi, inicialmente, a indicação de um amigo, grande leitor, que me fez escalar esta obra para a Tertúlia Literária no passado ano. As tertúlias pararam, mas a lista continuou ativa. E me aventurei com o livro que, depois, soube tinha feito sucesso entre gente jovem. Interessante isso -pensei- algo que toca a juventude. Nem que seja somente por isso vou ter que ler. Após os primeiros capítulos já senti por onde iam os tiros. Mas tendo feito a promessa de ir até o fim, continuei lendo para ver se minha hipótese de interpretação estava correta.

A protagonista absoluta -em versões variadas- é uma mulher jovem que incarna o sem sentido da vida. Assim descreve o autor: “Nora verificou suas redes sociais. Nenhuma mensagem, nenhum comentário, nenhum novo seguidor, nenhuma solicitação de amizade. Ela era antimatéria, com um toque de autopiedade (…) Nora só se definia à luz do que não era. Das coisas que não tinha conseguido ser. E, realmente, havia um bocado de coisas que ela não tinha sido. Os arrependimentos que viviam num looping eterno em sua mente. Não fui nadadora olímpica. Não fui glaciologista. Não fui mulher do Dan. Não fui mãe. Não fui vocalista dos Labyrinths. Não fui uma pessoa boa de verdade nem feliz de verdade. Não consegui tomar conta de Voltaire direito. E agora, por último, ela sequer tinha conseguido morrer. Era patético, sério, o número de possibilidades que ela havia desperdiçado.”

E o recado que vem da bibliotecária, que é a mentora de Nora nesta aventura possibilista, com livros verdes brilhantes, e prateleiras que se movem à sua volta: “Enquanto a Biblioteca da Meia-Noite estiver de pé, Nora, você será resguardada da morte. Agora, precisa decidir como quer viver”.

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Étienne Gilson: El Amor a la Sabiduría

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AYSE. Caracas, Venezuela. 1974. 103 págs.

Eis outra obra que senti a necessidade de reler. Parece-me que peguei no embalo, porque estou desentocando livros que li há mais de três décadas, e que me impactaram. Este aqui, é um livro pequeno, 100 páginas, que reúne quatro conferencias de E. Gilson e que foi publicado em vários lugares. A edição que tinha na minha prateleira vem da Venezuela, o que me pareceu também simbólico, dado os momentos que esse pais está passando hoje. Um dos maiores filósofos do século passado, talvez quem melhor aprofundou no pensamento de Tomás de Aquino, em páginas impressas num pais onde o governo instituído não está precisamente alinhado com este amor à sabedoria.

Logo no início, Gilson confessa o motivo da sua admiração pelo mestre. “Se  me perguntassem  o principal exemplo que nosso mestre (Tomás de Aquino) nos deu, eu responderia: é o exemplo de uma vontade inabalável de saber, unida a um respeito intelectual absoluto pela verdade”. E a seguir, nessa sintonia, adentra-se nos caminhos que conduzem à sabedoria: “A erudição, portanto, não consiste primariamente na quantidade de conhecimento que um homem possui, mas na maneira como ele o possui; e como quero deixar-vos com esta ideia, dir-vos-ei imediatamente que um verdadeiro estudioso é essencialmente um homem cuja vida intelectual faz parte da sua vida moral; Em outras palavras, um estudioso é um homem que decidiu, de uma vez por todas, aplicar as exigências da sua consciência moral à sua vida intelectual”.

Quer dizer, a sabedoria não é apenas conhecer e saber, mas ser consequente com esse conhecimento, assimilá-lo, fazê-lo vida, pulsar do próprio coração. Continua Gilson: “A primeira virtude que é preciso se impor ao dar esse passo é a honestidade intelectual. A honestidade moral é, na sua essência, um respeito escrupuloso pelas regras da justiça; A honestidade intelectual é um respeito escrupuloso pela verdade”. Requer por tanto, serenidade, paciência. Não existem atalhos para crescer em sabedoria. É um equívoco o de aqueles que “não conseguem perceber que o esforço lento e paciente levará uma mente que sabe pouco a saber muito, e assim, no seu desespero para conseguir imediatamente o que querem, acabam abandonando completamente a tarefa”.

