Stanislao Dziwisz: “Una Vida con Karol”

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Stanislao Dziwisz: “Una Vida con Karol”. La esfera de los libros. Madrid. 2008. 254 pgs.

una_vida_con_karol     A recente canonização de João Paulo II foi o estímulo que me fez tirar da prateleira este livro que lá descansava há um par de anos, da época em que o adquiri. Quem escreve é o atual Cardeal de Cracóvia que foi secretário de João Paulo II durante 40 anos, desde a sua ordenação –realizada pelo mesmo Karol Wojtyla- em 1963. São lembranças esparsas que emergem ao compasso do diálogo com o interlocutor, o vaticanista, Gian Franco Svidercoschi.

     Não há grandes novidades, pois é muito o que conhecemos do Papa polonês, que nos foi chegando ao longo dos quase 27 anos de pontificado, o terceiro maior da história da Igreja. Mas serve para destacar aspectos fundamentais da sua figura. O primeiro, sem dúvida, o muito que João Paulo II rezava: era um homem de oração, longa, profunda. “Sua capela privada era o lugar onde vivia os encontros pessoais com Deus. Passava lá o maior tempo possível. As freiras o encontravam muitas vezes lá, prostrado no chão, imerso nas suas preces(…) Não deixava de rezar. Misturava a preparação dos discursos com os mergulhos na capela, onde sumia-se em oração”.

     Da relação de Wojtyla com o Cardeal Wyszynski, primaz da Polônia, relatam-se alguns aspectos que eu não conhecia. Parece ser que quando Karol Wojtyla foi nomeado arcebispo da Cracóvia, não constava na lista de candidatos sugerida por Wyszynski. O secretário do partido comunista polonês orgulhou-se da nomeação e disse que tinha sido ele quem facilitou a nomeação de Wojtyla –pensando tratar-se de uma pessoa aberta e colaboradora, a diferença de Wyszynski que tinha enfrentado o regime, e padecido como vítima da repressão. Mas o provável é que o primaz atuou desse modo –omitindo o nome de Wojtyla- para não queimar o seu verdadeiro candidato. O atentado a João Paulo II acontece quando Wyszynski, já idoso e muito doente, estava morrendo. O primaz soube do atentado e arrancando forças conseguiu prolongar sua agonia por três semanas. Faleceu depois de ter falado com João Paulo II por telefone e certificar-se de que sairia com vida do atentado.
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João Guimarães Rosa: “Primeiras Estórias”

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João Guimarães Rosa: “Primeiras Estórias”. Ed Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 2001.

guimaraes_rosa_primeiras_estorias     Ler Guimarães Rosa é sempre uma aventura pessoal, um envolvimento. Saborear os pensamentos que embrulham as personagens, salpicando narrativas e paragens. Sem a urgência de querer entender tudo, num simples degustar. Porque a estética carece de serenidade, de contemplação, desse tempo que hoje não queremos ter porque nos urge estar muito ocupados com o vazio. Somente a calma nos permite sintonizar com os relatos do escritor mineiro, que têm uma topografia agridoce, sumidas na circuntristeza. “Tudo se amaciava na tristeza. Até o dia; isto era: já o vir da noite. Porém, o subir da noitinha é sempre sofrido assim. O silêncio saía de seus guardados”.

Saborear e refletir, para encontrar as raízes, crescer em conhecimento próprio. Se eu conseguir recordar, ganharei calma, se conseguisse religar-me: adivinhar o verdadeiro e real, já havido. E, lá dentro de nós, descobrir que nem sempre somos como gostaríamos, ou como nos apresentamos. A reflexão perfura o marketing que fazemos de nós mesmos, deixando-nos nus, expondo a realidade, onde se agita a maligna astúcia, da porção escura de nós mesmos, que tenta incompreensivelmente enganar-nos ou, pelo menos retardar que perscrutemos qualquer verdade.

