Ally Carter: “Ladrões de Elite”

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Ally Carter: “Ladrões de Elite” (Heist Society). Arqueiro. São Paulo. 2010. 231 pgs.

Tomei conhecimento deste livro ao me deparar com uma breve crítica sobre a autora, especializada em escrever romances de adolescentes precoces e de garotas espiãs disfarçadas de colegiais de classe social abastada. Não estou na idade de ler estas coisas, mas quis dar uma trégua a leituras de maior densidade, sobretudo porque tinha muitas horas de voo pela frente, numa sequência de compromissos internacionais. O tempo não passa à toa: dormir num avião é já um desafio, o organismo não se adapta aos menus aéreos como outrora, e os espaços vitais da cabina limitam cada vez mais o corpo e a própria mente. A salada de filmes que é servida também não me atrai; deixo-a de lado sistematicamente, apesar do meu lado cinéfilo. Justifica-se, pois, uma folga, ler algo sem compromisso.

Um romance de adolescentes, profissionais do roubo, atividade que praticam por esporte e por tradição familiar. Esporte mesmo, porque nenhum dos personagens tem carência material alguma. Alguns dos protagonistas são milionários, outros viajam de primeira classe, andam de limusine e naturalmente tem mordomos elegantes e multiuso. Impossível não se lembrar dos últimos filmes de Batman, e do seu mordomo inglês. Mas aqui não se combate o crime; pratica-se, embora sempre com grande estilo: a especialidade da gang é roubar obras de arte. Habilidade esta que, por vezes, serve até para colocá-la ao serviço do bem, ou pelo menos, para ajudar os menos bandidos, se é que se permite tal qualificação que escandalizará os estudiosos da ética.

A protagonista, uma garota de 15 anos, é uma mistura de Sherlock Holmes, com Robin Hood, tem traços do famoso Raffles, o bandido das luvas brancas, e atitude de comando do líder de Missão Impossível. Personagem bem elaborado e nota-se a mão feminina da autora nos contrastes que nos apresenta: uma adolescente encabulada que lhe custa assumir que já é mulher, uma perspicácia digna do inspetor Maigret, e uma articulação internacional que daria inveja ao secretário geral da ONU.

Talvez tudo seja um sonho e como disse no início, a idade para ler este romance seja outra, não a minha. E confesso que o que me atraiu enormemente foi a capa, muito feliz, onde Kat Bishop, nossa adolescente gênio, está fantasiada de “Bonequinha de Luxo”: aquela encantadora Audrey Hepburn , que sonhava com os diamantes de Tiffany’s, ao som inesquecível de Moon River.

Mariano Fazio: La América Ingenua.

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Mariano Fazio: La América Ingenua. Rialp. Madrid (2009). 187 págs.

     Acabo de ler este livro e faço de imediato o propósito de lê-lo novamente. Mas não quero adiar o comentário que poderá estimular outros para aventurar-se nesta leitura apaixonante e substancial. Poucas vezes encontrei num livro relativamente curto, tanta densidade de informação unida a comentários e ponderações que, com notável capacidade de síntese, oferecem um panorama completo de uma época histórica. É, sem dúvida, um livro escrito por um acadêmico, que é também um professor. São termos que não se confundem. O acadêmico pode dominar o tema, mas se carece de atividade docente –da experiência que se ganha na tentativa de transmitir conhecimentos- a clareza expositiva na hora de escrever costuma deixar a desejar. Não é caso: temos aqui uma aula magnífica, compreensível e lógica, das aventuras anexas à descoberta e conquista de América, no século XVI. Uma aula proferida por alguém de cultura inegável –basta dar uma olhada na amplíssima bibliografia consultada e realmente trabalhada- que tem sangue americano. Quer dizer, alguém do lado de cá do Atlântico, o que confere ainda maior credibilidade ao seu raciocínio.

