Lopez Lomong: “Correr para vivir”

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Lopez Lomong: “Correr para vivir”. Astor, Palabra. Madrid. 2014. 300 pgs.

Lopez Lomong - Correr para vivir     Quando me recomendaram este livro (que li em espanhol, não há versão portuguesa, mas a linguagem é fácil de entender) o primeiro que me perguntei é o por que do nome do protagonista que é também quem escreve.. López não me parecia um nome adequado para um sudanês. Vim descobrir depois que López é, na verdade, Lopez, palavra oxítona, um curioso resultado de Lopepe –termo que significa veloz na linguagem do Sudão- com Joseph, o nome que lhe foi imposto no Batismo, sendo também sua identificação em USA, o pais que lhe acolheu.

Porque a história de Lopez é uma aventura real. Um garoto de seis anos, sequestrado pelos revolucionários sudaneses durante a guerra civil, que consegue escapar do cativeiro, fugir do seu país, para acabar num campo de refugiados no Quênia. E tudo isso correndo, dias e noites, distâncias que são difíceis de acreditar. Foi desse modo como esse jovem, hoje atleta olímpico, descobriu seu potencial. A família já intuía esses dons quando o apelidou Lopepe –rápido- pois esse era o modo de realizar os encargos que a mãe lhe dava quando criança: sempre correndo, com celeridade inusitada.
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Charles Dickens: “Um Conto de Duas Cidades”

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Charles Dickens: “Um Conto de Duas Cidades”. Nova Cultural. São Paulo. 2002. 510 pgs.

Charles Dickens - Um conto de duas cidades     Uma nova tertúlia literária, brinda-me a oportunidade de reler o clássico de Dickens. Lembrava das duas cidades –Londres e Paris- , da revolução francesa, e das mulheres que tricotavam enquanto assistiam aos trabalhos do novo invento, a guilhotina. Como um divertimento, como aquela “lepra da irrealidade desfigurava cada ser humano”. Mas, as personagens me escapavam, embaçadas na memória…. E Dickens é um autor de personagens. Vale pois o esforço de reler, e as surpresas.

Personagens, e descrições, sempre britânicas. Anotei a que descreve a “metodologia de treinamento” do Banco Tellson de Londres, porque me pareceu significativa. “Quando a casa de Londres do Tellson Bank contratava um jovem, por certo o escondia em algum lugar até envelhecer. Provavelmente guardavam-no num lugar escuro, como fariam com um queijo, até ele adquirir uma tonalidade esverdeada de bolor. Só então o autorizavam a aparecer em público, formidavelmente absorvido nos imensos livros, acrescentando suas vestimentas antiquadas ao peso geral do estabelecimento”.
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Gustavo Corção: “Lições de abismo”

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Gustavo Corção: “Lições de abismo”. Ed. Agir. São Paulo. 1976. 265 pgs.

Corção - Lições de abismo     Estava com vontade de reler Lições de Abismo. Deixou-me marca no seu dia, há mais de 25 anos. Agora, convocado para coordenar as reuniões literárias mensais surge a oportunidade de voltar sobre páginas que a correria do dia a dia não oferece o espaço que merecem para saboreá-las de novo. Lá encontro muitas das ideias que venho usando nestas quase três décadas, plasmadas em prosa elegante, clara, direta, sugestiva. E, nos comentários dos assistentes á tertúlia literária, novas iluminações sobre temas essenciais. Porque o livro de Corção –seu único romance- é mesmo uma lição de abismo, profunda. Na verdade, o romance é mera desculpa para filosofar em voz alta. Uma filosofia que chega junto de nós, em conversa de boteco, impregnada de sabedoria do quotidiano. “O homem precisa mais de assunto do que de pão. E como as mais irrespiráveis abstrações tem sempre raiz no que se vê e no que se ouve, é preciso de tempos em tempos ir esfregar o eu-dormente nas boas coisas que acontecem, para evitar as cãibras da alma”.