Degustar com vagar o pensamento evocado, para aprender a ser feliz, a valorizar o que temos sem perder-nos em sonhos ou quimeras. A gente nunca podia apreciar, direito, mesmo, as coisas bonitas ou boas, que aconteciam. Às vezes, porque sobrevinham depressa e inesperadamente, a gente nem estando arrumado. Ou esperadas, e então, não tinham gosto de tão boas, eram só um arremedado grosseiro. Ou porque as outras coisas, as ruins, prosseguiam também, de lado e do outro, não deixando limpo lugar. Tremenda atualidade nestes nossos tempos onde tudo o que se escuta é queixa, lamúria, reclamação. Difícil é encontrar um elogio otimista, sincero, quase ingênuo, mas que é sábio porque entende que quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.

O egoísmo fechado em si mesmo, atarefadíssimo –o egoísta está sempre muito ocupado- não abre espaço à solidariedade, á observação carinhosa que se esforça por entender o padecimento alheio: A Mãe e o sofrimento não cabiam de uma vez no espaço de instante(..) O que se consumia de comer era só um quase. E a compaixão que resulta dessa observação: para o pobre os lugares são mais longes.

Somos, como diz o escritor, gente que não presta, que vive em estreita desunião. A verdade é que vivemos de modo incorrigível, distraídos das coisas mais importantes. Da ternura, da serenidade, da paz. Quem sabe ler Guimarães Rosa nos cutuque para buscarmos as prioridades da vida.

47 Ronins: Uma avalanche de virtudes que carecemos!

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47 Ronins. Diretor: Carl Rinsch. Keanu Reeves, Hiroyuki Sanada, Min Tanaka, Kou Shibasaki, Tadanobu Asano, 119 min. (2013)

47ronins-capa     Reconheço que minha sensibilidade é insuficiente para apreciar a fascinante cultura oriental; escapam-me muitos dos detalhes, riquíssimos, que embrulham suas historias. Mesmo assim, aventurei-me com este filme, apesar de ter ouvido comentários não muito favoráveis. “Uma mistura de lenda épica com fantasias fora de lugar: bruxas, criaturas raras, excesso de imaginação. Um filme esquisito.”. Apertei o play e já nos primeiros fotogramas escutei o recado que me seduziu. “No Japão Feudal as províncias eram governadas por um Shogun, e a paz mantida pelos Samurais a qualquer custo. Se um Samurai fracassasse ou decepcionasse o seu senhor, sofria a pior vergonha em toda a comunidade japonesa: tornava-se um Ronin. Saber a história dos 47 Ronins significa saber a história de todo o Japão”.

Não pude menos de lembrar uma outra experiência que vivi há 10 anos, quando assisti O Último Samurai, e me emocionei com as lendas do Japão Feudal, e com a enxurrada de virtudes humanas que ornam a vida dos Samurais. Muitas vezes usei cenas desse filme nas minhas conferências, sempre com alto impacto. Recordo um aluno de medicina que se aproximou de mim no final de uma palestra, quando eu estava recolhendo o meu computador e me disse emocionado: “Professor, eu quero ser um Samurai”.
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Alasdair MacIntyre: Edith Stein. Un prólogo filosófico (1913-1922)

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Alasdair MacIntyre: Edith Stein. Un prólogo filosófico (1913-1922) Ed. Nuevo Inicio. Granada (2008). 328 págs.

edith-stein     O filósofo escocês nos oferece um belo ensaio sobre a trajetória filosófica de Edith Stein (1891- 1942), nos anos que precedem à sua conversão ao catolicismo. Desde o começo deixa claro que não há ruptura no itinerário filosófico de Stein, e que ele se continuará por toda a sua vida. Edith Stein incorpora a filosofia à própria vida, e filosofa desde a perspectiva da sua realidade vital. “Uma vida configurada pela atividade filosófica e guiada pelas suas conclusões é muito diferente à de outro ser humano, similar ao filósofo, mas cuja vida não foi ‘tocada’ pela filosofia. (…) Ela fez com que deliberadamente o seu pensamento filosófico estivesse relacionado com as práticas da vida quotidiana, e utilizou as experiências vindas dessas práticas para formular novos problemas filosóficos e chegar a conclusões.” Esta obra não é uma biografia, mas uma reflexão sobre a ação filosófica de Edith Stein. Não é portanto um livro simples; requer para o seu aproveitamento, uma certa familiaridade com os termos e conceitos da filosofia.

