Milan Kundera: “A Identidade”

StaffLivros 1 Comments

Milan Kundera: “A Identidade”. Companhia das Letras. São Paulo. 2009. 115 pgs. 

a-identidadeAlguém já afirmou, a julgar pelos comentários que coloco neste espaço, que somente leio livros bons. É verdade que procuro assessorar-me antes de adquirir um livro, e de investir tempo na sua leitura. Mas o sucesso nem sempre garantido. Este é um dos casos.

Embora raramente presto atenção às frases pré-fabricadas que gotejam ininterruptamente na nossa caixa de e-mails, e no WhatsApp, desta vez me deixei seduzir por um breve texto sobre a amizade proveniente de um livro de Milan Kundera. Quis saber mais -a amizade é tema que me apaixona, na teoria e, muito mais, na prática- entrei na estante virtual, e com um click adquiri o livro.

Enganei-me. Sim, é verdade que Kundera fala em certa altura da amizade, mas o texto que me tinha chegado não era original, e sim devaneios de alguém a partir do pensamento do escritor Tcheco. Fala dos amigos, parece que dá importância, mas no fundo usa os amigos para promover o próprio ego. Diz assim, textualmente: “A amizade é indispensável ao homem para o bom funcionamento da sua memória. Lembrar-se do passado, carregá-lo sempre consigo, é talvez a condição necessária para conservar, como se diz, a integridade do seu eu. Para que o eu não se encolha, para que guarde seu volume, é preciso regar as lembranças como flores num vaso e essa rega exige um contato regular com as testemunhas do passado, quer dizer, com os amigos. Eles são nosso espelho; nossa memória; não exigimos nada deles, a não ser que de vez em quando lustrem esse espelho para que possamos olhar-nos nele”.

Leia mais

Natalia Sanmartin: “O despertar da Senhorita Prim”

StaffLivros 1 Comments

Natalia Sanmartin: “O despertar da Senhorita Prim”. Editora Quadrante.  São Paulo. 2016. 315 pgs

O despertar da senhorita PRIMChega às minhas mãos este livro, cortesia da Editora Quadrante que me solicita uma opinião sobre o romance. A autora, uma espanhola jornalista especializada em temas econômicos, surpreende o mercado editorial que, conforme vejo na internet, disputa os direitos autorais deste seu primeiro romance. Evidentemente, em se tratando de um romance de uma mulher para as mulheres (leio também que a escritora é uma defensora de Mulherzinhas, a obra de Louisa May Alcott, o que fica evidente na leitura do romance) após lê-lo, sinto a necessidade de colocar em pauta de discussão com as minhas colaboradoras da Tertúlia Literária Mensal.

A Tertúlia Literária Mensal, desta vez com a participação de 25 pessoas, a maioria senhoras de idade respeitável e alma jovem, é o gabarito para apreciar o impacto do livro. Encantou todo o mundo. Surgem os temas em cascata de opiniões: identifiquei-me com ela, quer controlar tudo e, sabemos por experiência, que a vida -e sobre tudo as pessoas- não se controlam.  A necessidade de espaços de formação em fogo lento, como a comunidade que tem tempo para tomar chá, conversar, entender os outros e entender-se a si mesmo. Tertulia literatia Novembro 2016Olhar para os demais, sair da visão fechada e egoísta de “quem somente olha para o próprio umbigo”. Conhecimento próprio: afinal para que eu estou no mundo?  E, o grande protagonista que pulsa silenciosamente por trás de cada uma das páginas do livro: o tempo! O uso do tempo, e a virtude necessária para trabalha-lo: a Paciência. A paciência é “o amor que se faz tempo”, em palavras de Von Balthasar, e “a forma quotidiana do amor”, em frase lapidaria de Ratzinger. Paciência com os outros, e paciência conosco mesmos, em atitude desprendida, sem carências que mendigam gratidão como esmola pelas esquinas da vida. Magnanimidade, sentido de transcendência, generosidade alegre. Saber esperar, sem ansiedades nem imediatismos.