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Um Cavalheiro Em Moscou: Redimir as Circunstâncias

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Título original: A Gentleman in Moscow. Minissérie de televisão. 2024. 14. 55 min (8 capítulos de 45 min). Diretor: Sam Miller e Sarah O’Gorman. Ewan McGregor. Johnny Harris. Leah Harvey. Mary Elizabeth Winstead. Fehinti Balogun Billie Gadsdon.

Chegou-me a notícia de que o magnífico livro de Towles tinha gerado uma série.  Era de se esperar, visto o sucesso do romance. Mas, confesso, que como sempre que os livros originam filmes e variantes, fiquei receoso. E antes de me aventurar na empreitada, rememorei os momentos fascinantes que passei em companhia do Conde Rostov. Ele preso no Hotel Metropol, eu no meu ambiente nas primeiras semanas da pandemia, em 2020. Lembrei da sua educação esmerada -um verdadeiro humanista, de ampla cultura; da florista, do barbeiro e do restaurante Boiarski, ponto alto do romance. Habilidade na escolha do menu -tanto na hora de pedir como de preparar, quando assume como chef– e agudeza para indicar o vinho que harmoniza com o prato.

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Amor Towles: A Estrada Lincoln

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576 págs. Intrínseca. São Paulo 2022

A obra anterior de Amor Towles deixou-me um bom sabor de boca que ainda perdura. Faz mais de quatro  anos que acompanhei o Conde Rostov dominando suas circunstancias no hotel Metropol. Por isso, não precisei de nenhum incentivo para aventurar-me com esta nova entrega: uma historia de amizade e de viagens, no interior dos Estados Unidos, na década dos anos 50, do passado século.

A referência é a Estrada Lincoln  que cruza o pais de Times Square em NY, até S. Francisco. Mas  o objetivo -que dá nome ao livro- dá espaço à trajetória, ao percurso, que é onde as coisas acontecem, as pessoas amadurecem, os jovens vão se tornando adultos. Mais importante do que a meta, é o caminho que se percorre. Um saber conhecido, que o autor americano consegue plasmar em histórias variadas, com entradas e saídas de personagens magnificamente desenhados.

Quatro personagens principais -Emmett, Billy, Duchess, e Woolly- são os quatro mosqueteiros desta empreitada. De temperamentos e modos de ser diferentes, com o denominador comum de que quase todos eles estiveram num reformatório, por motivos nem sempre justos. Mas assim é a vida. E assim são os jovens, que “atiçam as expectativas uns dos outros, até que as necessidades da vida comecem a revelar-se”.

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Interlúdio Poético. Katia Gomes: Avesso

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93 págs. Nova Literarte. São Paulo. 2022

Não sou especialmente aficionado a poesia. Gosto sim, quando o verso me golpeia e me faz pensar. Talvez por isso, guardo no meu acervo -e no meu coração- poemas de alguns poetas, que também utilizo nas minhas aulas quando desenvolvo a educação humanista. São como uma pista de decolagem para voos de altura. Mas nunca me aventurei neste espaço a fazer comentários -menos ainda tecer críticas- de obras poéticas. Porém, o autógrafo da autora quando me entregou o livro, é provocador: que a poesia sempre traga boas reflexões. Não tive como evitar, pois, este interlúdio poético.

Li o livro, folheando com calma, voltei, li de novo. Porque a poesia é assim: provocadora. Deparei-me com poemas curtos, afiados, como quadros de uma exposição. Andas com vagar, olhas, reparas neste, naquele; um te seduz, olhas demoradamente. Se te permitem até tiras uma fotografia, sem saber exatamente por quê. Fisgou-te; sentes que precisas olhar de novo, depois, com calma.

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Stendhal: A Cartuxa de Parma

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Editora Globo. São Paulo, 2004. 571 págs.