Lembrava bem do argumento, quer dizer, de desculpa para arrancar este ensaio em forma de romance. O protagonista recebe do médico a notícia que teme: está com câncer. Seu tempo é limitado, entra na contagem regressiva, dispara-se a reflexão. Não recordo se na época que li chamou-me a atenção as digressões para com os médicos. Hoje, com quase 35 anos na profissão, não tenho como deixar passar. São precisas, definitivas: “A mais angustiosa suspeita de qualquer doente é justamente a de que não estão dando todo o particular valor ao seu particularíssimo caso. Seu medo é que o médico, ainda que não se equivoque, fique perdido no vago domínio das generalidades. O doente, para o médico, quer ser um filho único, quer ser um namorado. Quer ser concreto”.
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Uma Vida Comum: O Encanto de uma rotina iluminada

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Still Life. (2013). 92 min. Diretor: Uberto Pasolini . Eddie Marsan, Joanne Froggatt.

Still life     Uma vida comum. Esse é o título que nos oferece a tradução brasileira. Correto, resume o contexto, mas não chega a ser tão desafiante como o original: Still Life, natureza morta. Esse sim é preciso, audaz, impactante. Igual que a temática, a interpretação –quase um solo extraordinário do protagonista- e os detalhes nas tomadas da câmara. Nada sobra, nada falta. Um quadro perfeitamente encaixado, silencioso e gritante, instigador. Uma verdadeira natureza morta pintada, para maior requinte, por um diretor italiano transplantado na Inglaterra. Uma bela mistura que cristaliza num filme singular e intrigante.

     A estética merece comentários, muitos, e sem dúvida de mais categoria do que estes. Mas não é o propósito destas linhas. Mais do que descrever o quadro, o nosso é relatar o que o quadro nos provoca. E, isso sim, origina uma enxurrada de reflexões. Tive muitas quando o vi, vieram muitas mais depois –aquele efeito retardado próprio dos filmes de categoria-, e ampliaram-se quando coloquei a fita como base de um cine-debate com universitários. Ninguém tinha assistido o filme ainda –nos dias de hoje um verdadeiro recorde- e eu sentia a necessidade de observar as reações, os comentários, de espectadores variados para ampliar um universo de percepções que, desde o início, suspeitei ser de grande riqueza.Leia mais

Khaled Hosseini: “O Caçador de Pipas”

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Khaled Hosseini: “O Caçador de Pipas”. Ed. Nova Fronteira. 2003. Rio de Janeiro, 365 pgs.

O caçador de pipas     Por alguma razão, que nunca tive muito clara, sempre me resisti a ler best-sellers. Talvez uma certa alergia ao gosto massivo por novidades que nada tem a ver com qualidade. A culpa, evidentemente, nunca é da obra, do livro, do filme. Mas sim  do ambiente que gravita sobre a novidade em questão, sem tomar consciência do por quê. Algo parecido com a famosa maçã de Newton, que cai sem saber exatamente os motivos; somente um observador atento, é capaz de desentranhar as razões e os mecanismos da queda.

     Agora vi a maçã cair, e entendi um pouco melhor a minha repulsa pela novidade. Aconteceu-me numa das reuniões literárias de um projeto de longevidade –um modo elegante para falar das atividades culturais com a terceira idade- ao qual sou convidado como moderador, num hospital em São Paulo. O livro que tinha sido sugerido é este que nos ocupa. Comprovei que todos os presentes já o tinham lido –tempo atrás, quando era recorde de vendas. Eu tive de ler expressamente para esta ocasião, pois não o fiz na época do boom editorial. Gostei, tomei notas, enquanto me perguntava pelos comentários que viria ouvir na reunião literária.