Leia mais

O Lar das Crianças Peculiares: Colocando os talentos ao serviço do próximo

StaffFilmes Leave a Comment

(Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children) 2016. Diretor: Tim Burton. Eva Green, Asa Butterfield, Samuel L. Jackson, Kim Dickens, Allison Janney, Ella Purnell, Judi Dench, Chris O’Dowd, Rupert Everett, Terence Stamp. 127 min.

o lar das crianças peculiaresConfesso que com esse título e sob a direção de Tim Burton, o somatório de peculiaridades era tanto, que o resultado não se me apresentava convidativo. Para minha sorte tropecei com uma crítica de um informativo de cinema eletrônico que me chega regularmente. São acadêmicos que ensinam cinema numa Universidade europeia, o que também não é garantia de nada. Mas a afirmação era categórica: “o melhor Tim Burton desde Big Fish -As histórias do peixe grande. Provavelmente superando-o”. A imensa figura de Albert Finney, o contador de histórias no Peixe Grande, veio à minha memória. E o puxão de orelhas que dá no filho quando lhe diz: eu conto histórias verdadeiras, se você não acredita o problema é seu, não meu. No final, as histórias, o filho, o pai, e o peixe grande alcançam a redenção através da simplicidade. Bastou esse arco voltaico, entre os comentários que tinha lido e as lembranças do Peixe Grande, para disparar a faísca que me levou a assistir o filme.

Gostei demais. Um filme notável, uma maravilhosa fábula sob o comando do sempre surpreendente Tim Burton. E como todas as fábulas, prestam-se a variadas interpretações. Mas, bom é dizer, que a fita está esteticamente muito bem construída. É bonita, visualmente cativante, impõe-se na própria imagem, cria espaço para que as reflexões -que surgem, na hora e muito depois, aquele efeito retardado, paladar com bom sabor de boca do cinema de classe- sejam embaladas por uma melodia harmônica, uma sinfonia visual.

Leia mais

Leonard Sax: Garotos à Deriva, Garotas no Limite

StaffLivros Leave a Comment

Leonard Sax: Garotos à Deriva, Garotas no Limite. Ed. Quadrante. São Paulo. 2016. 215 pgs.

Leonard Sax - Garotos à Deriva, Garotas no LimiteApós acompanhar a trajetória de Leonard Sax, MD, PhD e de ter lido suas obras – o que rendeu uma amizade frutuosa, e muitas reflexões sobre as necessidades da educação moderna- uma editora brasileira decide traduzir um dos seus livros publicados na França. Trata-se de “Pourquoi les garçons perdent pied et les filles se mettent en danger”. JC Lattes. Paris. 2013., que é uma interessante síntese da ampla experiência deste médico americano no atendimento de adolescentes por mais de um quarto de século. Os comentários que o leitor pode apreciar a seguir, são o corpo do Prefácio que o autor, de comum acordo com a editora, solicitou-me. Procurei incluir nele o resumo principal dos seus ensinamentos, não apenas no presente livro, mas no conjunto da sua obra. Uma contribuição científica que me parece indispensável para professores, gestores de educação e, naturalmente, pais e mães de família.

Prefácio

Recebo o convite para prefaciar este livro, um convite que me chega bilateralmente: por parte dos editores, e por parte do mesmo autor. Não há como recusar. É uma questão de justiça, pois o prefácio que respeitosamente abre esta importante obra é, na verdade, o epílogo de uma história de anos. Contar esta história parece-me muito mais interessante do que escrever um prefácio técnico. Compartilhar com os leitores o meu itinerário pessoal de mãos dadas com as ideias de Leonard Sax, pode ser a maneira mais útil de ajudar a preparar o ânimo para a leitura. É disso que se trata.

Tinha-me chegado alguma referência do primeiro livro de Leonard Sax “Why Gender Matters” , dirigido a pais e educadores. Parece-me lembrar que algo anotei na minha agenda. Na primavera de 2007, encontrava-me em Chicago por conta de um congresso de professores de medicina de família. Deparei-me com o livro na vitrine de uma livraria. Comprei-o, e o devorei nas viagens aéreas que tinha por diante.

Leia mais

O Mestre dos Gênios: Um convite ao renascimento da comunicação

StaffFilmes Leave a Comment

(Genius). 2016. 104 min. Dir: Michael Grandage. Colin Firth, Jude Law, Nicole Kidman, Laura Linney

O mestre dos gênios - capaJá me disseram -várias vezes- que os meus comentários de filmes são excessivamente longos. Sim, dizem, são interessantes, destilam conteúdo, mas nem sempre o leitor se anima com tudo o que você escreve. Quem sabe, algo mais curto, direto, objetivo. Afinal, o que as pessoas querem é uma recomendação específica de um bom filme para assistir. Não estou muito convencido de ser esse o meu papel, recomendar filmes. Nunca pretendi ser um crítico de cinema; vejo-me mais como quem pensa em voz alta e escreve as reflexões que um filme proporciona, os desdobramentos. Mesmo assim, é bom seguir os conselhos dos amigos.