     Nos primeiros capítulos narra-se o encontro com Adolphe Reinach, um dos discípulos de Husserl, o fundador do sistema filosófico conhecido como fenomenologia. Reinach era influenciado por outro dos seus mestres, Theodor Lipps, preocupado com a psicologia e que atentava na compreensão do que denominou “Einfuhlung”, (empatia). Seria justamente a empatia a que captaria a atenção de Stein e daria corpo a sua tese doutoral em filosofia, a primeira defendida por uma mulher na Alemanha.

     Arriscando uma simplificação, poderíamos dizer que a fenomenologia é o método filosófico que nos permite entender as propriedades essenciais dos objetos que se nos apresentam na experiência. Husserl recomendava ser necessário suspender as atitudes e crenças naturais como condição prévia para conseguir uma atenção adequada para os objetos que se apresentam e para refletir sobre eles. Somente através da atenção e da reflexão se pode progredir no olhar fenomenológico. É função da atitude fenomenológica distinguir o essencial do acidental e chegar a uma intuição das essências. Percebemos seres particulares com propriedades que somente podem ser entendidos quando intuímos as essências fundamentais.

     Comenta MacIntyre que o olhar fenomenológico quer ser uma volta as coisas, ao essencial. Existe uma apreensão do todo, da coisa em si; não é apenas um fenômeno que devo ordenar de acordo com as minhas categorias prévias de conhecimento (como afirmava Kant), nem uma enxurrada de impressões desordenadas e desconexas (como assegurava o empirismo de Hume). Husserl dizia que ele escutava uma canção e não as notas separadamente. A reflexão e o olhar fenomenológico se assemelha a quem aprende a ver as cores. O autor acrescenta um exemplo peculiar: Van Gogh comentou com o seu irmão que tinha sido capaz de distinguir 19 tipos diferente de branco nos quadros de Franz Hals.

     Evidentemente, o âmago da discussão filosófica é muito profunda. Mas se tivéssemos de arriscar uma explicação ingênua diríamos, que no fundo, esse olhar fenomenológico quer se aproximar do que as pessoas simples percebem, pessoas essas que obviamente não usam a linguagem fenomenológica. O método fenomenológico confirma filosoficamente o que as pessoas comuns percebem. E dando sequência à arriscada simplificação que nos permite incorporar a filosofia à vida, deve-se reconhecer que o assunto é por demais sugestivo: na vida diária é preciso despir-se de preconceitos (de categorias que temos a priori, como Kant), daquele “eu sei como é que é, este filme eu já vi” para tentar entender o que nos cerca e os seres humanos que conosco convivem.

     Voltamos a Edith Stein. O autor dedica outro espaço da sua obra à génese da percepção fenomenológica da filósofa. Stein serviu como enfermeira na primeira guerra, um modo de servir à pátria, ela que era profundamente prussiana. É nesse trabalho, quando percebe a importância da captar os sentimentos e juízos dos outros, dos próprios pacientes, médicos e enfermeiras. Foi nesse momento quando recebeu um impulso importante para o seu futuro trabalho sobre a empatia, que tinha uma relevância prática.

     É dessa reflexão onde nasce a sua preocupação pelo conhecimento do outro, carro chefe do tema da empatia. Uma caraterística essencial da consciência empática é a consciência dos sentimentos dos outros. A relação que temos com os sentimentos dos outros é análoga à que temos com os nossos próprios sentimentos passados. Posso chegar a reparar o que o outro está sentindo, mas não tenho porque sentir o mesmo que ele, assim como lembrar dos meus sentimentos –mesmo com clareza- não significa que tenho de voltar a senti-los. Um entendimento profundo, compreensão real, mas sem necessidade de incorporá-lo. Eu compreendo perfeitamente o que senti naquela determinada ocasião, mas não tenho porque senti-lo igualmente neste momento atual.

     Vale aqui um comentário deduzido da leitura destes parágrafos extensos e árduos. É preciso cautela para afirmar que “estou me colocando no lugar do outro”. Sim, eu faço isso, mas com os meus padrões (meus sentimentos, minha reatividade, minha compreensão da realidade vital, minha própria historia biográfica) e não com os dele, de modo que não chego a entender verdadeiramente. Não basta colocar-se hipoteticamente no lugar do outro e continuar sendo eu mesmo a vivenciar esse lugar em que me coloco. E preciso estar desprendido também dos próprios padrões para se chegar no conhecimento empático. “Uma fonte de erro é substituir a consciência empática por uma intuição do que o outro pensa ou sente, fazendo uma analogia do que eu sentiria se estivesse no seu lugar. É um modo de considerar o outro como parecido a nós mesmos, de modo injustificado. Somos mesmo diferentes, muito mais diferentes do que gostaríamos para simplificar toda esta questão!”

