O OITAVO DIA

Pablo González BlascoFilmes Leave a Comment

(Le huitième jour) Diretor: Jaco Van Dormael.  Daniel Autauil, Pasqual Duquemne, Miou-Miou, Henri Garcin. França 1996 114 min.

A imprensa noticiou que um ator com Síndrome de Down tinha ganhado a palma de ouro de Cannes. O seu parceiro no filme atreveu-se a dizer que Pasqual Duquemne era uma espécie de Marlon Brando dos mongoloides. Não era necessário mais nada para criar uma expectativa singular diante de um filme que demorou em chegar ao mercado do vídeo.

            Assisti “O oitavo dia” na volta das férias. Gostei. Desfrutei, pois gostar é pouco -quase vulgar- para definir a sensação de algo que nos carrega, e se adianta aos nossos desejos, envolvendo-nos em clima de perfeita sintonia. É como essas músicas cativantes que, de início, mexem com nossos pés, convidando-os a acompanhar o ritmo timidamente; dos pés se passa para o balanço da cabeça, das mãos, do corpo, que, já sem vergonha,  entra no embalo fundindo-se com a melodia. Uma sensação de bom sabor de boca -no paladar da alma- permanece quando o filme acaba; e perdura, em serena quietude. Imagino que deve ser como quando Deus criou Georges, no oitavo dia, e viu que era bom.

            A inércia das férias e a avalanche de emoções me fizeram demorar em escrever. Noto como uma resistência a trazer para o papel -em expressões insuficientes, sempre desbotadas- aquilo que simplesmente é bom. Assim mesmo: bom; nada mais, e também nada menos. Não sem motivo os clássicos incluíam a bondade entre os atributos do ser; os transcendentais, diziam. E, falar do bem, que é falar do ser, é sempre complicado para nós pobres mortais que somente conseguimos enxergá-lo por partes, fruto da miopia da nossa limitação. Mas o bem é difusivo, expande-se aos que temos à nossa volta, reclama seu poder transitivo. Por isso não resta se não vencer a preguiça, subtilmente encoberta em inquisições filosóficas, e passar o recado.  Abrir o coração e deixar fluir a bondade para que os outros possam também beneficiar-se dela.

            Vem à memória o comentário, trazido e levado com os amigos que amam a vida, e a arte fílmica -que é a vida concentrada no celuloide- que o cinema recorre, nestes tempos de paquiderme espiritual, a crianças, loucos, e pessoas peculiares para transmitir os valores de modo politicamente correto. Assim ninguém se ofende, pois a criança, o louco, o excepcional são seres “de outro mundo”. Um mundo, por sinal, fantástico, que causa inveja e desperta em nós vontades de melhora. Mas andamos muito ocupados com as formas, as sistemáticas, a produtividade – o sucesso!- para termos coragem de comprar uma briga de ideais, briga conosco mesmos e não com as estruturas. Respiramos um tédio que nos enjoa, como as torradas que pulam, pontualmente, as 07h30min AM prontas para um café fast-food, largada para uma jornada saturada de vazios. É preciso mostrar as realidades em versão caricaturesca para chamar a atenção do espectador médio, condicionado com estímulos fortes, insensível ao sugestivo, ao delicado, à borboleta que é flor que aprendeu a voar. Tragamos, pois, os mongoloides para que nos ensinem sobre a vida; ou, pelo menos, nos ajudem a repensá-la.

            Isto se é que podemos chamar vida ao desenrolar biológico que muitos vivem, em permanente passividade. Ortega já advertia sobre este equívoco elementar quando aponta que costumamos chamar viver a sentir-se empurrados pelas coisas ao invés de conduzir-se pela própria mão, com o uso da liberdade, num querer decisivo e vital. Mas o problema é que muitos homens querem em sentido econômico, resvalando de um objeto para outro sem ter o valor de exigir-se uma meta. Uma vontade enferrujada pela falta de uso, que cedeu ao sentimento e ao prazer toda hegemonia de governo. “Quando todo o nosso ser -diz Ortega- quer algo, sem reservas, sem temor, integralmente, cumprimos com o nosso dever, porque é o maior dever a fidelidade a nós mesmos”. Fidelidade a ideais que a vontade estabeleceu em desafio de perfeição, de projeto de vida. A vontade enfraquecida não consegue penetrar as porosidades do egoísmo que torna o homem impermeável ao amor, que é sempre alegria com dor, benefício e doação, aventura de gozos, de sangue e lágrimas.