Este filme notável brinda-me a ocasião de inaugurar um estilo de comentários mais palatáveis. Não sei quanto vai durar este propósito porque, afinal, para essa conquista -a síntese enxuta das palavras é uma verdadeira conquista- eu precisaria de um editor. Como o protagonista que aparece neste filme de época. Um editor em estado puro: Max Perkins, que enxuga, corta sem piedade páginas e páginas, muda títulos, mesmo não sabendo se com isso transforma os livros em algo melhor ou, simplesmente, em algo diferente.

Leia mais

(Português) Buscando uma Humanização Sustentável da Medicina

StaffMedicina Leave a Comment

Publicado originalmente em SlowMedicine

No passado dia 18 de outubro, dia do Médico, o CREMESP lança uma campanha para Humanizar a Medicina , aponta ser tema prioritário e lembra a importância do calor humano e da relação médico paciente. No vácuo desta iniciativa corporativa do Organismo que regula a profissão médica anotamos as seguintes reflexões.

A Humanização da Medicina assume notável protagonismo na agenda dos Educadores na Academia, e dos Gestores nos diversos Sistemas de Saúde. O motivo é claro: nos dias de hoje a medicina tem de ser forçosamente humana se quer pautar-se pela qualidade e pela excelência. Humanizar a Medicina é, assim, além de uma obrigação educacional uma condição de sucesso para o profissional de saúde.

Leia mais

Buscando uma Humanização Sustentável da Medicina

StaffMedicina Leave a Comment

Publicado originalmente em SlowMedicine

No passado dia 18 de outubro, dia do Médico, o CREMESP lança uma campanha para Humanizar a Medicina , aponta ser tema prioritário e lembra a importância do calor humano e da relação médico paciente. No vácuo desta iniciativa corporativa do Organismo que regula a profissão médica anotamos as seguintes reflexões.

A Humanização da Medicina assume notável protagonismo na agenda dos Educadores na Academia, e dos Gestores nos diversos Sistemas de Saúde. O motivo é claro: nos dias de hoje a medicina tem de ser forçosamente humana se quer pautar-se pela qualidade e pela excelência. Humanizar a Medicina é, assim, além de uma obrigação educacional uma condição de sucesso para o profissional de saúde.

O modo mais prático de perceber esta necessidade é observar as consequências que a sua ausência provoca. Quando existe um clamor pela Humanização de uma situação, de uma atitude ou profissão é porque de algum modo se reclama algo que se entende como essencial em determinada circunstância concreta. No caso da medicina, as chamadas de atenção costumam vir da parte do paciente, como advertência que orienta na recuperação de algo que, tendo-se o direito de esperar do médico e da medicina, não se encontra na prática.

Leia mais

Henry Marsh: “Sem Causar Mal”

StaffLivros Leave a Comment

Henry Marsh: “ Sem Causar Mal”. (Histórias de vida, morte e neurocirurgia). nVersos. São Paulo, 2016. 287 pgs.

Sem causar malÉ uma convicção que me acompanha faz tempo, e que tenho comprovado diversas vezes: quando um cirurgião envereda pelos caminhos da educação médica, é objetivo, tem impacto, entra para consertar. E costuma dar-se bem. Este livro não é propriamente um tratado de educação médica, mas de fato educa, porque faz refletir.

Henry Marsh, conhecido neurocirurgião britânico, escreve com estilo familiar, e sem nenhuma pretensão literária, uma espécie de memórias. Ou talvez, as memórias dos seus equívocos profissionais, sobre os quais reflete com sinceridade, e nos faz pensar ao tempo que também nos educa enquanto descreve a técnica operatória de um determinado caso: “Meu aspirador se está movendo por entre o pensamento, pela emoção e pela razão; e ocorre-me pensar que as memórias sonhos e reflexões são tão consistentes como gelatina”.