     O tema do descobrimento de América – e nem dizer do amplo capitulo das conquistas- é assunto que suscita polémicas, muitas vezes reflexo de ideologias através das quais se quer entender a realidade da história. Na presente obra, a serenidade alia-se à seriedade científica, para apresentar-nos com equilíbrio um fato que mudou a vida da humanidade. Mais do que descobrir algo ou alguém, tratou-se de um encontro de raças que viviam ignorando-se e de cuja fusão nasceu o continente americano. O autor adverte que transformar lendas negras em brancas é tão ilegítimo como o inverso; o fato histórico pode ter sido bom ou mau, justo ou injusto, mas não se pode apagar com uma penada ideológica, que é sempre uma simplificação grotesca da realidade.

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A Árvore da Vida: Terrence Malick em busca de Sentido

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The Tree of Life (2001). Diretor: Terrence Malick. Brad Pitt, Sean Penn and Jessica Chastain. 139 minutos. 2001.

     Este é um desses filmes que eu nunca teria me animado a assistir, mas não tive escapatória. A convocação me chegou a través de um amigo, depois outro, e mais um. “Você tem que ver esse filme que ganhou Cannes”. Assim de simples. Na verdade, o que se deve ler é “Você tem de ver esse filme, e escrever sobre ele, porque quero saber o que você vai comentar”. É o que da quando a gente se mete a crítico de cinema – que, aliás, nunca afirmei ser, nada mais longe do meu propósito. Apenas compartilho as ideias que me ocorrem quando vejo filmes, na tentativa –isso sim é verdade- de promover a reflexão.

     A bandeira do humanismo que, também é fato, levanto sempre que se me oferece a oportunidade, é estandarte confeccionado à base da reflexão. Educar no humanismo não é tanto ensinar coisas novas, mas, sobretudo ajudar a lembrar das raízes que todos levamos dentro. Ou, como me dizia o outro dia um professor universitário envolvido com os temas da bioética, trata-se de despertar o humano que está adormecido, esquecido dentro de nós. Não se trata de inventar nada, ou melhor, é pura invenção, no sentido latino que Ortega lembra nos seus escritos: inventar- invenire, descobrir, encontrar. Não é criar–afirma o filósofo-, mas aprender a demorar-se em contemplar as coisas próximas da nossa intimidade, do nosso âmbito doméstico, que preenchem as horas da nossa vida. Lá encontramos o filão do humanismo, das raízes, das aventuras que somos chamados a viver.

     Terrence Malick é um diretor muito peculiar, um cult. Como já comentei em alguma ocasião, não sou entusiasta dos diretores que fazem um filme a cada 5 ou 10 anos, e depois desaparecem. Uma espécie de cometa Halley do Cinema. Mas a insistência dos amigos e o premio de Cannes –logo mais volto sobre isto, pois tem sua importância- foram o motor de arranque para enfrentar as quase duas horas e meia de filme.

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J. D. Salinger: “O Apanhador no Campo de Centeio”

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J. D. Salinger: “O Apanhador no Campo de Centeio”. Editora do Autor. Rio de Janeiro. 17ª Ed. 206 pgs.

     Um fórum de humanismo com universitários foi o motivo de me aventurar a ler este livro. Tenho as minhas reservas com os autores cult que publicam “aquele livro”, somem por duas décadas, e talvez se dignem escrever algum outro título, a modo de colher de chá, para os leitores que lhes tributam devoção. O mesmo acontece com alguns diretores de cinema, que fazem um filme a cada dez anos e depois mergulham no ostracismo, rodeando-se de uma aura de pensador misterioso e genial. Por isso nunca cheguei a decidir-me por decifrar o tão trazido e levado apanhador no campo de centeio. Mas desta vez, sendo o tema da discussão, não havia escapatória.

     Li o livro em um par de tacadas. Talvez algo injusto tratando-se de obra tão comentada. Mas adotando o estilo do singular protagonista, vamos com a verdade pela frente, sem ficar preso a convencionalismos hipócritas. A descrição precisa –e a tradução acertadíssima, tudo seja dito- esculpe a figura de Holden Caulfield, um perfeito anti-herói. Lembrei, logo no início, de Bogart em Casablanca, sarcástico e insensível, fazendo questão de parecer o mau da história sem, naturalmente, consegui-lo. Lembrei-me de James Dean, o rebelde sem causa, contemporâneo de Holden, lá na década dos cinquenta. E, postos a lembrar, o Gênio Indomável de Matt Damon –que é domado por Robin Williams- também veio à memória.

