Salvador de Madariaga: “Bosquejo de Europa” Ediciones Encuentro. Madrid (2010) 260 págs.
Este Bosquejo de Europa apresenta-se escrito em espanhol, por um historiador e humanista que, mesmo vivendo longo tempo fora de Espanha e dominando fluentemente várias línguas, era espanhol até a medula. Um esboço, mas também um ensaio –muitos, na verdade- a modo de variações sobre o mesmo tema, que divertem , ilustram e educam, enquanto o autor se diverte. O exemplo dos grandes músicos nas suas variedades temáticas é a metáfora que mais se adequa a esta obra que é, na verdade, um divertimento. Salvador de Madariaga, conhecido do público brasileiro pela sua imprescindível biografia de Hernan Cortés, nos oferece aqui suas reflexões sobre os povos europeus, distintos entre si, com similaridades e oposições, que combinam maravilhosamente, para brindar-nos um mosaico repleto de cultura sobre os costumes e temperamentos que povoam o antigo continente.
O autor compõe este esboço partindo do seu vasto conhecimento do tema, o ilustra com vivências próprias e o complementa com uma profunda cultura da historia e da geografia. Fala-nos das tensões europeias –das diferenças- e também das complementariedades, que denomina ressonâncias. Um dos traços mais atraentes da obra são as conclusões sociológicas que Madariaga tira das contraposições idiomáticas, uma espécie de antropologia da linguagem. Assim, por exemplo, comenta que os ingleses utilizam palavras de origem germânica para nomear os animais domésticos vivos – swine, ox, sheep- enquanto utilizam termos de origem francesa para referir-se à carne desses animais: pork, beef, mutton, veal. Isto é assim –afirma- porque eram os saxões o que cuidavam dos animais, enquanto os franceses conquistadores se banqueteavam com a carne.
Suas análises são audaciosas, como quando atribui cada um dos principais elementos a um país determinado (França – Ar, Inglaterra – Terra, Espanha – fogo, Alemanha – Agua) ou quando sugere que os irlandeses são espanhóis que pegaram um bonde errado e foram para ao norte da Inglaterra. Reconhece que em muitas destas apreciações há um exagero, “porque leva um aspecto relativo até a borda do absoluto para melhor destaca-lo”. E possível concordar ou não com as opiniões do autor, mas é impossível ficar indiferente e, sobretudo, não reconhecer que saímos enriquecidos deste passeio cultural por Europa, da mão de um excelente cicerone.
Eis um livro para ler várias vezes. A primeira –como foi o meu caso- para ter uma noção do volume de conceitos e realidades, muitos deles óbvios, nos quais nunca tinha parado para pensar e para relacioná-los entre si. Certamente haverá outras leituras, e até se pode converter num livro de consulta, principalmente antes de iniciar uma viagem à Europa. De modo especial, se a turnê consiste num desses pacotes “fast food” das agências de turismo, onde se visita muita coisa, não se presta atenção no que é relevante, e volta-se cansado e carregado de fotos que logo caem no esquecimento. Nestes casos, o livro de Madariaga funcionará como um despertador para estar atento às riquezas que uma viagem comporta, preparando o espírito para adentrar-se nas civilizações alheias. E, sem dúvida, ler no regresso, será um ótimo recurso para incorporar perspectivas e visões da vida e dos povos. Um verdadeiro catalisador de cultura que é, afinal, construir uma opinião e saber situar-se no mundo.
De fato para fazer estas variações sobre o mesmo tema, é preciso amplo domínio do terreno. Sejam os prelúdios e fugas de Bach, embasadas em cada semitom da escala ou as considerações sobre o mosaico europeu de modo lógico e atraente. Para compor um divertimento é preciso mesmo ser um virtuoso. Somente por essa razão, vale a pena ler esta obra.