Gostei, sim, e muito do livro. Algo diferente ao que estamos acostumados quando lemos as memórias dos médicos, onde a emoção -que está sempre presente-  pode tirar realismo da situação que, no momento, nada tem de poético. A ironia e o ceticismo estão presentes; o autor não faz questão de esconde-los, e talvez por essa sinceridade nos educa mostrando que há caminhos para melhorar quando expomos nossas limitações. “Não há evidências de que as raspagens totais que fazíamos no passado, que faziam com que os pacientes se parecessem com presidiários, tinham qualquer efeito sobre as taxas de infeção. Eu suspeito que a verdadeira -embora inconsciente- razão era o fato de que desumanizar os pacientes facilitava para que os cirurgiões os operassem. ”

Leia mais

Daniel Silva: O Caso Caravaggio

StaffLivros 1 Comments

Daniel Silva: O Caso Caravaggio. Harper Collins Brasil. Rio de Janeiro. 2016. 350 pgs.

Daniel Silva - O caso caravaggioDaniel Silva, a pesar do que o nome possa sugerir, é um escritor americano, filho de pais Açorianos, com impacto no mercado editorial pelos seus livros policiais e de espiões. Aqui o protagonista é Gabriel Allon, uma das suas personagens preferidas. Allon é um restaurador de arte, de ampla cultura, técnica refinadíssima e com uma paciência digna de Job. “Remover o verniz de um quadro barroco não era como espanar um móvel; era mais parecido com esfregar o chão de um porta-aviões com uma escova de dentes”.

O livro tem uma abertura cativante e promissora. Negócios que envolvem obras de arte, um cadáver brutalmente mutilado, e o desaparecimento de um quadro notável. Quando se juntam violência, sordidez é arte, nada mais lógico que jogar no crédito de Caravaggio -que entendia muito bem de ambos cenários- a obra desaparecida: A Natividade com S. Francisco e S. Lourenço. Allon, esperto em arte entra em cena. Mas o principal motivo da convocação é a identidade que se esconde por trás do artista restaurador: um espião, um agente bem treinado da inteligência de Israel.

A trama decola com interesse, repleta de ironias finas, diálogos sutis, muitas entrelinhas. Faz lembrar os romances noir clássicos, de Raymond Chandler ou de Dashiell Hammett. E tem até recados com substância que fazem pensar. Anoto um que me chamou a atenção, em perfeita sintonia com os tempos que vivemos:  “Houve uma época em que os seres humanos não sentiam a necessidade de compartilhar todos os seus momentos acordados com centenas de milhões, até de bilhões, de completos estranhos. …. Agora, na era da perda da inibição, parecia que nenhum detalhe da vida era mundano ou humilhante demais para ser compartilhado. Na era online era mais importante viver se mostrando do que viver com dignidade. Seguidores na internet eram mais apreciados o que amigos de carne e osso, pois davam a ilusória promessa de celebridade, até de imortalidade. Se Descartes estivesse vivo hoje, ele poderia ter escrito: eu tuito, logo existo”

Leia mais

Miguel de Cervantes: “Novelas Exemplares”

StaffLivros Leave a Comment

Miguel de Cervantes: “Novelas Exemplares”. Aguilar. Madrid, 1949 em Obras Completas.

Cervantes-Novelas-ExemplaresO quarto centenário da morte de Cervantes era um apelo muito forte para ser recusado na nossa tertúlia literária mensal. Sabendo que ainda nos restaria a dívida com Shakespeare -que morreu no mesmo dia que Cervantes, 23 de Abril de 1616- decidimos pelas Novelas Exemplares. Não uma obra menor, pois não são poucos os entendidos que dizem que se Cervantes não tivesse escrito D. Quixote, teria passado também à galeria dos clássicos por esta coleção de relatos que ele quis denominar exemplares, porque de todos eles há um exemplo -ou vários- para aprender.

São assim, as Novelas, textos “das quais pode se tirar algum exemplo, e diversão;  porque nem sempre estamos nos templos ou oratórios, ou nem sempre estamos nos negócios por qualificados que estes sejam: há horas onde é preciso recriar-se, e deixar que o espírito descanse”. Cervantes ensina e estimula as virtudes que nos cercam no quotidiano, e que assimilamos enquanto nos divertimos e descansamos escutando estas histórias. Uma didática do dia a dia, sem a necessidade de sérias meditações ou de esforços de aprendizado.

Tentar resumir em poucas linhas estes ensinamentos é pretensão ridícula e insana. Não há como substituir a cadência, os raciocínios e o bom dizer do escritor espanhol, sempre que a tradução seja fiel e esmerada. Um assunto não desprezível, porque traduções mancas são capazes de assassinar o gênio de qualquer um, mesmo de Cervantes.

Leia mais