            As canções mexicanas de Luis Mariano emolduram os gestos de Georges, que acompanha a melodia com alma delicada enquanto desafina ostensivamente na música. É como um grito que clama pelo profundo do ser humano, que faz troça das formas – essas que a sociedade julga perfeitas, na epidemia de frivolidade que nos rodeia. Cultuamos os exteriores, fabricados com um visual de grifes, melecados em perfume de marca, que nos impõem meia dúzia de “prima-donas” da superficialidade. São os heróis da moda, os modelos que cantam afinadamente, com sorriso de plástico, mas que carecem da virtude que faz vibrar as cordas do espírito. Uma autêntica afonia da alma.

            Georges é um canto ao amor, à compreensão, ao resgate do ser humano das violências e egoísmos. Um desajustado que encanta e semeia carinho com a naturalidade de quem vive para os outros, e dos outros mendiga um amor que não sabem dar… porque nunca deram nada. “Você é o maior presente que tive na vida”: é a mãe de Georges, âncora dos seus sonhos e dos nossos anseios, que em aparições precisas esbofeteia com seu amor maciço nossa sociedade que, egoísta e superficial teima em querer ser eugênica, seletiva, sim, elitista. E isso quando precisamos mais do que nunca dos deficientes, dos carentes, dos necessitados para desentocar-nos do conforto repugnante do individualismo. Precisamos deles de modo permanente, junto de nós, como marca passo que faça bater nosso coração em sintonia com as indigências alheias.

            Não basta o tilintar de moedas no farol, as campanhas institucionais, a esmola que nos livra da visão incômoda que bate na nossa porta. A miséria nos molesta, aperta nossa consciência e até nos pode lembrar do pouco que fizemos para desempenhar um papel mais confortável neste cenário que é o mundo. Mas a memória da filantropia é curta, e facilmente abafamos os apelos que nos dirige a penúria alheia. Duradouras são as solicitações constantes de carinho, de cuidado e desvelo que nos dirigem os seres que nos rodeiam. Reclamam de nós tempo, paciência, compreensão. Um olhar, um sorriso, um interlocutor que escute, um ombro para chorar. Fazer que os que vivem à nossa volta se sintam amados é tarefa que ocupa a vida toda, que sangra nossas energias depurando-as do amor próprio. Um desafio no qual se empenha a vida, acessível a qualquer um, muito mais comprometedor que a gorjeta ou o cheque polpudo, onde toda a dedicação se esgota no débito na conta corrente.

Esse é o ensinamento, necessário, que nos traz a doença, a limitação, a deficiência que se encarna naquele que partilha conosco a sua existência, corporalmente mutilada, mas em plenitude de alma. Por que essa vontade doentia de se livrar dos deficientes, advogando hipocritamente pela pouca qualidade da sua vida? Não será que é a nossa vida a que queremos defender, em qualidade total, livrando-nos do incômodo lembrete das reclamações permanentes de carinho?

            “Mãe, este mundo não é para mim. Ninguém me entende. Não há amor. Eu sou diferente”. “Você é diferente, Georges; você é melhor”. Assistimos os diálogos -sonhos, realidades, toadas mexicanas em francês- com um nó na garganta, que os toques cômicos do protagonista afrouxa, mas não desfaz, pronto a se esticar de novo, mal pensemos no dilema que se debate. E constatamos já convencidos de que o mundo não está preparado -triste despreparo fabricado pela avareza do espírito- para as lições de Georges, que transbordam sabedoria. Consola a irmã, injeta vontade de viver no executivo frustrado, arranca o sorriso das crianças, e nos faz acreditar na bondade humana; lições que ministra com sua única arma, o amor, que supre amplamente as deficiências da doença. Quantos, com os cromossomos certos e bem colocados, são incapazes de chegar perto desta epopeia

de carinho? O cuidador acaba sendo cuidado, o complicado se simplifica, o sorriso conquista e desmonta a mesquinhez.

