Natalia Sanmartin: “O despertar da Senhorita Prim”

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Natalia Sanmartin: “O despertar da Senhorita Prim”. Editora Quadrante.  São Paulo. 2016. 315 pgs

O despertar da senhorita PRIMChega às minhas mãos este livro, cortesia da Editora Quadrante que me solicita uma opinião sobre o romance. A autora, uma espanhola jornalista especializada em temas econômicos, surpreende o mercado editorial que, conforme vejo na internet, disputa os direitos autorais deste seu primeiro romance. Evidentemente, em se tratando de um romance de uma mulher para as mulheres (leio também que a escritora é uma defensora de Mulherzinhas, a obra de Louisa May Alcott, o que fica evidente na leitura do romance) após lê-lo, sinto a necessidade de colocar em pauta de discussão com as minhas colaboradoras da Tertúlia Literária Mensal.

A Tertúlia Literária Mensal, desta vez com a participação de 25 pessoas, a maioria senhoras de idade respeitável e alma jovem, é o gabarito para apreciar o impacto do livro. Encantou todo o mundo. Surgem os temas em cascata de opiniões: identifiquei-me com ela, quer controlar tudo e, sabemos por experiência, que a vida -e sobre tudo as pessoas- não se controlam.  A necessidade de espaços de formação em fogo lento, como a comunidade que tem tempo para tomar chá, conversar, entender os outros e entender-se a si mesmo. Tertulia literatia Novembro 2016Olhar para os demais, sair da visão fechada e egoísta de “quem somente olha para o próprio umbigo”. Conhecimento próprio: afinal para que eu estou no mundo?  E, o grande protagonista que pulsa silenciosamente por trás de cada uma das páginas do livro: o tempo! O uso do tempo, e a virtude necessária para trabalha-lo: a Paciência. A paciência é “o amor que se faz tempo”, em palavras de Von Balthasar, e “a forma quotidiana do amor”, em frase lapidaria de Ratzinger. Paciência com os outros, e paciência conosco mesmos, em atitude desprendida, sem carências que mendigam gratidão como esmola pelas esquinas da vida. Magnanimidade, sentido de transcendência, generosidade alegre. Saber esperar, sem ansiedades nem imediatismos.

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O Lar das Crianças Peculiares: Colocando os talentos ao serviço do próximo

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(Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children) 2016. Diretor: Tim Burton. Eva Green, Asa Butterfield, Samuel L. Jackson, Kim Dickens, Allison Janney, Ella Purnell, Judi Dench, Chris O’Dowd, Rupert Everett, Terence Stamp. 127 min.

o lar das crianças peculiaresConfesso que com esse título e sob a direção de Tim Burton, o somatório de peculiaridades era tanto, que o resultado não se me apresentava convidativo. Para minha sorte tropecei com uma crítica de um informativo de cinema eletrônico que me chega regularmente. São acadêmicos que ensinam cinema numa Universidade europeia, o que também não é garantia de nada. Mas a afirmação era categórica: “o melhor Tim Burton desde Big Fish -As histórias do peixe grande. Provavelmente superando-o”. A imensa figura de Albert Finney, o contador de histórias no Peixe Grande, veio à minha memória. E o puxão de orelhas que dá no filho quando lhe diz: eu conto histórias verdadeiras, se você não acredita o problema é seu, não meu. No final, as histórias, o filho, o pai, e o peixe grande alcançam a redenção através da simplicidade. Bastou esse arco voltaico, entre os comentários que tinha lido e as lembranças do Peixe Grande, para disparar a faísca que me levou a assistir o filme.

Gostei demais. Um filme notável, uma maravilhosa fábula sob o comando do sempre surpreendente Tim Burton. E como todas as fábulas, prestam-se a variadas interpretações. Mas, bom é dizer, que a fita está esteticamente muito bem construída. É bonita, visualmente cativante, impõe-se na própria imagem, cria espaço para que as reflexões -que surgem, na hora e muito depois, aquele efeito retardado, paladar com bom sabor de boca do cinema de classe- sejam embaladas por uma melodia harmônica, uma sinfonia visual.

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Leonard Sax: Garotos à Deriva, Garotas no Limite

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Leonard Sax: Garotos à Deriva, Garotas no Limite. Ed. Quadrante. São Paulo. 2016. 215 pgs.