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Educando as emoções para uma atuação ética: construindo o profissionalismo médico

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Os dilemas éticos que surgem na prática diária e o profissionalismo que se requer para atender o paciente são desafios que requerem uma visão ampla dos cuidados médicos. O modelo biomecânico baseado na especialização e os códigos de ética resultam insuficientes para apresentar as respostas adequadas. Faz-se necessária uma formação médica mais ampla, criativa, universal, humanista. Por outro lado, os dilemas éticos se apresentam frequentemente embrulhados em emoções: as do paciente e as do profissional que cuida dele. Trabalhar as emoções – educá-las – é uma necessidade imperiosa na educação médica. As humanidades – literatura, música, cinema, narrativas – são um recurso de utilidade para educar as emoções, e promover a empatia, que é a pedra angular do profissionalismo médico e do comportamento ético. No presente artigo os autores descrevem as experiências educacionais com vários recursos humanísticos na educação de estudantes e residentes de medicina. As emoções que estas experiências despertam devem ser transformadas pela reflexão em vivências que geram atitudes capazes de construir atitudes éticas e edificar o profissionalismo. As humanidades são como os hormônios que catalisam o pensamento e humanizam a prática médica – Sir William Osler

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Michel Barlow: “Diario de un profesor novato”

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Michel Barlow: “Diario de un profesor novato”. Ed. Sígueme. Salamanca. 1984. 160 pgs.

Diario de un profesor novato     Foi o meu irmão Pedro, um apaixonado pela educação, quem me recomendou este livro. Aliás, não foi uma recomendação, mas um par de folhas manuscritas que me enviou por correio com umas citações deste autor;  li, gostei, e guardei no meu fichário. Muitos anos depois, revisando anotações para preparar uma conferência, deparo-me com estas fichas. Pedro não está mais entre nós, mas sei que continua nos olhando do Céu e supervisionando nossos métodos educacionais –a educação é uma paixão que tomou forma epidémica na família, forma benigna entenda-se. Imediatamente adquiro o livro pela Internet numa rede de sebos de livros em espanhol. Não sei se são os bastidores –o making-off, diríamos em linguagem moderna- que acabo de relatar, ou o livro em si, mas o fato é que não me lembro de ter anotado tantas ideias na leitura de um livro tão curto. Uma desproporção saudável. Traduzo livremente do espanhol, com toda paz, sabendo que o original é francês, de modo que o conteúdo deve estar preservado.

     O diário são as anotações de um jovem, ainda estudante universitário, que desempenha a função de professor durante um par de anos numa aldeia do interior da França, no início dos anos 60. Lá encontra o seu desafio, um conjunto heterogêneo de alunos que deve guiar através do aprendizado da língua, da literatura, da cultura. “Uma massa não se transforma espontaneamente numa comunidade. Essa é a tarefa do professor: conseguir a unidade em trinta encantadores e anárquicos estudantes. Não se trata de impor a disciplina militar ou o silêncio do cemitério. Mas exige um esforço que não é simples. Assim costumo dizer: A escola não é um quartel. Meu papel consiste em ajudar que vocês se cultivem a vocês mesmos. E cultivar-se não é encher a cabeça de conhecimentos, mas encontrar a fibra do espírito. Para isso o método é colocar-se em contato com os homens, despertar os próprios pensamentos no contato com os outros.  Formamo-nos através das pessoas com as quais nos encontramos.”
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A 100 Passos de um Sonho: O doce paladar da simplicidade da vida

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The Hundred-Foot Journey (2014).  122 min  Diretor: Lasse Hallström.  Helen MirrenOm PuriManish Dayal.

A 100 Passos de um Sonho - capaA recomendação chegou-me de uma velha amiga; uma professora americana, com quem divido preocupações e projetos no mundo da educação médica. Foi durante um Congresso em Milão, onde ela coordenava um workshop que ostentava um título desafiante: “Fortalecendo o académico do século XXI”. Os outros participantes do painel apresentaram os planos de integração global da AAMC (a associação que reúne todas as faculdades de medicina americanas), intercâmbios, publicações, formação continuada. A parte que a mim correspondia no workshop para revigorar o académico do futuro ficava por conta …..do cinema. Os americanos adoram ver como utilizamos seus produtos de Hollywood para ensinar relações humanas, empatia, ética, e todos esses valores que cercam o mundo formativo do médico, integrados numa palavra mágica que está na moda: profissionalismo. Uma dimensão tão necessária como difícil de ensinar, onde as humanidades e as artes –o cinema, sem dúvida- tem uma contribuição necessária.Leia mais

Nuccio Ordine: “La utilidad de lo inútil. Manifiesto”

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Nuccio Ordine: “La utilidad de lo inútil. Manifiesto”. Acantilado. Barcelona. 2013. 172 pgs.