            “O oitavo dia” é tudo isto, e mais, muito mais, pois as lições não acabam nunca e se desdobram ao compasso das próprias vivências; a arte se mistura com a vida, dando-lhe novas perspectivas. E nessas considerações, íntimas já, pois houve tempo de fazer uma boa amizade com Georges, temos a coragem de lhe perguntar: “É assim também quando nos sentimos incompreendidos, quando percebemos que o mundo -este mundo louco e definitivamente egoísta- não é o nosso? E quando nossos ideais, nossas brigas, nossos sonhos parecem ser carta fora do baralho, e nos olham como seres de outro planeta? O que fazer então, Georges?” Georges não responde; sobe no seu cavalo e lidera a cavalgada pelas estepes da Mongólia, à frente dos seus homens. Para, olha para nós e sorri como dizendo: “Vem conosco descobrir a aventura da vida”. Uma vida que tem o sabor épico de grandeza quando a alma tem como única fronteira o horizonte do amor.

FAMILIA E VOCAÇÃO PROFISSIONAL: VARIAÇÕES PROCURANDO CAMINHOS DE COMPREENSÃO

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CEU DE OUTUBRO

(October Sky) Dir: Joe Jonhston. Jake Gyllenhall, Chris Cooper, Laura Dern, Chris Owen. 128 min. 1999.


BILLY ELLIOT – QUERO DANÇAR

(Billy Elliot) Dir: Stephen Daldry. Julie Walters, Jamie Bell, Jamie Droven, Gary Lewis. 110 min.

    “Não faz mal que dediques o teu tempo livre a montar foguetes, se isso te faz feliz… sempre que tomes cuidado. Afinal, há hobbies bem piores. Mas, faltar ao trabalho isso é outra questão. Já sabes quanto me orgulha que trabalhes comigo. Você vai ser mineiro como seu pai”. Veredicto final, silêncio, entra a música, e o garoto responde: “A mina de carvão é a tua vida, não a minha. Nunca mais entrarei nesse buraco. Eu quero viajar no espaço”.

            Está situado o núcleo do filme e, mais importante, da questão. De quem é a vida dos filhos? Deles ou dos pais? Problemática antiga, de sempre, com variações acordes com os tempos e as oportunidades profissionais, mas que permanece idêntica na sua essência. É condição humana que os formadores –pais, professores, preceptores- pensemos que sabemos o que realmente convém aos jovens que nos foram confiados. Afinal, o esforço por criá-los, as dificuldades que enfrentamos de contínuo, nos fazem amadurecer e ponderar, com imensa sensatez, os prós e contras das opções que a vida coloca como desafios. Conhecemos muito bem o que fazemos, temos experiência. Nada mais lógico que pretender que aqueles que formamos e amamos aproveitem dela, ganhem tempo, sejam poupados de incômodos que nós tivemos de enfrentar. “Não quero que meu filho passe pelo que eu passei…”. Quem não ouviu –e ouve, a toda hora- essa exclamação como símbolo do amor paterno?

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LADO A LADO: A mãe nos alicerces da família.

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(Stepmon) Diretor: Chris Columbus. Susan Sarandon, Julia Roberts, Ed Harris, Liam Aiken, Jena Malone.  124 min.