     Alguns aspectos do conhecimento próprio somente são possíveis através do conhecimento dos outros, e do conhecimento que eles têm de mim. A compreensão de nós mesmos é corrigida através do que aprendemos de nos mesmos em virtude dos outros, de como os outros nos vêm. Trata-se de uma empatia reiterada, que vai trabalhando o conceito de nós mesmos. A empatia em Stein não é um simples golpe de intuição –à primeira vista- mas uma atitude que requer reflexão, voltar uma e outra vez sobre nós mesmos, e sobre os outros, percurso que enriquece o conhecimento próprio e o alheio. Não é um espasmo de conhecimento, mas algo trabalhado.

     MacIntyre recolhe outro tema interessante do pensamento de Edith Stein: o do individuo e da comunidade. Na comunidade os fins dela são os meus próprios, me identifico com ela, fui eu quem se inseriu nela voluntariamente. Na sociedade, agregação mais ampla, tento favorecer os fins dela realizando os meus. A comunidade é mais próxima, mas não pode perder de vista a sociedade. E esta não pode anular as comunidades. Individualidade e associação que se complementam mutuamente. Nem individualismo, nem massificação. Uma sugestiva perspectiva que tem implicações sociológicas e antropológicas.

     Assim Stein afirma que é preciso aprender a distinguir aquilo que os outros esperam de nós e podemos atingir, porque somos capazes de mudar; e aquilo que não está em nosso poder mudar. Distinguir umas coisas das outras nos ajuda a saber quando e onde devemos ser intransigentes. E também nos da uma visão realista das nossas possibilidades de transformação. A capacidade para certa intransigência e o extraordinário realismo sobre si mesma, foram traços permanentes no caráter de Stein. Afirma textualmente o autor: “Stein era ate um grau excepcional, capaz de sentir um grande afeto por alguém e no entanto manter-se alheia à sua influência”. E dá como exemplo o relacionamento de Edith com a sua própria mãe: amava-a profundamente, sem que isso afetasse as suas decisões vitais (foi o caso da sua conversão e da profissão religiosa como Carmelita Descalça).

     Nos capítulos finais, quando o itinerário filosófico se aproxima do tempo da conversão, MacIntyre destaca no pensamento de Stein o tema da alma e dos valores. “É preciso desenvolver a capacidade de reconhecer os valores e de responder a eles; é preciso ter hábitos morais e estéticos determinados….É preciso entender de que modo se assumem os valores como próprios e como se atua em relação a eles; como se é feliz e como se sofre depende do estado da alma. Conhecemos o que a pessoa é quando conhecemos o mundo de valores onde vive”

     Em 1920, Edith Stein depara-se com o “Livro da Vida” de Santa Teresa de Ávila, que lê de corrido numa noite. “Aqui está a verdade” exclama no final. Meses depois recebe o Batismo na Igreja Católica. Tinha 31 anos. Após 11 anos, ingressa no Carmelo de Colônia adotando o nome de Teresa Benedita da Cruz. Em 1942, a perseguição nazista contra os judeus a localiza no Carmelo dos Países Baixos e a leva prisioneira para Auschwitz, onde morre em 1942. Nunca negou a sua raça e o amor ao seu povo judeu, e oferece a sua vida pela conversão dos hebreus. O Papa João Paulo II a canoniza em 1998.

     MacIntyre interrompe o seu ensaio em 1922, quando acaba o prólogo filosófico de Edith Stein. Mas inclui uma anotação que deixa entrever como essa notável intelectual deu sequência ao seu pensamento e produção filosófica. Quem tinha surpreendido o próprio Edmund Husserl quando lhe mostrou ter lido com atenção a sua difícil obra “Investigações Lógicas” (A senhora leu tudo isso? Inteiro? Verdadeiramente notável –exclamou Husserl). Quem foi assistente do mestre, colocando ordem nas suas ideias e no mundo caótico das anotações espalhadas em papeis esparsos –parece que trabalhar com Husserl e tentar ordenar a vida do filósofo não era tarefa para qualquer um), não poderia deixar de exercer o seu ofício –verdadeira vocação- independentemente da sua mudança para o estado clerical.