Faz quase 20 anos li a obra de Henry Beyle, conhecido pelo pseudônimo de Stendhal, O Vermelho e o Negro, e devo confessar que não guardei praticamente nada. Fui consultar minhas anotações daquela época -muito mais sucintas do que os atuais comentários- e deparei-me apenas com três frases que copio ipsis litteris  A tirania da opinião – e que opinião!!- é tão estúpida nas cidadezinhas da França como nos Estados Unidos de América”.  A segunda, sugestiva da superficialidade das personagens:  “A senhora Renal tivera bastante bom-senso para logo esquecer, como absurdo, tudo o  que aprendera no convento; em troca, não pôs nada em seu lugar e acabou por não saber nada”.E na mesma toada frívola, a terceira: “Julien percebeu que a menor reflexão o irritava, longe de lhe tranquilizar; via nisso a linguagem do inferno”. Ai acabou minha relação com Stendhal, sem pena nem gloria, como se diz em linguagem popular.

Mas a leitura de um livro que me impactou sobre Madrid -as memórias de um escritor moderno que sabe encontrar as palavras adequadas para descrever as situações- provocou-me. La encontrei -em livre tradução ao português- parágrafos como os seguintes: “Perguntou-me o que eu iria fazer em Madrid e eu lhe disse que o amor da minha vida estava me esperando lá. Eu tinha acabado de ler A Cartuxa de Parma e, quatro ou cinco semanas antes, tive a fantasia de que estava desmiolado  com a primeira garota que beijei (…..) Vidas de segunda mão, homens e mulheres soltos em edições baratas (que foi onde lemos os livros que mudaram as nossas vidas, como aquele exemplar de  A Cartuxa de Parma que mudou a minha vida). Foi isso que nos interessou acima de tudo, procurando naquelas pilhas de livros velhos e de vidas maltratadas e monótonas, as obras imortais e luminosas”.

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Elena Ferrante:  A amiga genial

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Biblioteca Azul. Ed. Globo, São Paulo. 2015. 336 págs.

Enfrento o primeiro livro da série Napolitana de Elena Ferrante, com aquela aura que cerca a personalidade da escritora, de quem nada sabemos. Nem vou assemelhá-la a J.D. Salinger, que aparece, impacta com sua obra marco, some, pipoca com Franny & Zooey, e desaparece no silêncio. No caso de Ferrante, que não desaparece mas publica, o mistério é saber quem é ela. Se é que é mulher, porque até disso há dúvidas. Enfim, coisas de artistas e suas excentricidades, embora há quem diga que camuflada desse modo, escreve o que quer, sem ter que prestar contas.

Seja com for, e deixando claro que não me agrada desconhecer com quem estou falando, abro o livro que tínhamos escalado há tempo para a Tertúlia Literária, não sem antes pesquisar sobre a Tetralogia Napolitana de Ferrante. Encontro os seguintes comentários: “A Série Napolitana, formada por quatro romances, conta a história de duas amigas ao longo de suas vidas. O primeiro, A amiga genial , é narrado por Elena Greco e cobre da infância aos 16 anos. As meninas se conhecem em uma vizinhança pobre de Nápoles, na década de 1950. Elena, a menina mais inteligente da turma, tem sua vida transformada quando a família do sapateiro Cerullo chega ao bairro e Raffaella, uma criança magra, mal comportada e selvagem, se torna o centro das atenções. Essa menina, tão diferente de Elena, exerce uma atração irresistível sobre ela. As duas se unem, competem, brigam, fazem planos. Em um bairro marcado pela violência, pelos gritos e agressões dos adultos e pelo medo constante, as meninas sonham com um futuro melhor. Ir embora, conhecer o mundo, escrever livros. Os estudos parecem a melhor opção para que as duas não terminem como suas mães entristecidas pela pobreza, cansadas, cheias de filhos. No entanto, quando as duas terminam a quinta série, a família Greco decide apoiar os estudos de Elena, enquanto os Cerullo não investem na educação de Raffaella. As duas seguem caminhos diferentes”.