Leonard Sax - Garotos à Deriva, Garotas no LimiteApós acompanhar a trajetória de Leonard Sax, MD, PhD e de ter lido suas obras – o que rendeu uma amizade frutuosa, e muitas reflexões sobre as necessidades da educação moderna- uma editora brasileira decide traduzir um dos seus livros publicados na França. Trata-se de “Pourquoi les garçons perdent pied et les filles se mettent en danger”. JC Lattes. Paris. 2013., que é uma interessante síntese da ampla experiência deste médico americano no atendimento de adolescentes por mais de um quarto de século. Os comentários que o leitor pode apreciar a seguir, são o corpo do Prefácio que o autor, de comum acordo com a editora, solicitou-me. Procurei incluir nele o resumo principal dos seus ensinamentos, não apenas no presente livro, mas no conjunto da sua obra. Uma contribuição científica que me parece indispensável para professores, gestores de educação e, naturalmente, pais e mães de família.

Prefácio

Recebo o convite para prefaciar este livro, um convite que me chega bilateralmente: por parte dos editores, e por parte do mesmo autor. Não há como recusar. É uma questão de justiça, pois o prefácio que respeitosamente abre esta importante obra é, na verdade, o epílogo de uma história de anos. Contar esta história parece-me muito mais interessante do que escrever um prefácio técnico. Compartilhar com os leitores o meu itinerário pessoal de mãos dadas com as ideias de Leonard Sax, pode ser a maneira mais útil de ajudar a preparar o ânimo para a leitura. É disso que se trata.

Tinha-me chegado alguma referência do primeiro livro de Leonard Sax “Why Gender Matters” , dirigido a pais e educadores. Parece-me lembrar que algo anotei na minha agenda. Na primavera de 2007, encontrava-me em Chicago por conta de um congresso de professores de medicina de família. Deparei-me com o livro na vitrine de uma livraria. Comprei-o, e o devorei nas viagens aéreas que tinha por diante.

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O Mestre dos Gênios: Um convite ao renascimento da comunicação

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(Genius). 2016. 104 min. Dir: Michael Grandage. Colin Firth, Jude Law, Nicole Kidman, Laura Linney

O mestre dos gênios - capaJá me disseram -várias vezes- que os meus comentários de filmes são excessivamente longos. Sim, dizem, são interessantes, destilam conteúdo, mas nem sempre o leitor se anima com tudo o que você escreve. Quem sabe, algo mais curto, direto, objetivo. Afinal, o que as pessoas querem é uma recomendação específica de um bom filme para assistir. Não estou muito convencido de ser esse o meu papel, recomendar filmes. Nunca pretendi ser um crítico de cinema; vejo-me mais como quem pensa em voz alta e escreve as reflexões que um filme proporciona, os desdobramentos. Mesmo assim, é bom seguir os conselhos dos amigos.

Este filme notável brinda-me a ocasião de inaugurar um estilo de comentários mais palatáveis. Não sei quanto vai durar este propósito porque, afinal, para essa conquista -a síntese enxuta das palavras é uma verdadeira conquista- eu precisaria de um editor. Como o protagonista que aparece neste filme de época. Um editor em estado puro: Max Perkins, que enxuga, corta sem piedade páginas e páginas, muda títulos, mesmo não sabendo se com isso transforma os livros em algo melhor ou, simplesmente, em algo diferente.

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(Português) Buscando uma Humanização Sustentável da Medicina

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Publicado originalmente em SlowMedicine

No passado dia 18 de outubro, dia do Médico, o CREMESP lança uma campanha para Humanizar a Medicina , aponta ser tema prioritário e lembra a importância do calor humano e da relação médico paciente. No vácuo desta iniciativa corporativa do Organismo que regula a profissão médica anotamos as seguintes reflexões.

A Humanização da Medicina assume notável protagonismo na agenda dos Educadores na Academia, e dos Gestores nos diversos Sistemas de Saúde. O motivo é claro: nos dias de hoje a medicina tem de ser forçosamente humana se quer pautar-se pela qualidade e pela excelência. Humanizar a Medicina é, assim, além de uma obrigação educacional uma condição de sucesso para o profissional de saúde.

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Buscando uma Humanização Sustentável da Medicina

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Publicado originalmente em SlowMedicine

No passado dia 18 de outubro, dia do Médico, o CREMESP lança uma campanha para Humanizar a Medicina , aponta ser tema prioritário e lembra a importância do calor humano e da relação médico paciente. No vácuo desta iniciativa corporativa do Organismo que regula a profissão médica anotamos as seguintes reflexões.