     São variações sobre o mesmo tema. O homem crítico com o mundo –e com toda alma viva- que revela uma carência substancial de afeto. Sabe tudo o que não quer, mas desconhece o que realmente quer. Condena qualquer convencionalismo e falsidade, e incorre no mesmo erro; odeia o semelhante porque se odeia a si próprio. Este panorama, incarnado num adolescente, oferece uma riqueza de matizes que é prato cheio para a discussão humanista. De fato, o fórum resultou numa densidade de opiniões considerável. Aprendi muito. E decidi escrever para que outros que tenham alergia aos “cult” não percam a oportunidade de refletir ao compasso das crises do protagonista.

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John Berger & Jean Mohr: “A Fortunate Man: The story of a country doctor”

Pablo González Blasco Livros, Não categorizado 1 Comments

John Berger & Jean Mohr: “A Fortunate Man: The story of a country doctor”. The Penguin Press. London. 1967.

     Tomei conhecimento deste livro no passado mês de Abril, em New Orleans. Foi durante o Congresso Anual da STFM- Society of Teachers of Family Medicine, congresso ao qual assisto habitualmente. Um dos últimos dias, tendo já realizado as minhas apresentações, vi no programa uma sessão intitulada “Reading A Fortunate Man”. Nada sabia do livro, mas conhecia a maioria dos apresentadores, alguns meus amigos pessoais, e reconhecidos líderes no campo da Medicina de Familia, prestigiosos educadores. Fiquei encantado com as historias relatadas, e com o envolvimento dos professores com o livro. Decidi compra-lo, e pedi para o meu amigo, o Dr. John Frey, um dos apresentadores, o emocionante texto que leu no momento, onde confessa ter sido esse livro o que lhe fez não desistir de ser médico. Está em inglês, mas vale a pena lê-lo com calma (e, se necessário, com dicionário). Um testemunho impactante.

O livro é excepcional. Não é uma biografia, nem mesmo uma reportagem sobre Sassall, um médico rural no interior da Inglaterra. É um verdadeiro ensaio, pois a vida do médico é pauta para considerações profundas que incitam à reflexão. E, lá no fundo, surgem os temas candentes com os quais todo médico –que vive de verdade sua vocação profissional- deve defrontar-se na vida. Como lidar com o sofrimento dos outros, a tremenda responsabilidade da confiança que os pacientes depositam no médico –uma especial fraternidade que lhe confere o poder de adentrar-se na intimidade alheia. E, também, o próprio sofrimento, a angústia de saber que sempre se pode fazer mais. E a solidão, porque no íntimo das decisões profissionais não há com quem compartilhá-las. Alguns trechos são magníficos, serviriam de base para ótimas discussões acadêmicas, com fundo filosófico. Vão alguns exemplos: (alguns traduzidos).

Intimidade. Existe uma intimidade toda especial entre o paciente e o seu médico que transcende a intimidade dos amantes. Algo muito próximo da intimidade que se tem na infância. Nos entregamos ao médico, abrimos nossa intimidade, como o faríamos quando crianças, e de algum modo o envolvemos nesse sentimento de família. Imaginamos o médico como um membro honorário da família. Não como os pais, mas sim como um irmão ou irmã mais velho.

A morte. O médico tem familiaridade com a morte. O chamamos para que nos cure e nos alivie, e se não puder fazê-lo, o convocamos para que seja testemunha da nossa morte. O médico circula confortavelmente –é isso que pensamos- entre a vida e a morte.

“Recognition”, palavra difícil de traduzir, porque quer significar identificar, entender, compreender, contato empático. É a pura ação médica, conforme o autor descreve, traduzindo livremente: “A função do médico é reconhecer (entender, compreender) o ser humano. Sei que utilizo esta palavra para incluir técnicas complicadas de psicoterapia, mas na essência, essas técnicas são justamente recursos para entender o ser humano. Para compreender o doente, o médico deve primeiro conhece-lo como pessoa. São cada vez mais raros os médicos que sabem diagnosticar bem; não porque lhes falte conhecimento médico, mas porque não são capazes de levar em conta todos os fatos relevantes –emocionais, históricos, ambientais- e integrá-los com os físicos. Buscam aspectos específicos ao invés de buscar a verdade sobre o enfermo, que lhes sugeriria muitas outras dimensões. Um bom médico é aquele que é capaz de satisfazer as profundas e, com frequência, silenciosas expectativas do enfermo com um sentido de fraternidade. O médico o conhece, sempre. Pode falhar às vezes, mas possui o desejo constante e profundo de um professional que faz questão de conhecer o ser humano”.