Edição @ 9/mar/2016: O livro foi traduzido ao português e é oferecido pela editora Zahar.

La utilidad de lo inútil Manifiesto     Como se indica junto do cabeçalho, isto mais do que um livro é um manifesto. Uma declaração, um statement. O título –tema sedutor, com o qual venho me relacionando em longo namoro- foi o que me levou a comprar o livro, na versão espanhola (não me consta que exista tradução ao português).  Pouco me importava se tratava-se de um protesto assertivo ou de um raciocínio lógico: o assunto da cultura –da falta dela, se entende- é como um imã sugestivo que me atrai incondicionalmente. É mais, deixo-me atrair, agarro-me a ele, seguindo aquele conselho de Ortega de que á cultura é o que nos salva do naufrágio vital. Mormente nesta época de avanços tecnológicos impensáveis, verdadeiros Titanics que navegam para o golpe fatal por desprezar a inutilidade de um iceberg que surge no meio do percurso.

A declaração situa o abre alas do tema com clareza. “A lógica do benefício mina na base as instituições (escolas, universidades, centros de pesquisa, museus, bibliotecas) e as disciplinas (humanísticas e científicas) cujo valor deve coincidir com o saber em si, independentemente da capacidade de produzir ganâncias ou benefícios práticos”. E tudo isto, para que serve? O que eu ganho com isto? Pergunta que, quando não explícita –até fica mal dizer assim, de cara, o que no fundo estou pensando, quanto levo eu com tudo isto- nunca deixa da pairar no ambiente. Esse questionamento é já cortina que embaça a beleza da vida, que faz perder o encanto do viver. “É doloroso ver homens e mulheres empenhados numa insensata carreira à terra prometida do benefício, na que tudo o que lhes rodeia –a natureza, os objetos, os outros seres humanos- não despertam nenhum interesse. O olhar fixo nesse objetivo não permite entender a alegria dos pequenos gestos quotidianos nem descobrir a beleza que pulsa nas nossas vidas: um por de sol, um céu estrelado, a ternura de um beijo, a eclosão de uma flor, o voo de uma borboleta. Porque, frequentemente, a grandeza se percebe melhor nas coisas mais simples”.
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Guimarães Rosa: “A hora e a vez de Augusto Matraga”

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Guimarães Rosa: “A hora e a vez de Augusto Matraga” (Sagarana). Liv. Jose Olympio. Rio de Janeiro, 1958

A-hora-e-a-vez-de-augusto-matraga     Dando sequência aos livros “sob encomenda”, esta vez toca glosar à conhecida obra de Guimarães Rosa. O cenário foi um clube de leitura incluído num projeto de longevidade liderado por um hospital de São Paulo onde trabalhamos. Promovem-se atividades físicas e intelectuais -e naturalmente prevenção em saúde- para pessoas da terceira idade. Qualificação esta –a de terceira idade, se entende- que me desgosta, não apenas porque devo estar próximo a ser incluído nela, mas porque não quer dizer absolutamente nada. Afinal, o que conta é a vontade de viver e a sabedoria com que se gasta a vida, a idade é apenas um detalhe. Ai está o nosso Augusto Matraga que é um bom exemplo de que a sabedoria –encontrar a hora e a vez de cada um- não tem idade.

     Tinha lido o livro anos atrás. Mais de uma vez. O resumo que minha mente arquivava era algo assim como “uma apologia da mansidão” unida à aquela frase inesquecível: “P’ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!”  Esquecera os detalhes –que agora pude saborear novamente- mas no meu íntimo, a historia do jagunço estava atrelada à passagem bíblica que louva o homem paciente “que por dominar o seu ânimo vale mais do que o conquistador de cidades”. O homem paciente;  mas decidido e focado: “Eu vou p’ra o céu, e vou mesmo, por bem ou por mal. …..E a minha vez há de chegar….”Leia mais