     Assim o relata a própria Edith: “Num tempo imediatamente anterior à minha conversão cheguei a pensar que levar uma vida religiosa significaria deixar de lado tudo aquilo que fosse secular e viver com o pensamento absorto nas coisas divinas. Aos poucos reparei que neste mundo se nos pede outra coisa e que mesmo na vida contemplativa não há por que cortar a relação com o mundo”. E conclui MacIntyre: “Para quem como Stein esteve dedicada à filosofia é muito difícil não ter pensamentos filosóficos. Conseguiu encontrar o caminho dentro da sua vocação de religiosa e a sua fenomenologia iluminou-se com novos horizontes”.

     E não somente durante a vida mas, atrevo-me a acrescentar, que depois também. Em Madrid, há uma Igreja dedicada a Santa Teresa Benedita da Cruz. Mas ninguém a conhece por esse nome. Tive ocasião de assistir a alguma função litúrgica lá e o comprovei. Quando se me ocorreu perguntar pelo lugar e hora da cerimônia em questão, a resposta foi clara: “Será às 7 da noite, em Edith Stein”.

Los cuatro pilares de la medicina de familia

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La medicina de familia es la práctica médica centrada en la persona, no en la enfermedad. El médico de familia es el médico personal, el médico de cabecera como se le llamaba en otras épocas. En esos tiempos la medicina tenía que ser así o no era medicina. No había entonces otros recursos para atender al paciente, ni tecnología que nos pudiera distraer del enfermo para centrarnos en la molestia.

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A Arte Médica (II): a relação com o paciente

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Construir um bom relacionamento com o paciente requer do médico uma séria de disposições que se podem resumir no interesse real pelo paciente: ter presente que o paciente é sempre o protagonista do encontro clínico. A aparência externa do médico, apresentação agradável, discreta e transparente, facilita o relacionamento. A observação, a capacidade de escutar com paciência e abertura são também elementos imperativos para construir uma relação positiva que se reforça no momento do exame físico, elemento indispensável na liturgia do encontro médico-paciente. As palavras do médico, impregnadas de entusiasmo e convicção, são recurso também imprescindível para a construção de uma relação eficaz e terapêutica. Os erros médicos são, na maior parte das vezes, fruto da insuficiência humana por não ter sabido colocar em prática os conselhos aqui comentados. Publicações apontam evidências mostrando que, na prática, o médico não disponibiliza tempo suficiente para escutar o paciente. Aprender a fazê-lo não alongaria as consultas, mas as tornaria mais eficazes.

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A menina que roubava livros: um amor forte como a morte

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The Book Thief. Diretor: Brian Percival. Sophie Nélisse, Geoffrey Rush, Emily Watson, Nico Liersch, Ben Schnetzer. 131 min. (2013)

book_thief_capa     O título me entusiasmou. Não pelo ato de roubar –como se verá, a menina apenas empresta os livros-  mas pelo objeto do furto. Em tempos onde a corrupção trafega  solta, e criam-se nomes pomposos para disfarçar o que é roubo descarado, fazer dos livros objeto do desejo é, no mínimo, um ponto positivo. As pessoas vão atrás do dinheiro, do poder, da fama. A garota arrisca a pele por conta dos livros.

     A protagonista é Liesel, filha de uma mulher perseguida pelo governo alemão durante a segunda guerra. O serviço social germânico, sempre eficiente, confia a garota a um casal sem filhos: Emily Watson e um soberbo Geoffrey Rush, que melhora sua performance a cada filme. Essa é a pista de decolagem para um filme que é um belíssimo ensaio sobre a finitude e o amor.
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Alejandro Llano: “Caminos de la filosofía”

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Alejandro Llano: “Caminos de la filosofía”. Eunsa. Pamplona 2011. 404 pgs.