Testemunho das vidas dos pacientes. Faz mais do que trata-los. É um testemunha das vidas dos pacientes. Os pacientes não se referem a ele como tal, e somente pensam nele quando precisam. É uma espécie de escrivão que registra as vidas dos que tem à volta. The clerk of their records.

Ativismo. Exceto quando está tratando com os pacientes, é uma pessoa impaciente. É incapaz de estar sem fazer nada, incapaz de descansar. Dorme fácil mas no fundo agradece quando é acordado para atender alguém durante a noite. Custa-lhe aceitar uma vida normal. Talvez porque, sendo consciente ou não, preenche com trabalho o tempo que dedicaria e refletir sobre as angústias que lhe cercam, provenientes do sofrimento dos seus pacientes.

Honorários. As duas últimas páginas são excepcionais, pois abordam o difícil tema do valor de uma atividade como a do Dr. Sassall. Qual é o valor social que se dá a aliviar o sofrimento e a dor? Quando se trata de valorar um procedimento (cirúrgico) ou uma descoberta científica, as medidas são mais adequáveis. Porém, quando do que se trata é de medir a contribuição normal e quotidiana de um médico rural, de um generalista, o assunto é mais complicado.

As Crises. O ponto anterior, não saber medir o valor do ordinário, faz com que o idealismo médico da juventude se transforme em cinismo, pois o médico já não é capaz de saber o valor da sua vida, e externamente também ninguém lhe ajuda, nem reconhece isto.

A conclusão que se pode tirar disto, é que é preciso uma motivação intrínseca e transcendental para superar essas crises, que sempre chegam. O vemos diariamente.

Erros. Tem mais consciência dos próprios erros do que a maioria dos médicos. Não porque cometa mais, ou porque saiba menos. Mas porque chama erros o que muitos outros médicos denominam –talvez com alguma justificativa- complicações desafortunadas.

Meia noite em Paris. O Realismo Sonhador de Woody Allen

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Midnight in Paris. Diretor: Woody Allen. Atores: Owen Wilson, Marion Cotillard, Rachel McAdams , Kathy Bates, Michael Sheen. 2011. 94min.

     Nunca fui fã de Woody Allen. Não acabo de entender-me com ele – mesmo admitindo que sabe fazer um cinema original, intuitivo, por vezes genial. Surpreende-me, e me admira o modo de trabalhar as personagens, o roteiro, a trilha sonora; mas sempre existe algo que não funciona. Parece que, lá no fundo, se encontra latente um leitmotiv de ceticismo que sussurra: “caso você ainda acredite no ser humano, eu vou destruir essa crença”. É o mesmo que me acontece com outro diretor britânico, Sam Mendes (Beleza Americana, Foi apenas um sonho) que pratica a descrença da família: “Se você ainda acredita na família, eu vou dar um jeito para eliminar esse mito”. Definitivamente Woody Allen não é santo da minha devoção. Por isso estas linhas têm significado especial. Vai aqui o meu reconhecimento por este filme magnífico que acaba de produzir. Quando o comentei com os colegas, me disseram: “Para você recomendar Woody Allen, o filme deve ser bom mesmo”. Sim, é uma ótima fita, e por isso faço questão de promovê-la.

     O argumento é Paris. Paris, saudades, sonhos, e música. O resto, somente vendo. Até porque o argumento é o de menos; simples desculpa para um ensaio de romantismo, mas com miolo de fundo. Os atores dão boa conta do recado, performances discretas, que se dissolvem no argumento. O protagonista é um caso aparte. Parece que é um ator de seriados, sem nenhum destaque, mas encaixa no papel como uma luva. O segredo que me pareceu ver é simples: ele interpreta o próprio Woody Allen, trabalha como o faria o diretor, ….se tivesse 40 anos menos. O jeito de falar, as caras de surpresa, os gestos, a timidez estudada, até a entonação da voz. Allen o produz à sua imagem e semelhança, um perfeito alter ego, que passeia por Paris, embrulhado em lembranças, sonhos, romantismo e destilando saudades de um tempo que não viveu. Cheguei a pensar que Woody Allen teve vergonha de interpretar este papel, e delegou no garotão, para não se expor excessivamente. Maldade minha, são as minhas diferenças com o baixinho.