A Humanização da Medicina assume notável protagonismo na agenda dos Educadores na Academia, e dos Gestores nos diversos Sistemas de Saúde. O motivo é claro: nos dias de hoje a medicina tem de ser forçosamente humana se quer pautar-se pela qualidade e pela excelência. Humanizar a Medicina é, assim, além de uma obrigação educacional uma condição de sucesso para o profissional de saúde.

O modo mais prático de perceber esta necessidade é observar as consequências que a sua ausência provoca. Quando existe um clamor pela Humanização de uma situação, de uma atitude ou profissão é porque de algum modo se reclama algo que se entende como essencial em determinada circunstância concreta. No caso da medicina, as chamadas de atenção costumam vir da parte do paciente, como advertência que orienta na recuperação de algo que, tendo-se o direito de esperar do médico e da medicina, não se encontra na prática.

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Henry Marsh: “Sem Causar Mal”

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Henry Marsh: “ Sem Causar Mal”. (Histórias de vida, morte e neurocirurgia). nVersos. São Paulo, 2016. 287 pgs.

Sem causar malÉ uma convicção que me acompanha faz tempo, e que tenho comprovado diversas vezes: quando um cirurgião envereda pelos caminhos da educação médica, é objetivo, tem impacto, entra para consertar. E costuma dar-se bem. Este livro não é propriamente um tratado de educação médica, mas de fato educa, porque faz refletir.

Henry Marsh, conhecido neurocirurgião britânico, escreve com estilo familiar, e sem nenhuma pretensão literária, uma espécie de memórias. Ou talvez, as memórias dos seus equívocos profissionais, sobre os quais reflete com sinceridade, e nos faz pensar ao tempo que também nos educa enquanto descreve a técnica operatória de um determinado caso: “Meu aspirador se está movendo por entre o pensamento, pela emoção e pela razão; e ocorre-me pensar que as memórias sonhos e reflexões são tão consistentes como gelatina”.

Gostei, sim, e muito do livro. Algo diferente ao que estamos acostumados quando lemos as memórias dos médicos, onde a emoção -que está sempre presente-  pode tirar realismo da situação que, no momento, nada tem de poético. A ironia e o ceticismo estão presentes; o autor não faz questão de esconde-los, e talvez por essa sinceridade nos educa mostrando que há caminhos para melhorar quando expomos nossas limitações. “Não há evidências de que as raspagens totais que fazíamos no passado, que faziam com que os pacientes se parecessem com presidiários, tinham qualquer efeito sobre as taxas de infeção. Eu suspeito que a verdadeira -embora inconsciente- razão era o fato de que desumanizar os pacientes facilitava para que os cirurgiões os operassem. ”

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Daniel Silva: O Caso Caravaggio

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Daniel Silva: O Caso Caravaggio. Harper Collins Brasil. Rio de Janeiro. 2016. 350 pgs.

Daniel Silva - O caso caravaggioDaniel Silva, a pesar do que o nome possa sugerir, é um escritor americano, filho de pais Açorianos, com impacto no mercado editorial pelos seus livros policiais e de espiões. Aqui o protagonista é Gabriel Allon, uma das suas personagens preferidas. Allon é um restaurador de arte, de ampla cultura, técnica refinadíssima e com uma paciência digna de Job. “Remover o verniz de um quadro barroco não era como espanar um móvel; era mais parecido com esfregar o chão de um porta-aviões com uma escova de dentes”.

O livro tem uma abertura cativante e promissora. Negócios que envolvem obras de arte, um cadáver brutalmente mutilado, e o desaparecimento de um quadro notável. Quando se juntam violência, sordidez é arte, nada mais lógico que jogar no crédito de Caravaggio -que entendia muito bem de ambos cenários- a obra desaparecida: A Natividade com S. Francisco e S. Lourenço. Allon, esperto em arte entra em cena. Mas o principal motivo da convocação é a identidade que se esconde por trás do artista restaurador: um espião, um agente bem treinado da inteligência de Israel.