Em certa ocasião, um amigo me confidenciou que estava preocupado com os filhos. Nada de especial, uma preocupação “preventiva”, mas sentia que tinha de fazer algo. “Veja bem… Meus filhos comentaram estes dias com a mãe, não sem certa perplexidade, acerca do ambiente do colégio. Parece que os colegas da escola –bastantes deles- falam do ‘namorado da minha mãe’ ou da ‘namorada do meu pai’ com a mesma naturalidade com que a gente pede batatas fritas para acompanhar o hambúrguer do McDonald.” Silêncio. “E o que você pretende fazer? Explicar a diferença entre namorada e amante? Ler a cartilha da família bem constituída?” Meu amigo balanço  negativamente a cabeça: “Isso eles já sabem…,Mas tenho que fazer alguma coisa, ouvi-los talvez, entender suas dúvidas. Será que eles pensam que uma família normal, como a nossa, é algo em extinção?”. Recomendei-lhe algo pouco convencional, ou pelo menos assim me pareceu no momento, mas confesso que foi a melhor ideia que me veio à cabeça: “Peça uma pizza, alugue um filme….e depois de assistir todos em família, escute-os”. “Mas,  que filme? ” –perguntou o meu amigo. “ Lado a lado acho que pode funcionar”.  E, pelo que dias depois me comentou, funcionou mesmo. Já passaram alguns anos desde essa conversa, mas sempre que penso neste filme revivo o diálogo com sensação de atualidade.

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O Patriota

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(The Patriot) 2000. Diretor: Roland Emmerich. Mel Gibson, Heath Ledger, Joely Richardson. 160 min. http://www.imdb.com/title/tt0187393/

Lembro muito bem do lançamento do filme. Foi na virada do milênio, na real e não na fictícia comemorada um ano antes. Isso por aquilo de que o ano zero nunca existiu, e o milênio virou no final de 2000. Um aluno –hoje médico e colaborador nas empreitadas educacionais, que muito tem de aventura e de sonho- comentou-me: “precisamos ver esse filme, todos juntos”. Á minha cara de interrogação, seguiu-se a explicação imediata: “Sim, é para que as pessoas aprendam como se carrega uma bandeira”. Confesso que fui assistir ao filme com esse comentário girando na minha cabeça e querendo descobrir o que seria esse “carregar a bandeira”.

São quase três horas de aventuras bélicas, dúvidas e decisões, batalhas e gritos rasgados de independência que se misturam com o sangue, as tragédias familiares, os apelos ao heroísmo, enfim, um verdadeiro épico, como os de antigamente. “Onde está a bandeira, a que temos que aprender a carregar?” – perguntava-me eu enquanto desfrutava do filme.

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O SHOW DE TRUMAN

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The Truman Show.  Diretor: Peter Weir. Jim Carrey, Ed Harris, Laura Linney, Noah Emmerich, Natasha McElhone. 110 min. 1998 USA.

Truman é uma criatura do seu tempo, ou melhor, do nosso tempo, pois somos nós os que a criamos. Desde o seu nascimento, sem lhe pedir licença, já é parte de um projeto. Uma vida sem nenhum direito à intimidade, onde o que conta é o sistema e o circo que é montado para albergar o cotidiano de Truman que nem desconfia ser o ator principal desse grande teatro. Transmitido sem interrupção, 24 horas no ar, para os 5 continentes, onde as pessoas estão pendentes da vida de Truman, muito mais do que da própria. Até parece que a própria vida careceria de sentido se não tivesse o simpático Truman na TV  –que em rotina encantadora cumprimenta o mundo, pensando apenas cumprimentar o seu vizinho. Bom dia, boa tarde e, caso não veja vocês, boa noite.

            Peter Weir, diretor australiano, tem gosto e sabe tratar, os temas que atingem a pessoa e a enfrentam com um sistema que abdica da liberdade. Enaltece o homem que não abre mão do seu compromisso vital, e que consegue extrair do seu interior riquezas que nem mesmo ele sabia possuir. Baste lembrar a Sociedade dos Poetas Mortos, A Testemunha, Gallipoli e O Mestre dos Mares