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Pablo Blanco Sarto : “Benedicto XVI. El Papa Alemán”

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Pablo Blanco Sarto : “Benedicto XVI. El Papa Alemán”. Planeta Testimonio. Barcelona 2010. 600 ,pgs.

 

     Comprei este livro há alguns meses, por considera-lo necessário, e o deixei na minha estante à espera que surgisse o momento oportuno. Os livros –como tantas outras manifestações de arte, como o vinho- têm o tempo adequado enfrenta-los. Essa ocasião deu-se umas semanas atrás quando se juntaram dois fatores: por um lado, pude dispor de alguns dias fora do meu trabalho habitual e, pelo outro, um encontro com o autor do livro com quem coincidi por alguns instantes, pois estava de passagem na cidade onde vivo. Nessa breve conversa, não pude evitar perguntar-lhe sobre o livro, além de pedir-lhe um autógrafo que generosamente estampou na primeira página. Resumiu assim a sua trajetória como biógrafo de Bento XVI: “Estava estudando teologia e comecei a me interessar pelos autores alemães. O meu orientador me disse um dia: Fica de olho em Ratzinger que ai tens um teólogo de mão cheia. Comecei a estudar e escrevi uma monografia no curso, uma espécie de tese, que era uma biografia de Ratzinger. Isso era em Outubro de 2004. Seis meses depois era eleito Papa e eu, sem procura-lo me vi no olho do furacão. Eu era a única pessoa que tinha escrito até esse momento uma biografia do novo Papa”. A tal biografia foi traduzida ao português (Pablo Blanco: Joseph Ratzinger. Uma biografia. Ed. Quadrante, São Paulo) e imagino que também para muitos outros idiomas. Mas o livro que nos ocupa, é fruto do trabalho posterior do autor, ao longo dos últimos cinco anos.

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Michael Ende: “A Historia sem fim”

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Michael Ende: “A Historia sem fim”. Martins Fontes. São Paulo. 2001. 392 pgs.

     Longe de mim pretender esboçar aqui um comentário crítico deste livro que, com frequência, serve de base para cursos, seminários, e jornadas filosóficas e literárias. Alias, foi por causa de um desses seminários –que acabou não acontecendo- pelo que me aventurei a lê-lo, pois se utilizaria como pauta do debate. A circunstância foi decisiva, porque a literatura alegórica não é gênero que me atraia. Entendo e respeito os escritores que lançam mão de metáforas fantásticas ou de animais inteligentes para dar recados ao ser humano. Mas eu prefiro viver os dramas ao natural, em versão realmente humana. Têm um sabor fenomenológico mais genuíno, ao menos para o meu paladar. E embora haja muita literatura simbólica de qualidade, a vida é curta e limitada, é preciso fazer opções, não se pode ler tudo o que se desejaria. Daí a escolha necessária, cada um conforme o seu gosto. Para o meu, a opção é direta, em carne e osso, sem necessidade de traduzir situações ou de explicar parábolas.

     Nesta ocasião, aventurei-me na leitura por ocasião de um evento do qual fui privado. Mas o saldo foi positivo, e não perdi o costume de fazer algumas anotações que me chamaram a atenção. Todas com implicações humanistas diretas.

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Minhas tardes com Margueritte: Educação e Humanismo para extrair o melhor das pessoas

Pablo González Blasco Filmes 4 Comments

(La tête en friche) Diretor:  Gérard Depardieu, Gisèle Casadesus. 82 min. (2010).

     Por vezes temos sorte e nos deparamos com um desses filmes que a crítica não promove, por ser uma produção menor. Metragem pequena, investimento mínimo, temática simples que também não exige dos atores um desempenho extraordinário. Um ensaio de teatro pontual, quase um passatempo doméstico. Temos sorte de que um filme como “Minhas tardes com Margueritte” caia em nossas mãos, e não no esquecimento.