     Não é um livro fácil. Nem de divulgação. Mas segui os conselhos do professor Llano –a quem admiro pela sua clareza no pensar e no dizer- de que é preciso desafiar o aluno com assuntos que não seja capaz de entender logo de cara. “Uma das coisas mais formativas é o esforço por compreender colocações que, de cara, não se entendem. Se algum estudante me diz: ‘não vou a essa conferência porque não entenderei nada’, respondo que nunca poderão entender discursos minimamente sérios, porque a única maneira de superar o que já se entende é tentar desvelar o que aparentemente te supera”. Senti-me desafiado, enfrentei a parada, evitei a tentação de ler em diagonal bastantes trechos que me resultaram árduos.

     Apesar do meu empenho é forçoso dizer que senti falta da habitual clareza de Llano nos seus escritos. Talvez porque este livro foi idealizado por três dos seus discípulos, hoje professores de filosofia em diversas universidades espalhadas pelo mundo, e se converte numa conversa entre eles, o que para os vulgares mortais resulta difícil de acompanhar. Mesmo para quem já tem alguma familiaridade com a filosofia, e se aventurou a ler muitos autores, o diálogo não é claro. Aparece muito nome, muito filósofo que se cita com a familiaridade de quem já está de volta, de quem já entendeu as primeiras, segundas e últimas intenções –e consequências- desses autores. Não é um livro para promover a filosofia, mas uma conversa de filósofos, ou talvez, de professores de filosofia. Penso que estes diálogos subtraíram a clareza que é habitual no autor quando está dando aulas, ou simplesmente escrevendo o que ensina.

     Uma explicação que pode esclarecer. Em certo momento do livro, o autor diz que há filósofos de “segunda volta”, de segundo tempo. Refere-se aqueles que, antes do leitor confrontar-se com os seus escritos, se requer um aquecimento intelectual lendo outros filósofos. Não se pode enfrentar, por exemplo, Heidegger, ou Wittgenstein, em frio, logo de cara. “Todos os filósofos contemporâneos são de segundo tempo. E mesmo os anteriores, até os pré-socráticos que parece que estão falando sempre uns com os outros” .

     Este é, claramente, um livro de segunda volta. E a dificuldade na leitura entranha um recado claro: não se aprende filosofia, mas a filosofar; e somente se aprende a filosofar, estudando filosofia. A filosofia somente se alcança quando se assume uma atitude filosófica. Resulta imprescindível aprender com interlocutores e não apenas com material, acumulando créditos, e competências. Não se aprende filosofia andando pelo campo e olhando as estrelas, mas no diálogo com os filósofos. São imprescindíveis interlocutores com quem dialogar, livros, ambiente fértil. Em muitos dos ambientes universitários atuais, onde a utilidade e o benefício (as competências e os requisitos administrativos) passam por cima do diálogo e do ambiente fértil de pensamento, a ameaça para a filosofia é séria.
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Gravidade: Epopeia Feminina à Conquista do Espaço (interior)

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Gravity.(2013) Diretor: Alfonso Cuarón. Sandra Bullock. George Clooney, , 93 min.

     Um belíssimo filme. Com peso, densidade, com a gravidade que parece faltar no cenário espacial. Dito isto, e para aumentar os créditos, vale comentar a seguir o processo como fui seduzido. Os filmes de ficção nunca foram a minha praia. Se a ficção é espacial, e as críticas recomendam ver em 3D, sei que posso esperar uma constelação de efeitos especiais que tentam compensar a falta de conteúdo humano, que é a verdadeira isca com a que um filme consegue me fisgar. Resisti-me à aventura espacial de Clooney e Bullock, fui encontrando desculpas –afinal há muito filme na lista de espera para ser visto- até que, num momento desavisado, apertei o play. Impactante. Não soube dizer por quê, mas deixou marca.