A trama decola com interesse, repleta de ironias finas, diálogos sutis, muitas entrelinhas. Faz lembrar os romances noir clássicos, de Raymond Chandler ou de Dashiell Hammett. E tem até recados com substância que fazem pensar. Anoto um que me chamou a atenção, em perfeita sintonia com os tempos que vivemos:  “Houve uma época em que os seres humanos não sentiam a necessidade de compartilhar todos os seus momentos acordados com centenas de milhões, até de bilhões, de completos estranhos. …. Agora, na era da perda da inibição, parecia que nenhum detalhe da vida era mundano ou humilhante demais para ser compartilhado. Na era online era mais importante viver se mostrando do que viver com dignidade. Seguidores na internet eram mais apreciados o que amigos de carne e osso, pois davam a ilusória promessa de celebridade, até de imortalidade. Se Descartes estivesse vivo hoje, ele poderia ter escrito: eu tuito, logo existo”

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Miguel de Cervantes: “Novelas Exemplares”

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Miguel de Cervantes: “Novelas Exemplares”. Aguilar. Madrid, 1949 em Obras Completas.

Cervantes-Novelas-ExemplaresO quarto centenário da morte de Cervantes era um apelo muito forte para ser recusado na nossa tertúlia literária mensal. Sabendo que ainda nos restaria a dívida com Shakespeare -que morreu no mesmo dia que Cervantes, 23 de Abril de 1616- decidimos pelas Novelas Exemplares. Não uma obra menor, pois não são poucos os entendidos que dizem que se Cervantes não tivesse escrito D. Quixote, teria passado também à galeria dos clássicos por esta coleção de relatos que ele quis denominar exemplares, porque de todos eles há um exemplo -ou vários- para aprender.

São assim, as Novelas, textos “das quais pode se tirar algum exemplo, e diversão;  porque nem sempre estamos nos templos ou oratórios, ou nem sempre estamos nos negócios por qualificados que estes sejam: há horas onde é preciso recriar-se, e deixar que o espírito descanse”. Cervantes ensina e estimula as virtudes que nos cercam no quotidiano, e que assimilamos enquanto nos divertimos e descansamos escutando estas histórias. Uma didática do dia a dia, sem a necessidade de sérias meditações ou de esforços de aprendizado.

Tentar resumir em poucas linhas estes ensinamentos é pretensão ridícula e insana. Não há como substituir a cadência, os raciocínios e o bom dizer do escritor espanhol, sempre que a tradução seja fiel e esmerada. Um assunto não desprezível, porque traduções mancas são capazes de assassinar o gênio de qualquer um, mesmo de Cervantes.

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Leonardo Padura. “O Homem que amava os cachorros”

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Leonardo Padura. “ O Homem que amava os cachorros”. Editora Boitempo. 2013. 600 pgs. 

(“El hombre que amaba a los perros”. Maxi Tusquets Ed. Barcelona 2014. 765 pgs.)

O homem que amava os cachorrosTinham-me recomendado o livro; várias vezes, e de fontes confiáveis.  Mas o formato digital da obra do premiado escritor cubano, não acabava de me convencer. Menos ainda por tratar-se da versão portuguesa. Quando consigo ler os livros na língua original -o que muitas vezes não é possível para quem não é poliglota- declino as traduções. Anotei entre as pendências e na primeira ocasião que tive, entrei num sebo em Madrid. “Os livros de Padura duram pouco aqui. Vendem-se mal entram”. O comentário do livreiro bastou para me dirigir diretamente à Casa do Livro, pois o tinha localizado previamente no catálogo. Não o encontrei entre os autores de língua espanhola e perguntei ao atendente. Ele certificou-se de que efetivamente estava na relação e foi descobri-lo numa prateleira dedicada às “Narrativas Negras”, enquanto eu me perguntava o motivo de tal classificação. Uma ficção “noir”? Eu tinha entendido que se tratava de um episódio histórico. Curiosidade que demorei pouco em satisfazer.

No final do livro, enquanto o autor prepara os agradecimentos, adverte que se trata de uma novela, apesar da agoniante presença da História em cada uma das suas páginas. E de fato, este livro singular e admirável, é um romance histórico com fundamento absoluto na realidade.  Uma história que Ivan, o aprendiz de escritor, relata a partir dos encontros com uma personagem que, do momento em que o encontrou, batizou-o como o homem que amava os cachorros. Uma narrativa que oscila entre os três personagens principais que conduzem a sinfonia histórica romanceada. Mas, repito, um romance que te congela: não apenas pelo frio soviético, mas pela verossimilitude dos fatos e do peso histórico, que o romance, povoado de inúmeros personagens coadjuvantes, torna-o ainda mais estarrecedor.

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