            O Show de Truman é um ensaio sobre as possibilidades da liberdade humana. O bom Truman, inofensivo e dócil, marionete do sistema que rende milhões em publicidade e recorde de audiência decide, de repente, exercer a sua liberdade, ser “espontâneo”. Uma atitude que não tinha sido prevista pelos criadores do show, pelo megalomaníaco controlador do sistema. Truman suspeita que algo não anda bem nesse mundo de faz de conta onde nada acontece. Entenda-se, nada ruim, já que tudo é previsto, organizado, contratado, projetado. Quando o ser humano não enfrenta dificuldades desconfia que esteja sonhando. É como aquele velho ditado: “se depois dos 50 anos, acordas de manhã e não doe nada, provavelmente estás morto”. As dificuldades e, sobretudo, os atritos no trato com os nossos semelhantes, que pulem as arestas do temperamento, são coisas de ordinária administração. E nessas dificuldades e desafios é onde a pessoa cresce e se constrói realmente. Uma vida que visa apenas evitar dificuldades é irreal, torna-se aborrecida.

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A FESTA DE BABETTE

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(Babette’s feast) Diretor: Gabriel Axel. Stephane Audren, Brigitte Federspiel, Bodil Kjer, Jalr Kulle. Dinamarca 1987. 102 min

Extrair poesia dos aspectos prosaicos da vida requer imaginação, em primeiro lugar. Depois,  um olhar penetrante que não resvale no superficial; sensibilidade para captar os detalhes e o lirismo que se esconde atrás do corriqueiro; talento expressivo para transmiti-lo de modo atraente. E, em todo momento, medida e ponderação para não carregar as tintas ou tornar-se repetitivo, mantendo, do começo ao fim, a beleza e o bom gosto.

Se o prosaico é um banquete, e o modo poético de mostrá-lo é o cinema, a tarefa não é fácil. Gabriel Axel, diretor dinamarquês, aceita o desafio e supera a prova com louvor. A festa de Babette é uma obra de arte, um primor cinematográfico que destila poesia em cada fotograma.

É claro que não são os l00 minutos de duração do filme, prosa poética em torno a um banquete. Mas os prólogos e preparativos, o entorno histórico gira em volta da “festa”, atingindo no momento da comida -isso mesmo, comida e muita- o ápice da produção. É um condensado de valores, com uma delicadeza e sobriedade pouco comum no cinema de hoje e na arte em geral.

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INSTINTO: Os sonhos como resistência ao sistema

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(Instinct) Diretor: Jon Turteltaub. Anthony Hopkins. Cuba Gooding Jr., Donald Sutherland. 123 min.

Não é fácil lutar contra o sistema, lutar sempre, ao longo de toda a vida. Opor-se de modo esporádico, protestar sazonalmente, é algo que muitos fazem. Geralmente dura pouco, não é uma oposição consistente. Perseverar em opinião contrária ao sistema, de modo sereno, trocando os gritos espasmódicos pelo labor eficaz, em atitude positiva, construindo uma realidade diferente daquela que se critica, é atributo de poucos. Talvez o mais importante seja saber o porquê do contraste, explicitar os motivos reais que nos levam a agir de modo diferente aos outros. Atuar em divergência com o sistema, sem saber por que, é irracional, e não perdura.

            Não há como deixar de lado uma história já comentada, a do telefone do filósofo inglês. Tinha esse filósofo uma curiosa gravação que atendia os chamados telefônicos quando ausente. A secretária eletrônica –answering machine, em inglês, textualmente “máquina de responder”- dizia : “Isto não é uma máquina de responder; é uma máquina de fazer perguntas –questioning machine. Quem é você e o que quer da vida?” Diante da surpresa, o perplexo interlocutor ouvia alguns segundos depois prosseguir a gravação: “Não se assuste. A maioria das pessoas vêm a este mundo e vão embora, sem ter respondido estas duas simples questões”. Saber quem somos e o que queremos é condição sine qua non para atuar de modo consciente, responsável e, quando necessário, situar-se em oposição ativa e racional a um sistema.

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UM GOLPE DO DESTINO

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(The Doctor). Diretor: Rainda Haines. William Hurt, Christine Lahti, Elizabeth Perkins. USA 1991. 123 min.