     Como dizia Ortega, somos também nossas circunstâncias. As minhas guardavam, ainda quentes, as ponderações geradas pelos livros que tinha acabado de ler e comentar. Garotas no limite, de Leonard Sax, onde se fala das mulheres –adolescentes, para ser mais preciso- que estão conectadas com metade do planeta, e desconectadas delas mesmas, da sua intimidade. A biografia de Marañon, onde se adverte que o romantismo precisa de tempo e solidão para ser vivido, distanciando-se da pressa e da técnica. E um texto que o Papa Francisco enviou no dia mundial das comunicações aos detentores da mídia, sugerindo que se esforcem por encontrar no ambiente digital o sentido da pausa e da calma, o silêncio que permite escutar, dimensões todas que nos ajudam a crescer em humanidade e em compreensão recíproca
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Antonio López Vega: Gregorio Marañón. Radiografía de un Liberal

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Antonio López Vega: Gregorio Marañón. Radiografía de un Liberal. Taurus. Madrid 2011. 552 pgs.

     O livro esta escrito em espanhol, mas merece um comentário em português, por dois motivos. O primeiro é a amizade que me une ao autor –que me deu este exemplar onde estampou uma dedicatória apaixonada, sabendo do muito que eu me inspiro nos escritos e na vida do Dr. Marañón. Uma dívida com atraso, pois tenho o livro há mais de ano, e somente agora consegui serenidade para lê-lo com calma. O segundo motivo, que está intrinsicamente ligado ao primeiro, é promover a figura de Marañon –e do seu biógrafo, talvez a maior autoridade no tema, diretor da Fundação Ortega- Marañón em Madrid- entre o público brasileiro.

     Forçoso é reconhecer que há mais de vinte anos venho comentando –e traduzindo ao português- o pensamento de Gregorio Marañón, como recurso imprescindível na formação dos médicos, em particular, e do ser humano em geral. Em todos os meus livros, e em muitas das publicações, as citações de Marañón são frequentes; e também textuais, porque é difícil exprimir com menos ou melhores palavras os conceitos que o médico espanhol esculpia nos seus escritos. O desconhecimento da sua pessoa e obra é quase total no nosso meio acadêmico-cultural Brasileiro, e esta biografia, que parece ser definitiva, mereceria uma tradução e a consequente promoção no nosso pais. Vale anotar que das três viagens que Marañón realizou a América do Sul, o único pais que visitou em todas elas, foi o Brasil, e lhe produziu esse efeito encantador que seduz aos intelectuais que nos visitam. Lembrei das palavras de Paul Claudel, numa circunstância semelhante: “Qualquer um pode dizer o que bem entender do Brasil, mas não tem como negar que se trata de um desses países pungentes, que impregnam a alma e a deixam com um certo tom, um vezo, um tempero de que ela nunca mais conseguirá se ver livre”. Espero que estes comentário caiam na mão de algum editor que tenha a coragem de enfrentar esta empreitada. Posso lhe assegurar que não se arrependerá.

     A leitura desta biografia teve o sabor do tempero conhecido; isso sim, ordenado com arte e precisão, especialmente no relativo à profissão médica. “Essa visão antropocêntrica da medicina, onde tudo gira em volta do enfermo e da sua circunstância, é a que fez que Marañón passa-se à historia como o protótipo de medico humanista, precursor do que hoje se denomina medicina personalizada, que centra os diagnósticos e tratamentos nas peculiaridades biológicas, fisiológicos e metabólicas de cada paciente (…) Advogava por uma medicina que se ajustasse ao indivíduo, e não ao contrário. Era preciso colocar o foco da atenção médica no paciente ao invés de coloca-lo na doença”. (…) O Manual de diagnóstico etiológico, era a expressão da sua defesa de uma medicina integral: a evolução da medicina revela e acentua o paradoxo de que , conforme a especialização se torna mas necessária e eficaz, é também mais necessário que todo médico especialista tenha uma base de orientação sintética, geral, que alcance todos os galhos da nossa arte, mesmo os mais afastados de atividade habitual de cada um. (…) Em 1959, quando recebe o Doutorado Honoris Causa em Coimbra, insiste na necessidade de conciliar técnica com humanismo, pois “não são opostos, como muitos pensam, mas uma encruzilhada de forças distintas, inevitável e fecunda”. Este é o legado que ele queria deixa, como médico humanista: a imprescindível compreensão da medicina, de maneira individualizada e integral. São todos conceitos, ideias, fatos que fazem parte do meu quotidiano como médico e como professor de medicina. Relembrar estas realidades me fizeram pensar, com agradecimento, o muito que pessoalmente devo a Marañón.
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