Eis uma miniatura que transpira ternura, arte, cultura, que nos educa e nos torna melhores. Essa é –e não outra- a função da arte. Lembrar-nos as coisas importantes da vida, aquelas que esquecemos por estar ocupados com uma multidão de solicitações que nos acossam diariamente. Foi esse o motivo –conforme conta a mitologia- pelo qual Zeus criou as musas e as artes: para lembrar aos homens o que realmente importa.

Margueritte é uma anciã encantadora de 85 anos, – de acordo com o romance de Marie Sabine Roger que embasa o filme-, embora a atriz que incarna o papel tenha mais de 95. Quem passa as tardes com ela é Germain Chaze, homem de capacidades limitadas, criatura mal querida pela própria mãe, um fardo gordo e amorfo, puxado com fórceps, que se converte num ônus de por vida. Germain carece de cultura, de formas, ninguém investiu nele, recebeu apenas pancada. Sua cabeça é um terreno baldio como aponta o sugestivo título original em francês: La Tête en Friche. Mas tem um coração proporcional ao seu tamanho, quer bem o próximo, se faz querer, transforma suas deficiências em carinho exuberante, avassalador, envolvente. Esse será o solo fértil do qual a anciã extrairá fecundidade.

O filme pode ser analisado por muitos ângulos, e o valor biográfico dos anciãos, a delicadeza que emana da relação com os velhos é certamente um deles. Como dizia um bom amigo geriatra e professor universitário, os velhos têm pouca biologia por diante, a sua fisiologia é decadente, mas têm muita biografia. Para cuidar deles é preciso prestar atenção a essa dimensão vital, que se integra também na saúde física. Os meus pacientes octogenários também foram lembrados durante o filme, mas confesso que não foi esse aspecto o que me seduziu. Afinal, não é um filme sobre idosos, ou de como cuidar de uma anciã. É ela, Margueritte quem cuida e educa Germain, e com ele a todos nós. Esse é o panorama que se descortina diante deste filme encantador.

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Juan Antonio Rivera: “O que Sócrates diria a Woody Allen”

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Juan Antonio Rivera: “Lo que Sócrates diría a Woody Allen”. Espasa. Madrid, 2003. 326 pgs

     O que melhor define este livro é o subtítulo que o acompanha: Cine e Filosofia. Não se trata de um diálogo de Sócrates com Woody Allen, contado pelo autor, a modo de Platão moderno, nem de réplicas do diretor americano ao filósofo grego, como sugere o título em português. Trata-se, sim, de falar de filosofia, e dar recados, tomando como ponto de partida uma série de filmes. Ou talvez, encontrar os filmes que encaixam com as ideias que o autor, um professor de filosofia que ama o cinema, quer explicar. Como já sabemos –e tantas vezes o experimentamos, o ensinamos e escrevemos sobre o assunto- a filosofia da vida se torna de algum modo transparente na arte, diáfana no cinema que é o modo moderno de contar histórias; o autor arranca dos filmes, a modo de pista de decolagem para voos mais altos, alguns muito peculiares, outros um pouco forçados, mas voos ao final que nos ajudam a assumir uma postura de reflexão diante da vida. Esse é o grande ensinamento desta obra: é possível contemplar a vida –real, ou na ficção como no cinema- e refletir sobre ela, tirar consequências, enfim, assumir uma atitude filosófica diante do próprio viver, e do mundo.

     De entre os muitos pontos abordados, vale destacar alguns que são particularmente inspiradores: o mais importante da vida é o que o autor chama subprodutos. Quer dizer, aquilo que se consegue por tabela, não diretamente. É o caso da felicidade, da alegria, do sentimento do dever cumprido. Como muito bem anotou a este respeito V. Frankl –que o autor não cita, talvez por desconhecimento- ninguém consegue a felicidade quando se propõe ser feliz, mas quando serve os outros, cumpre o dever, é integro, ou mesmo quando sofre por um motivo claro. A felicidade lhe chega por tabela. O mesmo acontece com o descanso, com a realização pessoal.

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