Os filmes de médicos sempre tiveram seu espaço no cinema e, em termos gerais, uma aceitação razoável da crítica. Talvez por trazer à tona uma situação na qual, antes ou depois, todos nós -humanos e mortais- estaremos envolvidos. Ninguém foge à doença e, via de regra, acaba caindo nas mãos de um médico. A solidariedade de qualquer ser humano com semelhantes circunstâncias explica a fácil sintonia do espectador com a temática do “filme-médico”, ou do “filme-hospital”.

A dimensão humana do médico costuma ser nota comum deste filmes, desde sempre. Já no ano l939, era levado ao cinema o conhecidíssimo romance de A.J. Cronin,  A Cidadela, um protótipo de gênero. No fundo, falar do médico como homem, é falar do paciente como pessoa. Eis a mensagem que vai implícita, e de importância singular. O doente é muito mais do que uma patologia ou um diagnóstico: é um ser humano que padece. Como tal, espera encontrar no médico muito mais do que competência científica. Espera compreensão, afeto, consolo e ânimo para defrontar-se com a moléstia que o acomete.

Quem sabe os filmes de médicos têm audiência porque todos gostamos de ver retratados neles o médico ideal, o médico que gostaríamos de ter quando, porventura, assumamos a condição de paciente. Destacar as virtudes que deve possuir, diminuir os defeitos, que sempre denunciam a despersonalização da medicina mais do que simples imperícia,  é o que todos almejamos.

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PATCH ADAMS – O AMOR É CONTAGIOSO

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PATCH ADAMS – O AMOR É CONTAGIOSO (Patch Adams) Diretor: Tom Shadyac. Robin Williams, Daniel Londosn, Monica Potter. USA 1998. 115 min

Vivemos num mundo de paradoxos, de contrastes. Na verdade sempre foi assim. É o tributo necessário que paga a liberdade humana e que rende seus dividendos em forma de heroísmos ou mesquinharias, traições ou fidelidades. Depende, claro está, do uso que cada um faz desse potencial que é o livre arbítrio. A novidade está em que o homem deste fim de século perdeu a capacidade de admiração, acostumou-se a viver entre paradoxos sem perguntar-se os motivos de por que perante o mesmo estímulo desafiador as respostas são tão variadas e antagônicas. E não apenas as respostas, mas as simples opiniões, os gostos corriqueiros, contrariam-se em oposição formal. Contraste pacífico, isso sim, pois não é do nosso estilo as batalhas ideológicas, e tudo o que possa cheirar a fundamentalismo. Afinal -poder-se-ia pensar- os gostos variam, nada mais natural. E fica por isso mesmo. São poucos os que se questionam sobre o porquê da variedade, numa atitude essencialmente filosófica. E para essa minoria, a pergunta vital pode descortinar um panorama imenso.

            As críticas não receberam “Patch-Adams” com bons olhos. São os entendidos em cinema, os comentaristas oficiais de tudo o que é produzido no campo da sétima arte, que pontualmente entregam suas apreciações profissionais para revistas de divulgação, jornais, e parafernália de opinião. Exagerado, grosseiro, desproporcional, e outros epítetos vinham desqualificar o filme que, na opinião dos sisudos críticos, chegava a tornar-se tedioso. “Robin Williams já esgotou suas possibilidades no papel de médico. Um chato de branco”.

            Sempre tive queda -uma espécie de carinho a priori– pelos filmes que a crítica se empenha em desqualificar. Não por aqueles que ignora, mas pelos que faz questão de destruir. Se o produto é ruim, não vale a pena gastar tinta denegrindo-o; ele mesmo se afunda. Quando se empregam páginas inteiras para dizer que é ruim, talvez seja porque simplesmente incomoda. Ou incomoda a reação do público que, contra todo prognóstico, elogia um filme que na opinião dos entendidos não passa de medíocre. Neste clima de expectativa, a curiosidade aumenta quando, no meio médico, principalmente entre os estudantes de medicina -que a muito custo conservam o ideal que lhes arrastou até a profissão mais polêmica do momento- comprova-se que o filme é recebido com entusiasmo. Está armado mais um paradoxo. Impõe-se parar, pensar, e, naturalmente assistir ao filme.

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