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Cabrini: Santidade na Trincheira

Pablo González Blasco Livros 2 Comments

Diretor: Alejandro Monteverde. Cristiana Dell’Anna,, David MorseJohn LithgowGiancarlo GianniniJeremy Bobb,  Federico Castelluccio,  Katherine BoecherPatch DarraghRolando VillazónVirginia Bocelli. USA. 125 min.

Forçoso é reconhecer que não sou muito chegado em filmes de Santos. Respeito e admiro o exemplo, desses homens e mulheres que tiveram uma vida que, de algum modo, foi transformando o mundo, e que todos os que queremos sair da mediocridade, nos esforçamos em imitar, cada um dentro das suas possibilidades. Nada, pois, contra os Santos. A pedra no meu sapato são os filmes, as tentativas de projetar esses exemplos de modo nem sempre feliz. Explico.

Um santo contemporâneo – S. Josemaria Escrivá, o Santo do ordinário em palavras de João Paulo II, outro santo de hoje- dizia que temos de andar com os pés na terra, e com a cabeça no Céu. Os filmes de santos, a maioria, situam eles sim com a cabeça no Céu, mas pouco mostram dos pés na terra. Uma terra que é com frequência lama, barro, e -como diz nosso Guimarães Rosa por boca do jagunço- um pais de pessoas, de carne e sangue e mil e tantas misérias. Quer dizer, falta nesses filmes uma conexão com a realidade que os simples mortais -mesmo os que aspiram à santidade- têm de enfrentar diariamente.

Obviamente há exceções, como a vida de Thomas More -um advogado e político- em filme inesquecível que arrebatou o Oscar de 1967. E a história de Giuseppe Moscati, um médico napolitano, numa longa e magnífica produção  da RAI. Note-se que ambos são cidadãos comuns -quer dizer, não são frades, nem monges, nem religiosos, ou mesmo sacerdotes. Visualizamos os pés na terra que pisam, e intuímos que tem a cabeça no Céu, para cumprir suas obrigações. Digo intuímos, porque não se lhes mostra rezando a toda hora. Quando o santo tem um hábito religioso, o desafio de mostrar os pés na terra é muito maior. E aqui uma exceção notável -onde o habito é obvio, pois trata-se da reformadora do Carmelo- é a série produzia há 40 anos por TV Espanhola, sobre Teresa de Ávila. Uma mulher que sendo freira de clausura, poderia dar cursos aos CEOs em escolas de negócios! Um furação, onde o hábito de carmelita é um detalhe.

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Devagar: Como um movimento mundial está desafiando o culto à velocidade

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Carl Honoré, Record. 2019. 280 págs

Carl Honoré: “Elogio de la lentitud”. RBA Bolsillo. Barcelona. 2004.

Lembro de ter lido este livro há quase 20 anos, pouco tempo depois de ser publicada a versão espanhola. Vejo agora que foi publicado em Português, acessível aos leitores que gostam de comprar por internet. Uma lentidão… de acesso rápido.

Na época em que li, tomei algumas notas, mas deixei-as repousando nos meus arquivos, não me ocorreu escrever sobre o livro. Recentemente, por conta de umas aulas de pós graduação que tive de preparar, tropecei com alguns slides antigos, onde citava o pensamento do jornalista canadense. Recuperei as notas, e decidi costurar estas linhas. Se há 20 anos isto era importante, hoje, saturados de informação -de inquietudes e nervosismos informáticos- parece-me muito mais relevante.

Entre as anotações que fiz na época, lembro de ter destacado que era um livro que promovia a filosofia Slow, sem grandes profundidades antropológicas. No fundo, um elogio global à lentidão e parcimônia, como um oásis para se refugiar da velocidade tóxica. Mais do que um tratado, é uma largada para que cada um pense, e tire as consequências de que for capaz para a sua vida do dia a dia. E o melhor capítulo é o primeiro, a introdução, de onde tirei todas as ideias que recolhi, e agora costuro aqui.

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